_
_
_
_

O que é um coreógrafo sexual e por que o cinema precisa de mais de um

Assim como existe um especialista para cenas de brigas, para as de sexo há a figura do coreógrafo sexual

Atores de 'Os Sonhadores', do diretor Bertolucci
Atores de 'Os Sonhadores', do diretor BertolucciReprodução

As cenas de sexo às quais Hollywood tinha nos habituado – e eu disse que "tinha" pois os momentos mais quentes há tempos deixaram a tela grande para se instalarem nas séries – sempre deixaram muito a desejar e parecem ter sido criadas por geeks virgens de Silicon Valley . O ato sexual por excelência, a cópula, muitas vezes consiste em que o homem se coloque por cima da mulher e ambos rolem em todas as direções, na cama ou no chão. O amor e os orgasmos simultâneos – algo não exatamente muito frequente na vida real – sempre estiveram juntos na meca do cinema e a paixão muitas vezes exige destruir alguns móveis, como preliminares antes do ato sexual. Anatomicamente falando, para o cinema não existem barreiras físicas e nem a força da gravidade. Dois corpos juntos e paralelos podem praticar a penetração, sem que nenhum deles se incline, como se o pênis fosse um órgão muito longo e flexível, como uma mangueira. Ou o rapaz pode segurar a garota durante muito tempo, ao mesmo tempo que move a pélvis e se agita como um possuído pelo demônio.

Mais informações
Você tem algum desses sintomas? Chegou a hora de ir a um sexólogo
‘Afeminofobia’: o desafio de ser autêntico em um mundo que cultua o macho
Erika Lust: “Fui mais criticada por ser feminista do que por fazer pornô”
Por que a autoestima é o melhor ingrediente para triunfar na cama?

Cenas um tanto exageradas que não só eliminam o realismo da situação como também lançam falsas esperanças, expectativas demasiado altas nas mentes moldáveis dos adolescentes. No entanto, a indústria do cinema e do teatro está começando a usar coreógrafos sexuais, que estudam, projetam e planejam, juntamente com o diretor e os atores, esse tipo de cena com dois objetivos importantes: que selam realistas e credíveis, e que não haja abusos e ninguém se veja forçado a fazer algo que não está no roteiro ou que não tenha sido previamente combinado.

Os coreógrafos íntimos costumam defender a necessidade de seu trabalho comparando uma cena de sexo com uma de luta. “Nenhum diretor daria duas espadas aos seus atores e diria simplesmente: lutem. Há um planejamento da sequência, um treinamento, uma coreografia dos movimentos. Eu gostaria que no campo das cenas íntimas acontecesse o mesmo”, diz Tonia Sina, criadora do método Intimacy for the Stage e fundadora da Intimacy Directors International, uma organização que luta para promover essa profissão.

Em junho de 2016, o jornal Chicago Reader publicou uma reportagem sobre o Profiles Theatre, que revelou os abusos que estavam ocorrendo na peça teatral Killer Joe. Abusos que aconteceram nas cenas de luta e nas de sexo devido a uma maneira deficiente de conduzi-las. Os atores ficaram feridos ou foram vítimas de condutas pouco éticas ou humilhações por parte do diretor artístico. Uma semana após a publicação do artigo, o teatro fechou depois de 28 anos de atividades. Muito conhecida também foi a polêmica de O Último Tango em Paris (1972), na qual Marlon Brando pratica sexo anal com sua partenaire, a atriz Maria Schneider. O diretor Bernardo Bertolucci disse que “queria a reação dela como uma menina, não como atriz. Não queria que Maria interpretasse sua humilhação e sua raiva, mas que a sentisse”. Algo absolutamente inaceitável na indústria cinematográfica hoje em dia.

