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Lixo eletrônico: um mercado com potencial milionário

No Brasil, reciclagem de medidores de energia gera lucro para empresas e meio ambiente

Trabalhador separa medidores obsoletos.
Trabalhador separa medidores obsoletos.M. K. Ceratti/B. M.

Com que periodicidade você troca de telefone celular? Em 2018, os latino-americanos devem jogar no lixo 4.800 toneladas de lixo eletrônico ou e-waste, 10% do total global, segundo pesquisa da GSMA e do Instituto Universitário das Nações Unidas para o Estudo Avançado da Sustentabilidade (UNU-IAS). O percentual é semelhante ao registrado em 2014, quando a América Latina produziu 3.900 toneladas de resíduos desse tipo. O que chama a atenção é o índice de crescimento anual, 6%, maior do que os 5% do resto do mundo.

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Entram nessa conta não só os celulares, computadores e eletrodomésticos, mas também equipamentos cuja existência mal se nota no dia a dia, como os medidores de energia. Embora sejam pequenos, fiquem escondidos nas casas e não contenham metais pesados, os medidores podem causar riscos ambientais e à saúde a partir do momento em que são jogados de qualquer forma em lixões ou aterros sanitários.

Em compensação, são totalmente reaproveitáveis e têm potencial lucrativo se descartados corretamente e reciclados, em um esquema denominado logística reversa. Assim foi feito no Brasil, país latino-americano que mais produz lixo eletrônico: 1.400 toneladas em 2014, de acordo com a GSMA e o UNU-IAS.

Um trabalho do Banco Mundial e da Eletrobras em seis Estados (Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Roraima e Rondônia) tornou possível leiloar medidores obsoletos, transformadores, cabos e outros equipamentos a empresas de reciclagem. Com a venda, as operadoras locais de energia arrecadaram 5,4 milhões de reais, a serem revertidos a projetos sociais.

A iniciativa faz parte do projeto Energia Mais, cujo objetivo é melhorar a qualidade da transmissão e reduzir os problemas da medição incorreta e do roubo, que custam cerca de 15 bilhões de reais por ano ao Brasil.

Rastreáveis

“A cada leilão, as empresas recicladoras se comprometeram a destruir os medidores obsoletos, para acabar com qualquer chance de eles serem reaproveitados na própria rede de distribuição, agravando os problemas que eram o alvo do projeto”, explica Christophe de Gouvello, gerente do projeto no Banco Mundial. “O destino final desses elementos se tornou rastreável para termos certeza de que não parariam em um lixão”, acrescenta.

Ele ainda destaca o interesse que o mercado de reciclagem teve pelos equipamentos, apesar de eles estarem em Estados distantes da maioria das empresas do setor. Para muitas dessas companhias, os leilões serviram de motivação para se organizar e profissionalizar.

Uma delas, a Trafominas, fica em Guaxupé, cidade de 70.000 habitantes em Minas Gerais. O fundador, Geovani Marques, atuava como pequeno comerciante de metais entre o sul do Estado e o norte de São Paulo quando fundou a empresa, em 2007. Ele aprendeu aos poucos que, para poder fechar negócios maiores, teria de reformar a sede e buscar certificações de gerenciamento ambiental.

Comprar material não certificado não é mais parte da nossa rotina”, conta Marques, referindo-se a um problema ainda muito comum no setor: o processamento informal ou ilegal de lixo eletrônico (material roubado, por exemplo), que movimenta entre 12,5 bilhões e 18,8 bilhões de dólares anuais no mundo, segundo a Interpol.

Hoje, a empresa só processa material que não seja fruto de roubo e tem na reciclagem dos medidores 40% das receitas. O ferro, o cobre, o vidro, o alumínio e o plástico presentes nos equipamentos saem de lá separados e certificados para os compradores de vários tipos de indústrias. Para dar conta do serviço, a equipe passou de 12 a 25 funcionários.

Nos países em desenvolvimento, a coleta e a reciclagem de resíduos sólidos emprega mais de 64 milhões de pessoas, aponta o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no estudo Waste Crime – Waste Risks. É uma atividade econômica que não só gera renda como ajuda a preservar o meio ambiente, segundo esse e outros estudos da ONU sobre o tema. Mas requer mais regulações e investimentos para se fortalecer, inclusive na América Latina.

Dos 21 países da região, Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, México e Peru contam com marcos regulatórios para o descarte e tratamento adequado desses resíduos. No entanto, só Costa Rica, México e Brasil dispõem de empresas de reciclagem no padrão internacional R2, que busca proporcionar maior segurança ao ambiente e à saúde dos trabalhadores.

Avanços

Para Marcio Batitucci, especialista em salvaguardas do Banco Mundial, o projeto com a Eletrobras trouxe avanços importantes que podem ser aplicados a todo o Brasil, onde o tema da logística reversa para eletroeletrônicos ainda gera controvérsia, apesar de o país discutir o tema em seu Plano Nacional de Resíduos Sólidos. E, também, inspirar outros países latino-americanos.

“Não se tratou apenas de pegar os equipamentos antigos e entregar para as companhias de reciclagem. Como esse material era de uma empresa pública, precisava ser alienado de forma adequada e não foi só a área de meio ambiente que atuou nisso. Os departamentos legal e de almoxarifado, por exemplo, também participaram”, explica.

Se a reciclagem de simples medidores de energia demandou tanto trabalho, imagine o que é preciso para fazer o mesmo com celulares, computadores e outros equipamentos que vão para o lixo todo ano. Mas é um esforço necessário para que os componentes desses produtos não prejudiquem ainda mais o meio ambiente e a saúde dos latino-americanos.

Mariana Kaipper Ceratti é produtora online do Banco Mundial

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