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Pés, para que te quero?

O fetichismo por essa parte do corpo continua sendo muito pouco estudado

O fetichismo começa com o interesse pela sexualidade, antes mesmo da adolescência. 
O fetichismo começa com o interesse pela sexualidade, antes mesmo da adolescência. George Marks (Retrofile/Getty Images)
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Estou sentada em uma espécie de divã, confortável, mas não em excesso. O quarto é pequeno e o ambiente, carregado. Um homem se aproxima e sorri para mim. Me pede, se possível, tirar os sapatos e me oferece uma massagem nos pés. “É claro”, lhe respondo. Desfaz o nó dos cadarços com uma delicadeza surpreendente, em parte ansioso e em parte excitado. Quer saber o que se esconde por trás dos meus sapatos. Meus pés estão nus e seu rosto mudou completamente de expressão. Está maravilhado. Toca a ponta dos meus dedos gordinhos e começa a acariciar suavemente a planta dos meus pés. Massageia-os durante minutos, sem tirar os olhos nem por um segundo. Beija, lambe, e volta a massageá-los. Nunca tinha visto alguém tão entregue. E o tempo passava, mas, para eles, as horas eram um simples número. Como o tamanho do meu pé. Bem nesse momento, pensei em como se desenvolve o fetichismo por pés, ou por que Sergy, o homem que estava em transe beijando meus pés, podia ficar excitado e eu não?

Faz um ano que assisti a esse foot fetish (fetichismo por pés) no Salão Erótico de Barcelona, mas o fetichismo, em geral, continua sendo visto por muita gente como um “desvio sexual”. Pessoas como Sergy lutam para oferecer outra visão da sexualidade. Ele descobriu seu fetiche ainda muito jovem, “tinha 4 ou 5 anos”, afirma. “Nessa idade já tentava incluir os pés em minhas brincadeiras inocentes com outras meninas ou meninos. O termo fetichismo só aprendi há poucos anos”.

Passamos da infância à adolescência e a sexualidade começa a aflorar. Segundo Cristina Callao, sexóloga e terapeuta de casais, “o fetichismo começa com o interesse pela sexualidade, antes mesmo da adolescência. Existe certa predisposição a se desenvolver um fetiche sexual na puberdade, quando é possível perceber que coisas que não estão catalogadas como normais te excitam”. É nessa fase que o fetichista sente rejeição ante sua própria sexualidade. “Essa pessoa descobre que os pés te excitam e se torna um problema, por que a quem vai se dirigir? A seus amigos que riem dele e de seus gostos? Portanto, não se comunica nem busca apoio em terceiros”, diz a especialista.

A viagem do fetichista até a aceitação é um caminho cheio de obstáculos. Na maioria dos casos, se sentem perdidos e buscam ajuda profissional. Atualmente, muitos encontram abrigo em fóruns na internet, onde podem descobrir a existência de uma comunidade. A sorte para o fetichismo dos pés é ser um dos mais comuns socialmente. Outros fetichistas não encontram essa comunidade.

David Livingston (Getty Images)

Não existe muita informação a respeito: o único número que temos atualmente é que existem mais de 549 parafilias registradas. “Para o quê?”, deve estar pensando. Uma parafilia é um padrão de comportamento sexual ante objetos, situações ou atividades. Digamos que seriam as práticas menos convencionais. Nesse campo podemos encontrar um espectro tão amplo e dispare como o sadomasoquismo, a zoofilia ou o fetichismo. O fetichismo se descreve como a excitação e as fantasias a partir de objetos do corpo que são o centro de toda a atenção. Como fetiches menos comuns encontramos a agalmatofilia, pessoas que se excitam com bonecas ou estátuas; sonofilia, quando te excita ver seu parceiro enquanto dorme; ou a mecanofilia, a excitação pelas máquinas (bicicletas, motos, carros…), entre muitos outros.

Mas, o que se sente quando se tem esse fetiche diante de si? Arola Poch, psicóloga especializada em sexualidade e com amplo conhecimento sobre o foot fetish, explica que, segundo um estudo que realizou há alguns meses, “há resposta genital (lubrificação ou ereção) em um percentual elevadíssimo quando se joga com o fetiche”.

Essa resposta genital poderia explicar-se através de várias teorias, ainda que haja muito ainda a se estudar sobre esse tema. Uma das teorias mais disseminadas é a que o doutor Vilayanur Ramachandran, neurologista, aponta em seu livro Fantasmas no Cérebro, onde explica que o fetichismo dos pés poderia ser consequência de uma sobreposição cerebral. Segundo o estudo, as áreas cerebrais que controlam as partes e os impulsos sexuais do corpo se encontram bem ao lado das responsáveis pelas emoções e em frente à parte que controla os pés. Ramachandran afirma que a diafonia que se produz poderia explicar o porquê do fetichismo dos pés (e de outros fetiches com partes do corpo consideradas tradicionalmente não sexuais).

A teoria que contrapõe a hipótese do doutor Ramachandran é a teoria pavloviana, que defende que a sexualização dessa parte do corpo é algo adquirido por uma situação determinada. Essa pesquisa foi realizada nos anos 1960, desenvolvida pelo doutor Lehmiller, psicólogo e autor do livro A Psicologia da Sexualidade Humana. No estudo, reuniu um grupo de homens e lhes mostrou imagens de mulheres nuas junto com imagens de botas. Alguns deles tiveram uma reação sexual quando viam as fotografias das botas, uma vez que as relacionavam com as imagens explícitas das mulheres nuas. Lehmiller explica que se formos expostos a algo durante o momento em que estamos sexualmente excitados, nosso cérebro pode vincular esse objeto com o desejo sexual.

O fetichismo começa com o interesse pela sexualidade, antes mesmo da adolescência
O fetichismo começa com o interesse pela sexualidade, antes mesmo da adolescênciaAlinari Archives (Corbis via Getty Images)

Seja como for, a ciência tem pesquisado pouco sobre a que os fetichismos se referem. “Não se tem estudado, nem se tem investido tempo e dinheiro para se fazer uma pesquisa científica. Isso cria certa rejeição ou medo, ao não se considerar como algo válido ou normal uma prática que não desrespeita nem implica danos a terceiros nem a si mesmo”, afirma Cristina Callao. É por esse motivo que os fetiches não são aceitos como algo normal. “Continuamos mantendo uma visão fechada demais da sexualidade. Há uma imagem de que o fetichismo continua sendo algo estranho, quando o sexo é muito mais do que genital”, afirma Arola Poch.

Pouco a pouco, pessoas como Sergy e Arola trabalham para normalizar o fetichismo dos pés. Realizam festas foot fetish onde podem sentir-se livres e desfrutar dessa parte do corpo sem tabus. Um fetiche que famosos como Tarantino, Carlos Baute e Risto Mejide se atreveram a expressar publicamente. “Precisamos que mais alguns famosos falem sobre seu fetichismo dos pés para ajudar a normalizar. Enquanto isso, não posso fazer nada além de aconselhar a todos os fetichistas que não fiquem só atrás de suas telas. Que se reúnam com outros, que falem, que sejam vistos em público. Ser fetichista é muito bonito. Deve se ter orgulho de se ter tanta sensibilidade para ser um”, finaliza Sergy.

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