JBS, a “campeã nacional” alvo de investigações no centro do terremoto político
Dias antes da revelação de 'O Globo', operação da PF apontou elo de corrupção envolvendo ex-ministro petista e BNDES
Os irmãos goianos Joesley e Wesley Batista, responsáveis pela holding J&F, dona da JBS, uma das maiores companhias de carne do mundo, apareceram na lista dos 70 maiores bilionários brasileiros da revista Forbes em 2016. Mas as empresas da família também colecionam menções menos nobres, em inquéritos e investigações policiais. Nesta quarta-feira, eles se transformaram no epicentro do terremoto político com a revelação do jornal O Globo de que fecharam acordo de delação premiada na Operação Lava Jato e que Joesley gravou o presidente Michel Temer dando aval para que comprassem o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba. Tudo numa operação combinada com a Procuradoria-geral da República que não nega nem confirma as informações.
Para além de Temer, uma delação do grupo tem potencial explosivo porque a JBS, dona das marcas Friboi, Seara e Vigor, se tornou a maior doadora de campanhas eleitorais de 2014, superando até a tradicional doadora Odebrecht, agora também delatora.
O grupo já havia sido notícia na semana passada. Na sexta-feira (12), foi a Operação Bullish, que atingiu a JBS, gigante do ramo dos frigoríficos. A suspeita das autoridades é que a empresa tenha sido beneficiada com aportes irregulares da BNDESPar, subsidiária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De acordo com as investigações, os repasses feitos à companhia foram realizados depois que a empresa de consultoria Projeto, do ex-ministro petista Antônio Palocci, foi contratada – ele está preso em Curitiba por seu envolvimento na Operação Lava Jato. As transações teriam provocado prejuízos aos cofres públicos.
A operação jogou luz nos negócios de um dos maiores bancos públicos do país, que se tornou sócio minoritário da JBS (com 21% das ações) durante o processo de internacionalização da empresa, iniciado durante o Governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Wesley foi levado a depor e Joesley foi alvo de mandato de condução coercitiva, mas estava fora do país. O ex-presidente do Banco Luciano Coutinho também deve prestar depoimento. Outros 37 funcionários do BNDES foram ouvidos pela polícia. Antes das revelações desta quarta, era o envolvimento de Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula, o que mais atemorizava o mercado financeiro. O petista negocia um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal no âmbito da Lava Jato que pode colocar o foco das investigações nos bancos, e ajudar a desvendar esquemas de corrupção para além das empreiteiras.
Apesar dos problemas, tanto o banco quanto a JBS estão com boa saúde financeira. O BNDES registrou um lucro líquido de 373 milhões no primeiro trimestre de 2017 com retração de 76% ante o mesmo período de 2016. Já BNDESPar teve lucro líquido de 1,2 bilhão nos primeiros três meses do ano, revertendo prejuízo de 1,8 bilhão no ano passado. A JBS também vai de vento em popa: reverteu um prejuízo líquido de 2,7 bilhões de reais no primeiro trimestre de 2016 e teve lucro líquido de 422,3 milhões de reais no mesmo período deste ano.
Os repasses supostamente irregulares teriam sido feitos para que o frigorífico adquirisse a americana Pilgrim’s e e incorporasse a Bertin S.A. Eles foram feitos a partir de junho de 2007. Um deles totalizou 3,5 bilhões de reais, feitos via compra de debêntures com a finalidade de fortalecer o caixa da empresa. Os aportes fizeram parte da política formulada pelo ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, de incentivar a formação de “campeãs nacionais”. Sob essa diretriz e com o apoio do Banco, a JBS, fundada há mais de cinco décadas, tornou-se de 2003 até os dias de hoje uma das dez maiores exportadoras de carne do mundo – seus produtos são vendidos em mais de 150 países.
