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Maduro anuncia que prenderá “um por um” os 33 magistrados da oposição

Primeiro foi o professor Ángel Zerpa, preso em Caracas pela polícia política do presidente

Maduro, durante a emissão de seu programa.
Maduro, durante a emissão de seu programa.HANDOUT (REUTERS)

O Governo venezuelano iniciou durante o final de semana uma nova ofensiva contra a oposição, que na sexta-feira designou um Supremo Tribunal paralelo para desafiar o regime de Nicolás Maduro. A primeira vítima dessa reação do chavismo foi o professor Ángel Zerpa Aponte, um dos 33 magistrados nomeados pelo Parlamento. Pouco depois, o presidente venezuelano confirmou suas intenções e afirmou que prenderá "um por um" todos os juristas nomeados pela oposição e congelará seus bens e suas contas bancárias. Líderes de oposição como Henrique Capriles denunciaram uma operação contra toda a nova Suprema Corte. Os partidos da Mesa de Unidade Democrática (MUD) anunciaram para quarta-feira uma greve geral de 48 horas contra o processo constituinte realizado por Maduro.

O jurista Ángel Zerpa foi preso na tarde de sábado em Caracas por agentes da polícia política de Maduro. A Promotoria Geral da República confirmou a prisão poucas horas mais tarde. Funcionários do ministério público compareceram à sede do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) para comprovar o estado do preso, mas não tiveram o acesso permitido.

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Zerpa, professor de Direito da Universidade Central da Venezuela (UCV) e da Universidade Católica Andrés Bello (Ucab), ambas em Caracas, é um dos 33 juristas que o Parlamento venezuelano – controlado por uma maioria de oposição desde janeiro de 2016, e declarado "em desacato" pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) governista em outubro – designou na sexta-feira como integrantes de um novo Supremo "paralelo" ou "na clandestinidade". A medida desafiou a máquina estatal controlada pelo chavismo, que inclui poderes como o judicial e o eleitoral, ativados pelo Governo por sua conta para intimidar e submeter seus adversários.

A prisão de Zerpa parece confirmar a advertência feita na mesma sexta-feira pela Sala Constitucional do Supremo Tribunal oficial, que alertou que a posse de novos magistrados era "extemporânea" e irritante. Avisou também aos juristas que poderiam estar incorrendo em diversos delitos, entre outros, o de usurpação de funções.

Alguns dos recém-nomeados magistrados, da clandestinidade, disseram no sábado a jornalistas que tomaram suas declarações que temem ser alvo de prisões. Por sua parte, o líder oposicionista e duas vezes candidato presidencial Henrique Capriles Radonski, governador do Estado de Miranda, afirmou que se tratava do início de uma operação: "O Sebin recebeu a ordem de procurar e prender os recém-nomeados magistrados do STJ! E os presos serão colocados à disposição da Promotoria Militar!".

Os partidos da oposicionista Mesa de Unidade Democrática emitiram um comunicado de repúdio à prisão. "A atuação do Sebin, avalizada antecipadamente e às cegas pela Sala Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça, é uma continuação do golpe de Estado contra a Assembleia Nacional e à Constituição feito por Nicolás Maduro e os órgãos que estão servilmente subordinados a ele", denunciou a oposição.

Ao longo do sábado não surgiu a notícia de novas prisões de magistrados, mas Maduro confirmou durante seu programa semanal na televisão pública as intenções do regime. "Esses que foram nomeados [pelos juízes do tribunal paralelo], usurpadores que andam por aí. Todos serão presos, um por um, um após o outro. Todos serão presos e todos terão os bens congelados, as contas, tudo, e ninguém irá defendê-los", afirmou o presidente que também está pronto para dialogar com a oposição e "chegar a um acordo de paz, de convivência nacional e a um ciclo de diálogo e conversas em função dos interesses da Venezuela, única e exclusivamente".

Enquanto os alertas diante da possibilidade de novas prisões de juízes aumentam, a oposição também teme que outro alvo dos corpos de segurança seja a procuradoria, outro poder rebelde nos últimos meses. O advogado preso é professor da Escola Nacional de Procuradores, e representou a procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, durante o processo que o Supremo Tribunal abriu contra ela no fim de maio por supostas irregularidades no desempenho de seu cargo.

A procuradora rebelde

Em março passado, Ortega Díaz declarou inconstitucional uma decisão do Supremo que dissolvia na prática o Parlamento e outorgava a Maduro poderes legislativos. E então, durante os protestos que essa decisão originou, a procuradora atribuiu aos corpos militares e policiais violações sistemáticas dos direitos humanos nas manifestações, o que a colocou na mira do Governo.

Horas depois da entrada de Zerpa na prisão, o presidente Maduro se referiu ao caso da procuradora durante um programa especial da principal rede de televisão do Estado. "Alguns traem agora por covardia, porque sentem que a revolução acabou e pulam do barco", disse ao fazer alusão a Ortega Díaz, a quem acusou de estar fora de controle. "Há tempos já tínhamos conhecimento do perfil de ego descontrolado da procuradora", acrescentou.

A ofensiva do Governo contra o alto tribunal paralelo antecipa as tensões que a Venezuela viverá esta semana. O regime se apressa em realizar no próximo domingo eleições para escolher os deputados para a Assembleia Nacional Constituinte. A oposição convocou uma contagem regressiva para impedir que se escolha os deputados para a assembleia e a fim de colocar em cheque o regime com uma greve geral de 48 horas na quarta-feira e uma marcha sobre Caracas de diferentes pontos do país na sexta-feira, a dois dias da eleição.

Ferido o ‘violinista dos protestos’ em manifestação

Wuilly Arteaga, que com suas interpretações de violino durante os confrontos de rua que ocorrem na Venezuela desde abril tornou-se um símbolo da insurgência, foi ferido no sábado com tiros de balas de borracha no rosto durante a marcha convocada pela oposição em Caracas.

Durante a repressão à manifestação, em apoio aos magistrados do novo Tribunal Supremo "paralelo" nomeados na véspera pela Assembleia Nacional, a Guarda Nacional e a Polícia Bolivariana atiraram. A marcha se dispunha a alcançar em seu trajeto o edifício que serve de sede ao Tribunal Supremo ligado ao governo, no centro da capital venezuelana. No entanto, e como se tornou hábito, esquadrões antimotins da Guarda Nacional e da Polícia Bolivariana impediram que os manifestantes ultrapassassem a fronteira do município de Chacao para o oeste.

Durante a repressão foram usados gás lacrimogêneo, projéteis e outros objetos – como bolinhas de gude, segundo reportaram os serviços de saúde. Arteaga, que encabeçava a marcha com o violino no ombro, recebeu uma salva de balas de borracha na cara. Também vários jornalistas foram alvo de ataques similares cometidos por agentes da Guarda Nacional.

Arteaga, com um grande hematoma na bochecha esquerda, assegurou horas depois em um vídeo divulgado pelas redes sociais que continuará levantando a voz e convocou a "todos realmente pró-Venezuela". O violinista, de 23 anos, se tornou um símbolo dos jovens que formam a linha de frente das manifestações, em cujas rotas costuma tocar para animar os participantes.

Arteaga se formou graças ao Sistema de Orquestras, símbolo da ascensão da Venezuela da época de Hugo Chávez, o mesmo pelo qual passou o diretor de orquestra Gustavo Dudamel. Isso o levou a visitar outros países e dar entrevistas à mídia internacional, mas também o transformou em alvo das forças de segurança. Já em maio, agentes da Guarda Nacional confiscaram e destruíram seu violino original.

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