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Irmão do líder norte-coreano foi assassinado com arma química de destruição em massa

Os exames malaios detectaram o agente nervoso VX no rosto e nos olhos de Kim Jong-nam

Kim Jong-nam (à esq.), irmão do líder da Coreia do Norte, Jim Jong-un (à dir), que foi assassinado em 13 de fevereiro.
Kim Jong-nam (à esq.), irmão do líder da Coreia do Norte, Jim Jong-un (à dir), que foi assassinado em 13 de fevereiro. Shizuo Kambayashi, Wong Maye-E (AP)

Kim Jong-nam, o irmão mais velho do líder supremo norte-coreano, Kim Jong-un, foi assassinado com uma arma química considerada uma das mais potentes do mundo e usada possivelmente na guerra entre Iraque e Irã nos anos oitenta. Trata-se do agente nervoso VX, detectado nos exames preliminares do Centro para Análise de Armas Químicas da Malásia. O Centro foi consultado depois que a autópsia comum se demonstrou insuficiente para estabelecer a causa da morte.

A substância estava presente nos tecidos do rosto e dos olhos de Kim Jong-nam enviados ao Centro, entidade ligada ao Departamento de Química malaio, segundo afirmou o chefe da Polícia daquele país, Khalid Abu Bakar, em um comunicado. Além disso, uma das suspeitas presas pelo crime mostra sintomas dos efeitos do veneno. “Uma dela apresentou vômitos”, disse o chefe policial.

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O VX, ou S-2-diisopropilaminoetil metilfosfonotiolato segundo seu nome químico citado pelo comunicado, é considerado uma arma de destruição em massa pela ONU. Sem cheiro nem sabor, é o mais potente de todos os agentes nervosos, que por sua vez são “os compostos químicos de ação mais tóxica e rápida de todas as armas químicas conhecidas”, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC).

Bakar explicou na sexta-feira, dia 24 de fevereiro, em uma coletiva de imprensa que solicitará ajuda aos especialistas em energia atômica para buscar no aeroporto internacional de Kuala Lumpur traços do produto químico que matou o irmão do líder norte-coreano. No entanto, advertiu que não há necessidade se afastarem do terminal nem da zona isolada —onde ocorreu o assassinato— no momento. “Deixem-nos primeiro fazer as verificações pertinentes”, afirmou.

Kim morreu na segunda-feira, dia 13, em Kuala Lumpur depois de ser atacado, segundo parecem mostrar as imagens de um vídeo, por duas mulheres no terminal 2 do aeroporto daquela capital. Agora a Polícia tenta estabelecer se o composto foi fabricado na Malásia ou trazido de outro país. “Se a quantidade fosse pequena, para nós seria difícil detectar”, declarou Abu Bakar em comentários à imprensa citados pela Reuters.

Segundo o CDC, o VX, um líquido de cor âmbar sem qualquer outra finalidade além de ser um veneno, é um elemento muito mais potente do que outros agentes, como o gás sarin. Depois de uma exposição à substância em forma líquida, a mais comum e que aparentemente foi usada contra Kim, os sintomas podem começar a ser notados depois de poucos minutos. Em forma de gás, bastam alguns segundos. Não evapora com facilidade e uma vez espargido pode permanecer no ambiente por um longo tempo.

O veneno, inventado no Reino Unido nos anos cinquenta, age sobre as glândulas e músculos obrigando-os a trabalhar em excesso até dificultar ou tornar impossível a respiração. Não tem cheiro ou gosto, e por isso uma pessoa pode desconhecer que entrou em contato com ele. Entre os sintomas estão visão borrada, alteração da pressão sanguínea, sudorese, confusão, dor de cabeça e náusea. Uma intoxicação grave gera convulsões, perda de consciência, paralisia e falha respiratória.

O fato de Kim Jong-nam ter sido envenenado com essa substância confirma a teoria de que a Coreia do Norte está por trás de uma morte que assombrou o mundo por evocar os tempos da Guerra Fria.

A Coreia do Norte não assinou a Convenção Internacional contra as Armas Químicas e, segundo o projeto Nuclear Threat Initiative, que estuda as armas de destruição em massa, possui agentes V, gás sarin e mostarda, entre outros.

A Coreia do Sul denunciou, desde que foi anunciada a morte, que se tratava de um assassinato ordenado pelo regime de Kim Jong-un. Pyongyang, que rejeita inclusive que o falecido seja o irmão mais velho de seu líder supremo, nega taxativamente qualquer participação no caso.

O fato de Kim Jong-nam ter sido envenenado com essa substância confirma a teoria de que a Coreia do Norte está por trás da morte

Mas em um caso que abriu uma forte tensão diplomática entre Kuala Lumpur e Pyongyang, a Polícia malaia deteve um cidadão norte-coreano, químico de profissão, e emitiu ordens de prisão contra outros quatro norte-coreanos — Hong Song-hae, Ri Ji-hyon, O Jong-gil e Ri Jae-nam— suspeitos de terem recrutado e treinado as duas mulheres que atacaram Jong-nam. Os quatro conseguiram fugir da Malásia e suspeita-se que voltaram a Pyongyang.

Além disso, a Malásia —que chamou seu embaixador em Pyongyang para consultas— quer interrogar o diplomata norte-coreano em Kuala Lumpur, Hyon Kwang-song, segundo secretário da Embaixada, e um funcionário das linhas aéreas estatais, Kim Uk-il.

Também estão detidas as duas mulheres suspeitas de terem envenenado Jong-nam, uma delas de nacionalidade vietnamita e outra cidadã indonésia.

Até o momento, o corpo continua sob custódia das autoridades malaias, à espera de que os familiares ofereçam amostras de DNA e o reclamem. O comunicado de Abu Bakar não identifica Jong-nam por nome e só se refere a “um cidadão norte-coreano”.

Os serviços secretos sul-coreanos acreditam que a Coreia do Norte emitiu uma ordem permanente de morte contra Kim Jong-nam. Filho da relação entre o falecido Kim Jong-il e a atriz Song Hye-rim, foi considerado durante anos o possível sucessor do “Querido Líder”, mas caiu em desgraça e se exilou depois de ser preso quando tentava entrar no Japão com um passaporte dominicano.

Mulherengo e amante da boa vida, sempre insistiu em que não queria desempenhar um papel ativo na política de seu país. Mas em entrevistas concedidas nos últimos anos tinha se mostrado crítico do regime dinástico norte-coreano e expressado seu rechaço a que seu irmão mais novo sucedesse o pai no comando da nação.

Kim Jong-un, que chegou ao poder na Coreia do Norte com a morte de Kim Jong-il em dezembro de 2011, demonstrou sua disposição de se livrar de todo inimigo potencial, inclusive em sua própria família. Em 2013 ordenou a execução de seu tio, Jang Song-thaek, até então considerado o “número dois” do regime e verdadeiro poder na sombra.

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