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“Enquanto houver bambu, vai ter flecha”, diz Janot, sobre ele na PGR até setembro

Autor da denúncia contra o presidente Temer, procurador celebra o fato de a sua sucessora ter sido escolhida dentro da lista tríplice e garante não ser inimigo de Raquel Dodge

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, em palestra no 12o. Congresso de Jornalismo Investigativo
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, em palestra no 12o. Congresso de Jornalismo InvestigativoMarcos Alves (Agencia O Globo)

O procurador geral da República, Rodrigo Janot, bem que tenta se conter, mas não consegue fugir de uma certa sina que o persegue: fazer polêmica. Convidado do 12° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ele falou para um plateia lotada sobre a operação Lava Jato e os desafios de combater a corrupção no Brasil hoje. Falou de suas dificuldades à frente do órgão, da nova procuradora geral, Raquel Dodge, que assume seu posto dentro de três meses, e sobre sua saída. Qual será seu papel até setembro, questionou a entrevistadora do evento, a jornalista Renata Lo Prete. “Enquanto houver bambu, vai ter flecha. Até o dia 17 de setembro estarei lá na PGR, e até lá, a caneta está na minha mão, e vou continuar no mesmo ritmo que estou”, afirmou Janot, para um auditório lotado, num dos debates mais disputados do encontro que aconteceu em São Paulo. Ele comentou sobre outras duas denúncias em curso que chegarão ao presidente Michel Temer, sobre obstrução à Justiça e organização criminosa, mas não deu detalhes. Apenas disse que uma está mais adiantada que outra.

Bem à vontade, Janot respondeu a todas as questões em aberto que o perseguem desde o dia 17 de maio, com as delações da JBS, acordadas com o empresário Joesley Batista – chamado a todo instante de “bandido” ao longo da palestra. Admitiu que já foi ameaçado de morte, e que anda com seguranças, mas que lida com essa questão como um assunto profissional. Comentou, ainda, sobre a dificuldade que é chegar a alguns “picaretas” pois se exigem verdadeiras “provas satânicas”, ou seja, flagrantes impossíveis de alcançar.

Ao falar sobre a polêmica dos benefícios concedidos na delação que culminaram na denúncia do presidente Temer por corrupção passiva, por exemplo, Janot afirmou que não viu outra alternativa se não aceitar a proposta de Joesley quando apresentou um trecho da gravação que havia feito com o presidente. “A escolha de Sofia minha foi: não faço o acordo e finjo que não vi e não tenho como investigar, se não for por esse bandido, ou vou deixar que continuem os crimes, porque a premiação é alta ou baixa?” O procurador brincou que não poderia oferecer “uma caixa de bombom Garoto” para conseguir as provas necessárias para os crimes relatados pelo empresário.

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Apesar das críticas de alguns pares e da má repercussão sobre o acordo entre a opinião pública, Janot afirmou que não faria nada diferente, pois a “narrativa” obtida a partir dali é de “uma clareza impressionante”. “Estou com a consciência tranquila. [O contrário] a não denúncia favorece os atos descritos pelos colaboradores e que constam do acordo”, diz ele. A associação de Temer e Loures, segundo ele, fica muito evidente em todas as gravações e detalhes fornecidos pelos delatores da JBS.

Raquel Dodge

Sobre a procuradora Raquel Dodge, indicada pelo presidente Temer, Janot afirmou que a sua escolha foi legítima, ainda que ela seja o segundo nome mais votado pelos mais de 1000 procuradores que votaram, e não o primeiro – Nicolao Dino, preterido pelo presidente. “O importante é escolher alguém da lista. Isso é um avanço institucional enorme”, ressaltou, lembrando que o importante é consolidar a prática de valorizar os nomes apontados internamente pela categoria, para que um dia possa se tornar uma regra constitucional.

Janot fez questão de dizer que não é inimigo de Dodge, mas que de fato têm divergências de pontos de vista sobre alguns temas com ela. Uma delas diz respeito ao mérito do Ministério Público de poder estabelecer penas para investigados, algo com o qual a nova procuradora não estaria de acordo.

“Mas se o MP não pode oferecer redução de penas, o que vai oferecer? Nada! Isto (a delação) é um instituto novo, que se consolida agora no Brasil. Essa discussão foi feita no Supremo [durante julgamento, que terminou na semana passada, da homologação das delações da JBS] e a maioria entendeu que sim, que  tenho de ter flexibilidade para fazer um acordo. Ou então, quando eu vou fazer um acordo?”, completou.

Durante juízo no plenário da corte, venceu, por 8 votos a 3, o entendimento de que os benefícios do acordo de delação da JBS não podem ser revistos neste momento. Haverá revisão apenas caso o delator, ou seja, o empresário Joesley Batista, não apresente as provas prometidas.

Rodrigo Loures solto e Aécio Neves de volta ao Senado

As notícias que o Supremo mandou soltar o deputado Rodrigo Rocha Loures, que ficou famoso por carregar a mala de 500.000 reais recebida do dono da JBS, e de que o senador Aécio Neves está voltando ao Senado depois de ter sido afastado, foram vistas com naturalidade por Janot.

A PGR foi quem solicitou a prisão de Loures, bem com a detenção do senador Aécio. O relator do caso no Supremo, o ministro Edson Fachin, acatou a prisão do ex-assessor de Temer, mas optou por afastar, ao invés de prender o senador tucano. Nesta sexta, o ministro Marco Aurélio de Mello liberou Aécio para voltar ao Senado.“A leitura que faço é que ambos os ministros entenderam as cautelares cedidas já haviam garantido seus direitos. Faz parte do processo. O deferimento, e a revogação”, disse o procurador. Mas lembrou que o Ministério Público tem, de fato, “a mão um pouco mais pesada que os demais integrantes do Judiciário”.

Polêmicas com Gilmar Mendes

Questionado sobre as contínuas farpas trocadas com o ministro Gilmar Mendes, voraz crítico da sua atuação à frente do MP, Janot sorriu e tentou minimizar a polêmica. “Eu não tenho nada contra ele. Se ele tem contra mim é preciso perguntar a ele”, disse. O procurador contou que ambos entraram juntos na carreira pública, por volta dos anos 80, e que até então tinham contato frequente. Cada um foi estudar no exterior: ele na Itália, e Gilmar na Alemanha. “Eu fui visitá-lo quando ele estava lá e tomávamos cerveja juntos”, lembrou. Com o tempo, ambos se distanciaram, e hoje protagonizam troca de recados ácidos pela imprensa. “Eu não tenho nenhum conflito com ele. Zero. Se me dirigi a ele de maneira mais dura, reagi a alguma agressão. É legítima defesa”, brincou.

Investigação partidária e política X economia

Janot lembrou também sobre a fama que a Lava Jato carregou por muito tempo de se tratar de uma investigação partidária, que atingiu principalmente membros do Partido dos Trabalhadores, que deixou o poder com o impeachment da ex=presidenta Dilma Rousseff. “Muito se especulou sobre o escopo político”, comentou. “Quando a investigação evolui, outros agentes políticos entram no escopo”, completou.

Muitos dos que antes defendiam a operação quando o PT estava no poder hoje reclamam dela pelos efeitos sobre o país, e a economia  a criminalização da política. “Quando eu abro uma investigação, não abro contra a política. Sem política não há solução”, disse. “E não acho que isso seja um ateneto à economia. Mas não posso deixar de investigar um agente econômico porque atrapalha a economia”, conclui.

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