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Coluna
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O mal-estar urinário de Temer e as dores morais dos brasileiros

Diante do espetáculo do obscurantismo que a elite política oferece, que os brasileiros saibam apostar no Brasil da normalidade política

Juan Arias
Michel Temer.
Michel Temer. ADRIANO MACHADO (REUTERS)

O presidente Michel Temer, ao deixar na tarde de quarta-feira o hospital do Exército, de Brasília, onde havia sido internado com urgência, escreveu: “Tive um mal-estar e já estou bem”. O tormento doloroso de Temer pertencia à baixa fisiologia corporal. E o que estão sofrendo os brasileiros em meio a uma tempestade política considerada uma das mais graves e decisivas de sua história democrática?

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O mal-estar do Brasil de hoje é moral e por isso mais doloroso que o fisiológico de Temer, e não vai bastar a sonda das eleições de 2018 para desobstrui-lo. O mal-estar do Brasil é de esquizofrenia política, como pudemos observar no templo do Congresso na mesma tarde do mal-estar do presidente, quando os deputados decidiam em favor ou contra sua conduta moral.

Se a Casa dos deputados representa o sentir e o querer dos cidadãos que os elegem, o que ali vimos foi um espetáculo de dissociação mental. “Pelo Brasil” alguns deputados votaram sim à salvação de Temer, e pelo mesmo Brasil outros votaram não. Por quem vota o Brasil real, o que sofre a crise criada pelos políticos?

Enquanto as redes sociais e os meios de comunicação ironizavam as cenas, às vezes patéticas às vezes grotescas, de suas senhorias que votavam uma coisa e o contrário pelo Brasil, me golpeava a dúvida de que talvez uma parte da sociedade esteja repetindo o espetáculo de esquizofrenia da Câmara dos Deputados.

Em menos de um ano, 140 milhões de brasileiros deverão pronunciar-se sobre o bem desse mesmo Brasil pelo qual votaram os congressistas, em eleições presidenciais que se apresentam entre as mais cruciais e perigosas de sua história democrática.

Nas urnas é possível que se antes não fizerem uma profunda reflexão sobre o que querem para seu futuro e o de seus filhos muitos brasileiros repitam o mesmo paradoxo dos deputados, votando, indistintamente, “pelo bem do Brasil”, em candidatos tão opostos como o duro e direitista Bolsonaro e o populista sindical Lula, como Ciro Gomes, amante da testosterona, e a delicada Marina Silva, ou entre o clássico e viscoso Alckmin, imune a todas as aflições, e o saltimbanco Dória, que parece governar mais na nuvem virtual do que no asfalto da rua.

Enquanto o Brasil não for capaz de perceber que não é possível que a mesma pessoa, como foi Temer para os deputados, seja igual para o bem ou para o mal do país, porque todos são iguais, continuará a haver uma desorientação ideológica que pode conduzir a elegerem com seu voto um Congresso com a mesma indecência do de hoje.

O espetáculo que o Brasil está vivendo com os representantes que elegeu para que o governe deveria fazer todos refletirem antes de colocarem no ano que vem seu voto nas urnas. Um conselho prático para tentar desobstruir a democracia ferida seria não votar, por motivo algum, naqueles sobre os quais pese, não uma condenação criminal, mas até uma sombra de corrupção ou de flerte como autoritarismo.

Outra receita seria exigir dos candidatos que se comprometam a abolir, como primeira medida, o tão cobiçado “foro privilegiado”, que coloca os políticos corruptos sob as asas protetoras da grande mãe do Supremo Tribunal Federal, sempre compassivo e vigilante para que os políticos não tenham de sofrer a humilhação da cadeia, a mesma em que amontoam as pessoas comuns.

Parece que Temer, que em seus longos anos de política nunca pôde imaginar chegar ao Planalto, se conformaria, ao deixar a Presidência, em ser um ministro a mais daquele que vier a substituí-lo. Parece que Dilma, depois de ter sido considerada uma das mulheres mais influentes do mundo, não se sentiria apagada sendo senadora, e que para Aécio Neves, que antes de explodir em escândalos de corrupção aparecia como um dos candidatos-chave nas presidenciais de 2018, bastaria ser eleito simples deputado. E já vimos Lula, o presidente mais popular e aclamado dentro e fora do país, aceitar, embora tenha abortado o projeto, um ministério da então presidenta Dilma. Tudo para esses personagens poderem se abrigar no seio doce e seguro do Supremo, sinônimo de indulgência plena de seus pecados.

Diante do espetáculo do obscurantismo que está oferecendo a elite política e até uma parte da sociedade envenenada pela luta ideológica, que os brasileiros ainda não contaminados pelo vírus da discórdia saibam apostar no Brasil da normalidade política. Por um país com uma só ética, sem privilégios para os já privilegiados, e com o ouvido alerta aos queixumes mudos dos esquecidos à própria sorte, aos desprovidos de sua dignidade ou aos que estão de novo resvalando para a pobreza. Os satisfeitos já sabem muito bem defender-se entre si e deter as “sangrias” que os acometem. Eles nunca perdem.

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