Tonia Sina mora em Oklahoma City (EUA) e além de supervisionar as cenas íntimas em muitas obras, a maioria teatrais, também é conselheira internacional na prevenção de abusos sexuais nas companhias de teatro. Em seu passado como atriz, modelo e dramaturga, Tonia viu muitas coisas que poderiam ter sido evitadas. “Tenho alertado sobre a necessidade de monitorar essa questão, pois desde que tinha 24 anos vi muitos abusos sexuais no palco e falei em todo o mundo com centenas de pessoas sobre esse assunto. Muitas me contaram como foram estupradas por diretores, ou sexualmente molestadas ou forçadas a fazer cenas de sexo diante de uma plateia. E muitas dessas situações ocorreram em universidades, realizadas em cursos por professores. A questão é que quando o controle da direção do material íntimo está nas mãos erradas, isso pode ser muito perigoso. Mas o objetivo é não convencer ninguém da necessidade de usar esses profissionais, o problema é que a maioria das pessoas nem sabe que nós existimos, pois essa profissão é relativamente nova”.

Coreograficamente falando, o sexo é muito parecido com uma luta

Sina se formou em pedagogia teatral, com ênfase especial no movimento, na Virginia Commenwealth University, e em 2004 começou a supervisionar cenas sexuais. “Percebi que aquilo era muito parecido com planejar as lutas. É apenas o outro lado da mesma moeda e aqui você tem de ser muito mais específico. Cada parte do corpo, cada dedo conta. Quando há uma briga, o importante é que os atores não saiam com um olho roxo ou um arranhão no rosto. O problema com cenas de sexo é que ninguém saia machucado, mentalmente ou emocionalmente”.

Nada no cinema ou no teatro é aleatório ou improvisado e menos ainda as cenas de conteúdo erótico. O trabalho de um coreógrafo íntimo é projetar, junto com o diretor e os atores, as cenas que serão interpretadas, escolher cuidadosamente os movimentos e os sons mais adequados para mostrar ao público o que se quer representar e buscar a fórmula em que todos estejam de acordo e se sintam à vontade. Alguns desses profissionais criaram códigos ou palavras-chave como as usadas pelos sadomasoquistas para frear ou parar quando a coisa está fugindo do controle (verde significa que tudo está indo bem, amarelo é um sinal de que alguém começa a não se sentir à vontade e vermelho quer dizer stop). Tonia, no entanto, não é muito favorável a essa ideia: “Na Intimacy Directors International não usamos esse sistema, embora outros o utilizem. Não quero que meus atores se sintam desconfortáveis com o que fazem, e se isso acontecer, paramos imediatamente. O amarelo já pode ser um lugar perigoso para nós, especialmente se o coreógrafo não estiver acostumado a ler os sintomas do trauma para poder evitá-los. Nós preferimos a comunicação em vez das palavras de segurança”.

Dirigir esse tipo de cena implica diferentes truques caso se trate de cinema ou de teatro, esclarece Tonia. “A diferença é basicamente na técnica, nos ângulos e nas conexões, que mudam dependendo do tamanho da plateia. No teatro, em um auditório de 500 espectadores, a cena pode ser vista de diferentes pontos de vista; no cinema, no entanto, só a câmera vê. O espetáculo ao vivo também implica mais controle, tudo deve ser perfeitamente projetado e deve seguir um único caminho até chegar ao fim da representação. No cinema, o ponto de vista é muito próximo, tudo deve se encaixar perfeitamente em uma fração de segundo, mas você logo pode esquecer porque, se a tomada for boa não precisa ser refeita”.

Pergunto à coreógrafa sobre as cenas de sexo mais difíceis de planejar, dirigir e encenar. “Isso é uma coisa muito subjetiva que depende bastante dos atores e de suas experiências, mas acho que as cenas de estupro são sempre complicadas porque combinam luta e sexo. Para alguns atores, os ruídos sexuais são embaraçosos, para outros a dificuldade está mais no corpo ou pode ser um desafio maior fazer cenas queer, à margem da heterossexualidade ou aquelas em que participam mais de duas pessoas. No IDI trabalhamos com todos os tipos de sexualidade, do BDSM [acrônimo para a expressão ‘bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo’] à mais clássica que tinham nossos avós”, diz Sina.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_