Cortes na Saúde e falta de vacinas complicam combate à febre amarela em São Paulo
Especialistas defendem vacinação de toda a população brasileira, mas estoques não dão conta
A morte de um macaco bugio no Horto Florestal, zona norte de São Paulo, acendeu um alerta amarelo na maior capital do país. No dia 21, órgãos sanitários confirmaram que o animal foi vítima de febre amarela do tipo silvestre, doença potencialmente letal também para humanos. As autoridades descartaram o risco de uma epidemia na cidade de mais de 12 milhões de habitantes, mas isso não impediu que certa dose de medo tomasse conta da população. Especialistas são menos otimistas que a prefeitura: “Não há razão para pânico, mas não está tudo sob controle”, afirmou ao EL PAÍS Maurício Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. Além disso, de acordo com ele, os cortes orçamentários feitos desde 2016 nas áreas de ciência, pesquisa e saúde prejudicam uma resposta adequada ao surto e à produção de doses de vacina para toda a população.
Assim que o diagnóstico do macaco morto foi confirmado como febre amarela, a secretaria municipal de Saúde anunciou uma campanha de vacinação para os moradores do entorno dos parques da região norte, e afirmou que nenhum caso de transmissão para humanos foi registrado na capital. Milhares de pessoas correram aos postos de imunização, provocando longas filas. O panorama atraiu atenção também por causa da situação no Brasil: entre dezembro de 2016 e agosto deste ano, 777 casos do tipo silvestre da doença foram confirmados no país e 261 pessoas morreram em decorrência da doença, cujos sintomas incluem febre, calafrios, dores nas costas e corpo, náuseas, vômitos e fraqueza. Cerca de 20% das pessoas contaminadas costumam desenvolver a forma grave, com sintomas como hemorragia, e correm risco de morte. O Ministério da Saúde declarou em setembro, no entanto, que não há mais um surto da variedade em curso no país.
São Paulo tem aproximadamente 1,5 milhão de doses da vacina contra a febre amarela em estoque. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, anunciou na semana passada o envio de mais 1,5 milhão de doses. O número é insuficiente para imunizar toda a população do Estado, que é de cerca de 45,1 milhões de habitantes. Mas é suficiente para atender à população de 447.461 habitantes dos três bairros da zona norte da capital que foram incluídos no plano emergencial da prefeitura (Casa Verde, Tremembé e Vila Nova Cachoeirinha). A ideia das autoridades é fazer uma espécie de zona tampão nestes bairros, evitando a contaminação de humanos e minimizando as chances de que os casos e espalhem pela cidade.
Nogueira, da Sociedade Brasileira de Virologia, afirma que o adequado seria imunizar toda a população brasileira, mas que não há estoque de vacina para isso. “Em 2015 países africanos passaram por um surto grave, e a comunidade internacional enviou suas doses para lá, inclusive o Brasil”, diz. Com relação à situação de São Paulo, Nogueira diz que “não há motivo para pânico, mas não está tudo sob controle”. Ele acredita que “a partir da situação do primeiro semestre, onde tivemos o vírus circulando na região de mata atlântica na região de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Campinas, as autoridades não tinham argumento algum para não imunizar toda a população que não a falta de vacina”.
Itatiba, que fica na região de Campinas, interior de São Paulo, é uma das cidades que se mobilizam desde o início do ano para enfrentar a febre amarela. O sinal de alerta veio em janeiro, com o surto da doença no norte de Minas Gerais. O município paulista, que tem cerca de 115.000 habitantes, iniciou então uma força-tarefa de prevenção. Em apenas um mês de campanha, o número de pessoas vacinadas contra a febre amarela dobrou na cidade em comparação com o mesmo período de 2016. Porém, a campanha se intensificou no fim de março, baseada no mapeamento chamado de “corredor epidemiológico”, que é o caminho percorrido pelo vírus até chegar a uma localidade. Naquela ocasião, Campinas, que fica a 30 quilômetros do município, registrou três mortes de macacos por febre amarela em um distrito rural. Um protocolo preventivo a partir da detecção da ameaça por proximidade, algo que não aconteceu na capital São Paulo, por exemplo, que só lançou campanha de vacinação após registrar uma morte de macaco pela doença em outubro.
Durante todo o mês de abril, a secretaria de saúde de Itatiba adotou a estratégia de bloqueio da febre amarela na zona rural, onde há maior risco de contrair a forma silvestre da doença. A rotina de combate consiste em passar de casa em casa para vacinar os moradores e ampliar o monitoramento dos macacos infectados, que é feito de maneira conjunta, há oito anos, por 48 municípios da região de Campinas e Jundiaí. “A forma mais eficaz de se combater a febre amarela é evitar que o vírus chegue às áreas urbanas, isolando-o com um trabalho preventivo nas comunidades rurais. Dessa forma, criamos um cinturão de controle e estamos alcançando êxito no enfrentamento à doença”, afirma Fábio Luiz Alves, médico sanitarista da Unicamp e secretário de saúde de Itatiba. A meta em Itatiba é vacinar 109.000 pessoas até o fim do ano, mais de 90% da população. Apesar do esforço de prevenção, um homem de 76 anos, morador da zona rural, morreu de febre amarela na cidade no último dia 17.
