_
_
_
_

Fenômeno Macron divide o socialismo francês

Candidato centrista à presidência atrai figuras destacadas no partido do presidente Hollande

Emmanuel Macron, candidato a presidente da França, durante comício nos arredores de Bordeaux.
Emmanuel Macron, candidato a presidente da França, durante comício nos arredores de Bordeaux.REGIS DUVIGNAU (REUTERS)
Marc Bassets

É um gota a gota lento, mas incessante. Um setor do Partido Socialista (PS) parece estar sendo irresistivelmente seduzido por Emmanuel Macron, o candidato centrista à presidência da França. Com poucas chances de passar ao segundo turno da votação, o candidato oficial do PS, Benoît Hamon, enfrenta o risco de uma fuga em massa na direção de Macron, ex-executivo bancário e ex-ministro da Economia do presidente François Hollande, que é socialista. O debate reflete uma dicotomia que assola toda a social-democracia europeia, entre os partidários de uma guinada à esquerda alternativa e os defensores de recuperar a terceira via social-liberal.

Mais informações
A ambiguidade política de Macron molda seu caminho na eleição francesa
O que você deve saber sobre a eleição presidencial na França, crucial para o futuro da Europa
Le Pen inicia campanha na França com discurso xenófobo e protecionista
Juiz convoca Fillon para depor e candidato conservador suspende campanha
Alain Juppé rejeita ser o candidato a presidência da França no lugar do conservador Fillon

O PS, que articulou a centro-esquerda francesa durante toda a V República (de 1958 até o presente), corre o risco de se tornar um partido menor depois do primeiro turno, em 23 de abril – o segundo turno, decisivo, será disputado em 7 de maio.

Hamon, um ex-ministro da ala esquerdista que se rebelou contra as políticas econômicas do seu chefe, Hollande, e depois ganhou as primárias do partido, tem entre 13 e 16% das intenções de voto, segundo as pesquisas, o que lhe coloca apenas na quarta posição, distante de uma vaga no segundo turno. Seria o pior resultado dos socialistas desde 1969, quando Gaston Defferre, prefeito de Marselha, obteve pouco mais de 5% de votos.

A recusa de Hamon em assumir o polêmico legado de Hollande e a competição com outras forças para ocupar o terreno da nova esquerda alternativa deixaram um espaço – o da centro-esquerda – que Macron tenta agora ocupar.

Christophe Caresche é um dos deputados socialistas que declararam apoio a Macron. Há alguns dias, ele divulgou uma carta aberta em que alertava para o perigo que o PS correrá caso se inspire no espanhol Podemos, no alemão Die Linke ou no líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn.

“Existe uma estratégia que afasta o Partido Socialista da cultura de Governo. E isso representa um problema para muitos socialistas, como para mim e outros”, disse Caresche numa entrevista por telefone.

Notáveis do PS, como o prefeito de Lyon, Gérard Collomb, e figuras já aposentadas da linha de frente, como o ex-prefeito de Paris Bertrand Delanoë, passaram às fileiras do Em Marcha!, a formação de Macron, ou declararam-lhe seu apoio. Membros do Governo socialista, como o ministro da Defesa, o bretão Jean-Yves Le Drian, poderiam seguir esses passos nos próximos dias.

Tão significativo quanto esses gestos é o silêncio do presidente Hollande e de Manuel Valls, que foi seu primeiro-ministro até dezembro e perdeu as primárias para Hamon. Numa campanha convencional, obviamente os dirigentes socialistas torceriam pela vitória do candidato do seu partido, mas esta não é uma campanha convencional. Por ideologia, Hollande e Valls estão mais próximos de Macron que de Hamon. Por lealdade às siglas, ou por um cálculo diante dos cenários pós-eleitorais, Valls e outros poderiam impor a si mesmos um exercício de disciplina, evitando se envolver no primeiro turno.

Na França, os socialistas mantiveram por décadas uma posição dominante no amplo espectro que vai da centro-esquerda à esquerda tradicional. “No poder, eles perderam essa posição dominante”, diz Caresche. “Foram respondidos à esquerda por Jean-Luc Mélenchon [um ex-socialista que comanda a esquerda alternativa e mantém afinidades com o Podemos] e à direita por Macron.”

Uma vitória de Macron na eleição presidencial deixaria o partido abalado. “Acho que não será sua morte, mas provavelmente acarretará sua radicalização”, comenta Caresche. “O Partido Socialista não desaparecerá, mas ficará muito debilitado e se deixará encurralar.”

Os partidários de Macron, que fundou o Em Marcha! quando ainda era ministro de um Governo socialista, sustentam que, num segundo turno, um candidato como ele, com capacidade de seduzir eleitores à esquerda e à direita, estará em melhores condições do que ninguém para frear Marine Le Pen, candidata do tradicional partido ultradireitista Frente Nacional. Hoje, Le Pen encabeça a maioria das pesquisas, seguida por Macron.

Macron é o único candidato que, apesar do esforço para se distanciar do atual presidente, não renega o seu legado, um argumento poderoso para os colaboradores e partidários do dirigente socialista em final de mandato.

Que Macron seja um novo Hollande, seu discípulo avantajado e autêntico afilhado político, é um dos principais argumentos dos seus adversários nos dois lados do espectro. O ex-ministro, que pretende transcender as velhas divisões partidárias, não se sente à vontade com a etiqueta do hollandismo nem com a possibilidade de um anúncio de apoio maciço dos seguidores do atual presidente. Prefere colher apoios a conta-gotas, como o do veterano líder centrista François Bayrou, há algumas semanas.

Outro argumento dos socialistas leais a Hamon contra Macron é que, se este ganhar a eleição, governaria sem maioria na Assembleia Nacional, já que o Em Marcha! é um partido jovem e sem estrutura consolidada. Segundo esse raciocínio, tal situação levaria ao caos parlamentar e tornaria a França ingovernável.

A questão não é só partidária, nem francesa. Afeta a identidade de uma social-democracia europeia que saiu abalada dos anos de recessão.

“O Partido Socialista se interroga a si mesmo”, diz o socialista e macroniano Caresche, que enxerga paralelismos com os debates dentro da esquerda espanhola e do próprio PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). “Fazemos uma aliança momentânea com o centro e a direita? Ou fazemos uma oposição mais forte?”

OS MISTERIOSOS TERNOS DE FRANÇOIS FILLON

François Fillon, candidato de centro-direita à presidência da França, gosta de se vestir bem, e caro. Cliente assíduo da Arnys, uma exclusiva boutique na rue de Sèvres em Paris, Fillon nem sempre paga por suas compras, como revelou o Journal du Dimancheneste domingo. Um benfeitor anônimo presenteou o candidato conservador com dois ternos sob a medida em fevereiro, quando já havia estourado o chamado Penelopegate, um escândalo relativo a supostos pagamentos irregulares de salários à mulher e aos filhos do candidato. Os ternos custaram 13.000 euros (43.700 reais). "Paguei eu a pedido do François Fillon", declara o signatário do cheque ao jornal, sem revelar sua identidade. "Aliás, sem receber o mínimo agradecimento", acrescenta. Desde 2012 o ex-primeiro-ministro recebeu 48.500 euros (163.100 reais) em roupas, e uma parte das compras foi paga em dinheiro vivo, segundo o Journal du Dimanche. "Um amigo me deu ternos de presente em fevereiro. E daí?", respondeu Fillon numa entrevista a outro jornal, o Les Échos. O político deverá depor na quarta-feira à Justiça sobre o Penelopegate.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_