Mar Vaquero, a mulher que lançará uma sonda da NASA contra Saturno
Engenheira de voo da sonda ‘Cassini’ explica como será o suicídio controlado da nave
Mar Vaquero ganha a vida pilotando naves espaciais nos confins do Sistema Solar. Nascida em Maspalomas (Ilhas Canárias) há 32 anos, é engenheira de controle de trajetória da sonda Cassini da NASA. “Meu trabalho é pilotar a nave, fazer as manobras necessárias para devolvê-la a sua trajetória de referência, que é a necessária aos cientistas para estudar o planeta e me assegurar de que esteja sempre no local certo na hora certa”, explica por telefone do Laboratório de Propulsão a Jato, em Pasadena, onde está o centro de controle da missão.
Na quarta-feira, Cassini se transformou na nave que mais perto chegou de Saturno. Passou entre o anel interno e as nuvens nas camadas externas da atmosfera, uma região de 3.000 quilômetros de largura totalmente inexplorada até agora. A nave cruzou e fotografou sem sofrer danos por partículas de gelos e outros imprevistos que poderiam acabar com o Gran Finale da missão planejado pela NASA, quando completar outras 21 órbitas como essa.
“Em cada manobra sempre existe uma margem de incerteza”, explica Vaquero. “Não sabemos exatamente qual é a massa do planeta e de suas luas, de modo que sempre existe uma margem de erro sobre qual é sua localização exata. A navegação melhorou muito desde que chegamos a Saturno [em 2004]. No começo a margem de erro era de vários quilômetros, mas agora se reduziu a poucas centenas de metros”, explica. O combustível da Cassini está acabando e a cada vez que são ligados os propulsores pela equipe da qual Vaquero faz parte, composta por seis engenheiros de voo que se revezam no posto de controle, mais um pouco é consumido.
Our closest look ever at #Saturn’s atmosphere and giant hurricane. #GrandFinale https://t.co/giL0pulIEW pic.twitter.com/Qi3T2wSzc1
— CassiniSaturn (@CassiniSaturn) April 27, 2017
A engenheira espanhola é a primeira de sua família com carreira universitária e doutorado. “Meu pai é guarda civil e minha mãe é assistente de saúde, ninguém na família se dedicava à pesquisa”, explica. “A primeira vez que pensei em me dedicar a isso foi aos 12 ou 13 anos. Em Maspalomas ia à noite com o clube de astrônomos observar pelo telescópio. Talvez ter visto a Lua e os Anéis de Saturno tenha despertado minha curiosidade por saber o que existe lá”, lembra. Menos de duas décadas depois, Vaquero será uma das responsáveis por pilotar a sonda a um suicídio controlado no sexto planeta do Sistema solar, programado para 15 de setembro. Será a primeira vez que uma sonda irá explorar a atmosfera de Saturno e é possível que revele alguns de seus maiores enigmas, por exemplo se há um núcleo sólido debaixo de seu impenetrável envoltório gasoso.
Vaquero começou a estudar engenharia aeronáutica na sede madrilenha da Universidade Saint Louis. Depois passou ao campus central, no Missouri, e mais tarde realizou o mestrado e o doutorado na Universidade Purdue, sempre graças a bolsas dessas instituições, afirma. Sua tese versava sobre “como transportar uma nave pelo Sistema Solar usando a menor quantidade de combustível e até mesmo nenhum”. Uma vez que a sonda escapa da atração gravitacional da Terra, é possível que sua impulsão inicial permita ao aparelho realizar a viagem usando a gravidade dos planetas e suas luas para acelerar e frear, o que os especialistas conhecem como ajuda gravitacional.
Meu pai é guarda civil e minha mãe assistente de saúde, ninguém na família se dedicava à pesquisa”
“Cassini foi criada com objetivos específicos, mas sua trajetória foi planejada de maneira tão eficiente que ao final da missão original [2008] ainda tinha muito combustível”, explica Katherine Howell, professora de aeronáutica e astronáutica em Purdue e orientadora da tese de Vaquero. Os engenheiros e cientistas voltaram a analisar as possibilidades e traçaram uma segunda missão. E depois dessa ainda restou combustível suficiente para uma terceira, a atual. Graças a isso Cassini se transformou na nave que mais e melhor explorou Saturno, seus anéis e suas luas. Também é a que realizou a trajetória com ajuda gravitacional mais complexa da História da exploração espacial, de acordo com um estudo publicado pelo Instituto de Aeronáutica e Astronáutica dos EUA. “Cassini está fazendo algo que nunca se imaginou que pudesse fazer, algo para o qual não foi projetada. Mar é o tipo de pessoa que pode fazer algo assim, nesse tipo de situação em que é preciso adaptar-se aos recursos disponíveis, ela é muito boa, contribuindo com ideias originais que vão além do que havia sido pensado originalmente”, diz Howell.
Quatro meses antes de se doutorar, a NASA ofereceu a Vaquero seu atual posto na missão, no qual está há três anos e meio. Desde estão fez contribuições essenciais. “Eu programei a trajetória que levou a Cassini de Titã a Encélado e depois de volta a Titã”, explica Vaquero. Graças àquele voo rasante a Cassini confirmou que essa lua gelada pode abrigar vida. “A manobra precisava ser muito precisa para a coleta de dados. Os resultados científicos são incríveis”, explica a engenheira.
Em 11 de setembro a Cassini realizará sua última aproximação a Titã. Passará a 118.745 quilômetros da lua, uma distância suficiente para que sua gravidade desvie seu rumo em direção à atmosfera de Saturno, aonde chegará quatro dias depois, e tudo sem usar os motores, explica Vaquero. É esperado que a sonda possa transmitir dados à Terra durante um ou dois minutos antes de se espatifar. No dia seguinte, Vaquero começará a trabalhar em seu próximo projeto, traçar a rota mais eficiente para levar um robô de exploração à superfície de Europa, a lua de Júpiter onde também é possível que exista vida extraterrestre.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.