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Após lançar mísseis, Coreia do Norte fica a um passo de romper relações com a Malásia

Após a expulsão de embaixadores, regime norte-coreano proibiu que cidadãos malaios deixem o país

Macarena Vidal Liy
Kim Jong-un faz discurso durante a Conferência de Presidentes dos Comitês de Primários do partido. No vídeo, o vice-primeiro-ministro da Malásia.
Kim Jong-un faz discurso durante a Conferência de Presidentes dos Comitês de Primários do partido. No vídeo, o vice-primeiro-ministro da Malásia.EFE
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A tensão na península coreana aumentou muito na terça-feira. Em uma dramática escalada da disputa com a Malásia devido ao assassinato de Kim Jong-nam, o irmão mais velho do líder Kim Jong-un, a Coreia do Norte proibiu que malaios atualmente em seu território saiam do país até que o assunto tenha sido “resolvido de forma adequada”. O regime de Pyongyang também afirmou que o lançamento de mísseis balísticos nesta segunda-feira foi um teste de ataque às bases dos Estados Unidos no Japão, uma declaração que coincidiu com o início da implantação do sistema antimísseis THAAD dos EUA na Coreia do Sul.

A proibição da Coreia do Norte, anunciada pelo Ministério das Relações Exteriores do país, representa uma enorme deterioração das relações entre a Coreia do Norte e a Malásia, dois países que, há menos de um mês, eram parceiros. A medida chega um dia após a expulsão do embaixador norte-coreano em Kuala Lumpur, Kang Chol, a quem o Governo da Malásia declarou persona non grata no último sábado por suas duras críticas à investigação sobre o assassinato de Kim Jong-nam, no aeroporto da capital malaia.

A Malásia anunciou medidas recíprocas imediatamente e bloqueou o acesso à embaixada norte-coreana em sua capital. De acordo com o Governo da Malásia, onze de seus cidadãos se encontram atualmente em Pyongyang. Os onze foram transformados, na prática, “em reféns”, como denunciou o primeiro-ministro malaio Najib Razak. “Este ato abominável”, destacou, “ocorre em completo desprezo por todas as normas internacionais e diplomáticas”.

Kim Jong-nam morreu em 13 de fevereiro, depois de ter sido atacado com a arma química VX enquanto esperava um voo para Macau, segundo  investigações da Malásia. A polícia malaia aponta o envolvimento de oito norte-coreanos, incluindo um alto funcionário da embaixada, no crime. A Coreia do Norte contesta as conclusões. Segundo sua versão, o falecido era o cidadão Kim Chol, que viajava com um passaporte diplomático e teria morrido de ataque cardíaco.

Até agora, apenas duas mulheres foram formalmente acusadas pelo assassinato: Doan Thi Huong, do Vietnã, e Sitti Aysah, da Indonésia.

Reação dos EUA

Enquanto isso, os Estados Unidos começaram a movimentar na Coreia do Sul os primeiros componentes de seu escudo antimísseis, um sistema que tem causado fortes protestos da China. O anúncio dos EUA ocorreu depois de a Coreia do Norte ter lançado quatro mísseis balísticos na segunda-feira, dos quais três alcançaram águas controladas pelo Japão. “Os contínuos atos de provocação da Coreia do Norte, incluindo o lançamento de seus mísseis ontem [segunda-feira], confirma a prudência da decisão de nossa aliança no ano passado para implantar o THAAD”, disse em um comunicado o almirante Harry Harris, comandante da frota norte-americana do Pacífico.

A agência de notícias norte-coreana KCNA indicou que Kim Jong-un supervisionou pessoalmente o lançamento dos mísseis, que tiveram como objetivo testar um ataque contra as bases norte-americanas no Japão. A ação coincidiu com o desenvolvimento das manobras anuais conjuntas entre EUA e Coreia do Sul. O presidente dos EUA, Donald Trump, conversou na terça-feira por telefone com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, e com o presidente interino sul-coreano, Huang Kyo-ahn, para analisar a situação. O Conselho de Segurança da ONU convocou uma reunião de emergência na quarta-feira, a pedido de Washington e Tóquio.

Os mísseis disparados na segunda-feira percorreram, de acordo com o Estado Maior sul-coreano, uma distância de mil quilômetros antes de caírem no mar do Japão e atingiram uma altitude de 260 km. No entanto, a Coreia do Sul considera improvável que se tratasse de um teste de um foguete intercontinental, o grande objetivo do regime. O próprio Kim Jong-un anunciou, em seu discurso de Ano Novo, que seu país planejava o lançamento de um míssil de longo alcance.

No mês passado, o regime de Kim Jong-un lançou um foguete de alcance intermediário em direção ao mar do Japão, o primeiro desde outubro do ano passado, e com o qual, na opinião do Governo sul-coreano, o Norte queria testar Trump, o novo inquilino da Casa Branca. O teste coincidiu com a visita de Abe aos Estados Unidos.

Segundo analistas militares, o objetivo final do programa de armamento da Coreia do Norte é miniaturizar ogivas nucleares para instalá-las em mísseis de longo alcance, capazes de atingir o território continental dos EUA. Por isso, o regime norte-coreano combina os testes de bombas atômicas — o país realizou dois em 2016 — com os de mísseis balísticos.

Cronologia da tensão na Coreia do Norte

Xavier Fontdeglòria

Da promessa de continuar avançando no desenvolvimento de seu programa nuclear à morte do irmão de Kim Jong-un, na Malásia, o regime norte-coreano tem sido foco de muitos eventos que abalam a região.

