_
_
_
_
_
Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Diálogo e negociação

Mediação é pedir ao Governo regional que volte à lei e à Constituição abandonando o independentismo

Carles Puigdemont, presidente do Governo regional da Catalunha
Carles Puigdemont, presidente do Governo regional da CatalunhaDavid Ramos (Getty Images)

Proliferam por esses dias pedidos ao diálogo, à mediação e até mesmo à negociação entre o Governo da Espanha e o Govern catalão (Governo regional da Catalunha) – nacionais, internacionais, da sociedade civil, de autoridades, até da Igreja. Muitos deles são bem-intencionados e de boa fé; outros, entretanto, não o são, pois claramente respondem a estratégias de propaganda que procuram criar um clima de opinião que assinale o Governo como autoritário, inflexível, fechado ao diálogo e, em último caso, responsável pela tensão que vivemos.

Mais informações
Merkel pede respeito à Constituição na Espanha e descarta mediar conflito com Catalunha
O que acontece com o Barça se a Catalunha ficar independente?
Governo catalão transfere insurreição às ruas sob duras críticas do Rei espanhol
Governo catalão anseia por mediação da União Europeia para pressionar Madri

Aos primeiros dizemos que no EL PAÍS, como não poderia ser de outra forma, somos a favor do diálogo. Certamente, também da negociação como método para se resolver os problemas e até da mediação sob responsabilidade de terceiros se isso demonstrar sua utilidade. Mas também dizemos a eles que para que essas palavras não sejam vazias e até mesmo contraproducentes com os objetivos que se quer alcançar, é preciso definir cuidadosamente o que se entende por diálogo, sobre o que versa a negociação e quem é um mediador legítimo. E também lhes pedimos que ajudem a desmascarar os oportunistas do diálogo, os que fazem política com o suposto diálogo, cuja intenção é confundir e manipular a opinião pública para colocar ainda mais em risco nossa convivência democrática, já submetida a consideráveis tensões. No campo dos que se inclinam ao chamado diálogo é preciso anotar também os demagogos de todas as orientações, os que se reservam o papel de bonzinho em todos os filmes e os que utilizam a palavra diálogo como refúgio de sua equidistância e de sua banalidade. O diálogo que todos eles propõem, longe de nos ajudar a falar, gera frustração entre a população e desprestigia um método de muito valor.

O verdadeiro diálogo, mediação ou negociação não é um mero ato de vontade e deve ocorrer em circunstâncias que permitam pelo menos vaticinar um resultado. Não se pode falar por falar, mas com disposição sincera ao acordo. É preciso ser realista, respeitando as regras do jogo e com colocações de acordo com objetivos factíveis. O diálogo que apoiamos no caso da Catalunha só pode ter lugar uma vez que se restaurem a ordem constitucional e o normal funcionamento das instituições democráticas. Essa é a prioridade absoluta e inegociável que nenhum Estado democrático pode renunciar. O contrário seria submeter-se a uma chantagem baseada na pressão das ruas, a ilegalidade mais flagrante e a apropriação das instituições de todos para colocá-las sob a finalidade de subverter o Estado de Direito.

Hoje, a Constituição espanhola não só não ampara o direito de secessão, como obriga todos os poderes do Estado a preservarem a unidade do Estado e garantirem que a soberania continue nas mãos de todo o povo espanhol. Aceitar um diálogo, mediação ou negociação conducente a um referendo legal e pactuado que inclua a opção vinculante da secessão da Catalunha significaria abrir uma negociação de reforma constitucional entre o Governo espanhol e a Generalitat da Catalunha, coisa que o Governo não pode fazer unilateralmente e muito menos sob pressão e mediação internacional. O único sujeito que pode reformar a Constituição é o Congresso dos Deputados – onde, certamente, também estão representados os catalães –, ao que deve ser acrescentada a população espanhola, que preceptivamente deveria ser consultada em um referendo. Culpar o Governo por não se prestar a esse suposto diálogo é uma falsificação da realidade. Rajoy não pode e nem deve negociar nossa Constituição. Ninguém deve confundir a demanda reiterada por nossa parte de um projeto político ambicioso e generoso por parte do Executivo com uma sugestão a um diálogo sobre o que não pode ser dialogado.

Encorajar as esperanças de que o diálogo ajudará a causa independentista é um grave erro. Como ficou demonstrado na quarta-feira no Parlamento Europeu, a mediação mais útil que se pode fazer, e que o resto das forças políticas com representação parlamentar e instituições da sociedade têm que imitar, é lembrar ao Govern que o caminho da declaração unilateral de independência não tem nenhuma saída, na Espanha ou fora dela, e que seria um absoluto disparte que provocaria danos consideráveis, políticos, econômicos e de convivência. Esse é o papel da Europa, não outro; certamente, não a absurda função de mediador que Iglesias e Colau pretendem para negar a soberania da Espanha. Pedir ao Govern que volte à Constituição e à legalidade para plantear dentro dela suas demandas de melhor e maior autogoverno é o melhor favor que todos os democratas, dentro e fora da Espanha, podem fazer a nossa democracia e nossa convivência. Com esse objetivo, dialogar sim, negociar também, mediar também. Dentro da Constituição, até mesmo para mudá-la.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_