"Não é função do BNDES transformar a empresa em um grande player mundial"
Para a Polícia Federal, estes aportes feitos à JBS provocaram prejuízo de cerca de 1,2 bilhão de reais aos cofres públicos, provocados pela compra de ações a um preço supostamente superior ao de mercado. Thiago Mitidieri, presidente da Associação dos Funcionários do BNDES, criticou este argumento. “Ninguém tem bola de cristal para saber qual será o futuro [das ações]. Todos os analistas consultados [antes da compra] apontaram preço maior por ação do que o BNDES pagou”, diz. De acordo com ele, não é possível falar em “prejuízo” uma vez que o Banco ainda é detentor das ações. “Quando você compra uma ação na Bolsa você só sabe se vai ter lucro ou prejuízo na hora da venda”, explica. Mitidieri também aponta que a JBS “é a maior empresa de carnes do mundo, graças ao apoio do BNDES. Como podemos ter prejuízo se o patrimônio da empresa só cresce?”. A Associação também ameaçou declarar greve caso a presidência do Banco não faça uma “defesa contundente” da entidade.
As controvérsias vão além do problema do valor das ações, e alguns críticos apontam para o próprio modelo de financiamento do banco. O professor do Insper Sérgio Lazzarini critica o modelo utilizado pelo BNDES de “formar campeãs nacionais via internacionalização”. Ele cita estudos segundo os quais os benefícios sociais dos aportes tendem a ser maiores “quando são feitos a boas empresas menores, principalmente do ponto de vista da geração de bons empregos”. Para Lazzarini, o capitalismo brasileiro sempre se baseou em uma relação promíscua com troca de favores entre o setor público e o privado.
O ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros, critica o investimento "exagerado" do banco na JBS. "Não é função do BNDES transformar a empresa em um grande player mundial", afirma o economista que esteve à frente da instituição entre 1995 a 1998, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso. Barros afirma, no entanto, que muitas vezes o Tribunal de Contas da União não tem "condições técnicas para avaliar operações financeiras mais sofisticadas". Ela cita como exemplo problemas enfrentados com o Tribunal durante sua gestão: "Tínhamos uma carteira imensa de ações da Telebras, e fomos vendendo as ações. O TCU, por exemplo, pegava a cotação que nós vendemos, pegava a cotação do dia e falava "olha, deixaram de ganhar" . Mas fomos em frente, liquidamos a carteira do banco, e depois o mercado despinguelou. Ai o TCU ficou quieto". Ele nega, no entanto, que haja um "aparelhamento político" no BNDES como o encontrado pela Lava Jato na Petrobras.
O professor Lazzarini cita ainda exemplos de grandes empresas, como a Ambev, do ramo de bebidas, que se internacionalizaram com forte investimentos do capital privado, diferentemente da JBS. “Melhor seria que o Banco tivesse estimulado o empreendedorismo doméstico”, diz. De acordo com Lazzarini, alguns dos problemas enfrentados atualmente pela J&F com a Justiça podem se dever em parte a estes “aportes controversos e erráticos”. “Sem justificativas claras por parte do Banco para estas operações, se abre espaço para controvérsia. É preciso ser criterioso, afinal de contas é dinheiro público”, afirma.
Em um ano cinco Operações
A Operação Bullish é apenas o último dos problemas da J&F com a Justiça. No último ano outras quatro operações da Polícia Federal também tiveram como alvo empresas da holding. Em julho de 2016 foi a Operação Sépsis, que investigou pagamento de propinas para obtenção de recursos do fundo de investimento do FGTS. Em setembro do mesmo ano foi a vez da Operação Greenfield, que focou no recebimento irregular de fundos de pensão por parte da Eldorado Celulose. Em janeiro de 2017 a J&F foi investigada pela Operação “Cui Bono?” por supostamente ter se beneficiado da concessão de créditos pela Caixa Econômica Federal em um esquema que envolveria o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) e o ministro Geddel Vieira Lima. Dois meses depois a Operação Carne Fraca apurou o pagamento de propinas para que carnes irregulares da JBS fossem vendidas.
Em nota a JBS informou eu “sempre pautou o seu relacionamento com bancos públicos e privados de maneira profissional e transparente”, e que “o investimento do BNDES na companhia (...) obedeceu a regras de mercado e dentro de todas as formalidades”. Ainda segundo o frigorífico, “esses investimentos ocorreram sob o crivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e em consonância com a legislação vigente. Não houve favor algum à empresa”.
A defesa de Luciano Coutinho afirmou que “todas as operações com a JBS foram feitas dentro da mais absoluta regularidade, e Coutinho está e sempre esteve à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos solicitados por autoridades sobre a questão”. Seus advogados disseram que ainda não tiveram acesso aos autos, mas têm “convicção de que demostrará, ao longo do processo, a lisura de todas as ações realizadas durante sua gestão”.
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