1 de janeiro: Em seu discurso de Ano Novo, o líder norte-coreano Kim Jong-un afirma que o país está se preparando para um teste com um míssil balístico de alcance intercontinental. O teste, segundo o Governo de Pyongyang, seria realizado ainda este ano.

3 de janeiro: Donald Trump, ainda como presidente eleito, responde em um tuíte que o teste "não ocorrerá".

20 de janeiro: Donald Trump é empossado como 45º presidente dos Estados Unidos.

3 de fevereiro: em uma viagem que o leva à Coreia do Sul e Japão, o novo secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, reiterou o apoio de Washington a ambos os Governos diante das ameaças do regime norte-coreano.

12 de fevereiro: A Coreia do Norte dispara um míssil de médio alcance que percorreu cerca de 500 quilômetros e caiu no mar do Japão. O lançamento coincide com a visita do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, aos Estados Unidos.

14 de fevereiro: A polícia da Malásia comunica a morte de um homem, no dia anterior, com passaporte norte-coreano, sob o nome de Kim Chol, a caminho do hospital. A vítima havia solicitado assistência médica no aeroporto de Kuala Lumpur. Vários meios de comunicação sul-coreanos dizem que o falecido é Kim Jong-nam, meio-irmão de Kim Jong-un, que teria sido envenenado por duas mulheres que poderiam ser agentes do regime norte-coreano.

15 de fevereiro: A polícia malaia prende uma das mulheres que participou do ataque quando tentava deixar o país. Tinha passaporte vietnamita.

16 de fevereiro: A Malásia prende mais dois suspeitos: a outra mulher identificada graças a imagens captadas por câmeras de segurança do aeroporto, com passaporte indonésio, e seu parceiro. A polícia da Malásia afirma que está à procura de quatro homens, de nacionalidade norte-coreana, que foram vistos em companhia das duas mulheres detidas. Dias depois, soube-se que os quatro suspeitos conseguiram sair do país e chegar a Pyongyang.

17 de fevereiro: A embaixada da Coreia do Norte pede às autoridades que entreguem o corpo do falecido. A Malásia se recusa a fazê-lo, porque, após a primeira autópsia, não foi possível determinar a causa da morte. O embaixador norte-coreano na Malásia, Kang Chol, fala pela primeira vez em público sobre o caso e afirma que seu país não aceitará os resultados dos estudos forenses.

18 de fevereiro: A polícia comunicou a prisão de um quarto suspeito envolvido no ataque. Trata-se de um cidadão norte-coreano, Ri Jong-chol. A China, um dos tradicionais aliados da Coreia do Norte, anuncia a suspensão de todas as importações de carvão desse país.

20 de fevereiro: Um vídeo mostra o momento exato em que Kim é envenenado no aeroporto. O vaivém de declarações entre o Governo da Malásia e a embaixada norte-coreana no país sobre o caso sobe o tom a tal ponto que o embaixador é convocado a dar explicações por suas acusações de que a investigação tem motivos políticos.

22 de fevereiro: A polícia da Malásia afirma que as duas mulheres envolvidas no ataque haviam ensaiado a ação. Os investigadores acreditam que vários norte-coreanos forneceram um potente agente tóxico às duas mulheres. Quatro deles já fugiram do país, e outros três estão sob proteção da embaixada norte-coreana em Kuala Lumpur.

23 de fevereiro: A mídia norte-coreana comenta pela primeira vez o assassinato de Kim Jong-nam, embora sem mencioná-lo diretamente. A imprensa local afirma que a morte foi causada por um ataque cardíaco e acusa a Malásia de conspirar com a Coreia do Sul.

24 de fevereiro: A segunda autópsia encontra no rosto e nos olhos de Kim Jong-nam o agente tóxico VX, uma das armas químicas mais letais atualmente.

25 de fevereiro: Os EUA negam vistos a uma delegação da Coreia do Norte que iria se encontrar com um grupo de ex-oficiais norte-americanos, o que teria sido a primeira reunião informal entre os dois países em seis anos. As duas mulheres presas que participaram do ataque no aeroporto declararam que acreditavam estar participando de um reality show.

26 de fevereiro: A autópsia do corpo de Kim Jong-nam revela que o contato com o agente tóxico causou uma paralisia muito grave e o matou entre 15 e 20 minutos, depois que uma mulher passou um pano em seu rosto impregnado com o potente tóxico.

1 de março: A Malásia acusa formalmente de assassinato as duas mulheres que atacaram Kim Jong-nam.

2 de março: A Malásia cancela o acordo de isenção de vistos para cidadãos norte-coreanos por razões de segurança.

4 de março: O Governo da Malásia declara o embaixador norte-coreano persona non grata e dá um prazo de 48 horas para que ele deixe o país. A decisão é tomada após o não comparecimento do diplomata a uma reunião no Ministério das Relações Exteriores e por ter ignorado uma solicitação das autoridades da Malásia, que exigiam um pedido de desculpas por seus comentários sobre a investigação.

6 de março: A Coreia do Norte dispara quatro mísseis balísticos contra o mar do Japão. O regime norte-coreano rebate a decisão da Malásia e manda expulsar o embaixador malaio em Pyongyang.

7 de março: A Coreia do Norte afirma que o lançamento de mísseis foi um teste para atingir as bases dos EUA no Japão. Washington e Seul decidiram antecipar a implantação do polêmico sistema antimísseis THAAD, com os primeiros componentes já em solo sul-coreano. Autoridades de Kuala Lumpur e Pyongyang proíbem a saída de norte-coreanos e malaios, respectivamente, de seus territórios diante da desconfiança mútua gerada após o assassinato de Kim Jong-nam.

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