A falta de estoque da vacina não é o único problema para vacinar toda a população paulistana. “A Bio-Manguinhos, que é da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), produz quase 80% do total mundial da vacina. Mas a Fundação foi dilapidada financeiramente nos últimos anos, como tudo o que tem relação com pesquisa, saúde publica e ensino no país”, afirma o virologista Nogueira, referindo-se ao contingenciamento orçamentário proposto pelo Governo. O orçamento destinado ao Instituto este ano foi 300 milhões de reais menor do que o de 2014. A Fundação tem pesquisas voltadas para o estudo de diversas doenças tropicais, como o vírus da zika, dengue, chikungunya, febre amarela, entre outras. “A verba nunca foi suficiente, mas conseguiu ficar pior”, afirmou ao jornal O Estado de São Paulo Oswaldo Gonçalves Cruz, bisneto do fundador do Fiocruz.
Diferenças entre febre amarela silvestre e urbana
A Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo destaca que a forma silvestre da doença que foi registrada em Jundiaí, Campinas e São Paulo não pode ser controlada, pois ela circula por zonas de mata. “Por enquanto, é só o macaco. Existe possibilidade no futuro dos humanos que forem para a mata serem contaminados, por isso trabalhamos a imunização de pessoas que vão para a mata e que moram na região, e isso pode ser feito com tranquilidade”, afirma Marcos Boulos, coordenador do CCD. O tipo silvestre da doença, que matou o macaco no Horto, é transmitido por dois tipos de mosquitos, o Sabethes e o Haemagogus. Ambos têm pouca autonomia de voo, o que impediria que se afastassem da mata e se deslocassem para as regiões mais urbanizadas da capital. No Estado, apenas em 2017, foram registrados 22 casos que levaram a dez mortes, todos vítimas do tipo silvestre da doença.
Boulos ressalta que é improvável que aconteçam casos da forma urbana da doença, transmitida pelo Aedes aegypti, que não é registrada desde 1942. “O ano passado, com o surto de Minas Gerais, notamos que o Aedes aegypti perdeu a capacidade de transmitir a doença”, conta. No Estado de São Paulo, 488 cidades possuem orientação permanente ou temporária de vacinação para prevenir a doença. Boulos destaca que a região da capital e de Campinas são as mais deficientes em promover a imunização dos pacientes. Ele prevê que no próximo ano a vacina entrará no Calendário Nacional de Vacinação.
Perguntas e respostas sobre a febre amarela
Até o momento as autoridades de saúde recomendam que os moradores da zona norte da cidade se dirijam a um posto de vacinação para serem imunizados. O principal foco da doença na capital está na região do Horto Florestal. Como os mosquitos transmissores da doença não conseguem se deslocar por grandes distâncias, a campanha de vacinação iniciada em 21 de outubro está restrita à região norte.
Em um primeiro momento serão vacinadas as pessoas que vivem em um raio de meio quilômetro do parte Horto (que foi fechado, assim como o parque da Cantareira), abrangendo três bairros: Cachoeirinha, Tremembé e Casa Verde. Em seguida, a imunização será ampliada para 2,5 milhões de moradores da zona norte.
Onde posso me imunizar na zona norte?
Confira aqui a lista completa das Unidades Básicas de Saúde e locais de Assistência Médica Ambulatoriais que oferecem a vacina gratuitamente das 8h às 18h.
São Paulo tem doses para atender a todos os que precisam ser imunizados?
O Estado tem aproximadamente 1,5 milhão de doses. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, anunciou esta semana o envio de mais 1,5 milhão de doses.
Existe algum caso de paciente de febre amarela em São Paulo?
Até o momento não há nenhum caso notificado na capital. No Estado, apenas em 2017, foram registrados 22 casos que levaram a dez mortes.
Como a febre amarela é transmitida?
A doença não é transmitida de pessoa para pessoa nem de macacos para humanos. Os mosquitos Sabethes, Haemagogus e o Aedes aegypti são os principais transmissores da febre amarela.
Quais são os sintomas iniciais da febre amarela?
Os sintomas iniciais costumam aparecer entre 3 e 5 dias após a infecção: febre, calafrios, dores nas costas e corpo, náuseas, vômitos e fraqueza. Cerca de 20% das pessoas contaminadas desenvolvem a forma grave da doença. Nestes casos, existe uma melhora do quadro inicial, e depois uma piora, acompanhada de icterícia (coloração amarelada da pele e do branco do olho), insuficiência renal e hepática e hemorragias. Este quadro grave pode levar à morte, e não tem tratamento.
Quem não pode tomar a vacina?
Crianças menores de nove meses de idade, pacientes com câncer ou HIV, transplantados, gestantes e pacientes em tratamento com drogas imunossupressoras não devem ser imunizados. Idosos devem passar por uma avaliação no posto de saúde antes de tomar a vacina.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.