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A salada política de Crivella para encarar o Governo das “vacas magras” no Rio

Novo prefeito do Rio nomeia ex-guerrilheiro, fundador do Bope e filha de Garotinho para sua equipe

Crivella comemora a vitória junto aliados, Índio da Costa e Clarissa Garotinho.
Crivella comemora a vitória junto aliados, Índio da Costa e Clarissa Garotinho.Fernando Frazão/ Agência Brasil
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Um pastor, um ex-guerrilheiro, um deputado federal conhecido como o “homem do chapéu”, o fundador do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio, a neta de Cartola, a filha do ex-governador Garotinho, uma economista defensoras das concessões à iniciativa privada, seu adversário de campanha… O prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), anunciou, por fim, seu secretariado, uma equipe eclética, enxuta, não necessariamente técnica, como Crivella prometeu, mas que premia os apoios recebidos até sua vitória. Com ela, o ex-senador enfrenta seu primeiro mandado executivo, o primeiro de um destacado membro da Igreja Universal em uma grande capital.

Apesar de ter reduzido as secretarias de 23 para 12, Crivella desenhou sua equipe com uma parcimônia que irritou inclusive membros do seu entorno, que alegaram que a falta de definição dos responsáveis das pastas estava dificultando o trabalho de transição com a equipe de Eduardo Paes (PMDB). “Por que a pressa? Confiem no prefeito eleito”, retrucava Crivella. O próprio Cesar Benjamin, novo secretario de Educação, contava no seu Facebook que tinha recebido uma ligação de Crivella insistindo para ele assumir a pasta poucas horas antes de ser anunciado o time.

Benjamin é uma das figuras de contraste na nova Prefeitura do Rio. Jornalista e cientista político, ele participou da luta armada contra a ditadura militar (1964-1985) na juventude. Foi preso e torturado. Exiliou-se nos 80 e militou, na sua volta, no PT e no PSOL. Apesar de seu perfil progressista, Benjamin foi um dos férreos defensores de Crivella durante a campanha e atacou quem o criticava por seu vinculo com a Igreja Universal, da qual o prefeito é bispo licenciado. “Ele é evangélico, eu não sou. Não vemos nisso um problema. Minha história me levou a estar rodeado de amigos de esquerda. A história dele o levou a estar rodeado de amigos religiosos, muitos dos quais conservadores. Também não vemos nisso um problema”, disse na época da eleição.

A escolha de Benjamin deve contribuir ao “fortalecimento de uma escola pública laica e republicana”, disse ele em outubro quando soube da oferta de Crivella antes de ser eleito. “Para mim, esse convite, se confirmar, é um perrengue”.

No mesmo time de Benjamin, na secretaria de Ordem Pública, se acomodará um dos seus captores durante a ditadura militar, o coronel Paulo Cesar Amêndola. O militar foi um dos integrantes da ação que prendeu Benjamin na Bahia, em 1971. Segundo o relato que o próprio Amêndola deu ao diário O Globo em 2011, o jovem Benjamin, que na época não se pronunciou sobre o episódio, estava levando armas e dinheiro ao guerrilheiro Carlos Lamarca. No currículo de Amêndola, além de sua participação na repressão da ditadura, conforme consta no dossiê da Arquidiocese de São Paulo sobre o regime, está a criação do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio, o temido Bope, e da Guarda Municipal. Ele liderará a transformação da corporação em uma guarda mais ostensiva, de patrulhamento da cidade e de proteção do cidadão, e não do patrimônio.

Espaço para as alianças políticas: os Garotinho

Crivella também compensou alguns dos apoios recebidos dos seus aliados políticos. O mais valioso deles foi o da família Garotinho, do PR, cuja aliança deu a Crivella o dobro de tempo em televisão durante a campanha. A escolha de Clarissa Garotinho, que foi expulsa do PR por ter votado contra a PEC do teto de gastos, na secretaria de Desenvolvimento e Emprego, é a prova da gratidão.

Crivella sempre negou que a sintonia com Clarissa significasse negociação de cargos com o ex-governador e fez questão de separar a figura política da filha de Garotinho da do seu pai, já condenado por formação de quadrilha, e preso recentemente por suspeita de compra de voto. Esse interesse em desassociar os Garotinhos demonstrou-se de forma rocambolesca no comunicado distribuído a imprensa onde Crivella anunciava o secretariado. Nele, Clarissa Garotinho aparece como Clarissa Matheus.

O ex-governador, no entanto, deixa transparecer em uma conversa grampeada durante as investigações contra ele que a nomeação da filha era esperada e parte do acordo. “Clarissa vai ser secretária, provavelmente, o Crivella vai convidar ela (sic), de Ação Social (Desenvolvimento Social) no Rio, pra montar nossa base”, dizia Garotinho ao seu interlocutor em 31 de outubro, antes de a filha ser expulsa e se filiar ao PRB, o partido de Crivella.

Crivella também deu espaço ao PSDB e ao PSD, que o apoiaram no segundo turno, com a nomeação da vereadora Teresa Bergher na secretaria de Assistência Social, e do seu rival no primeiro turno Índio da Costa, na secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação. O impopular PMDB, do prefeito Paes e do presidente Michel Temer, ficou fora, apesar de todos os vereadores da sigla terem manifestado o apoio ao ex-bispo publicamente no segundo turno. O ultraconservador Flávio Bolsonaro, do PP, tampouco entrou na equipe.

Entre os perfis mais técnicos se destacam o da nova secretaria da Fazenda, a economista Maria Eduarda Gouvêa, conhecida pela sua defesa das parcerias público-privadas na gestão pública. Da direção da Estrutura Brasileira de Projetos (EBP), Gouvêa defendeu diversas vezes as bondades de delegar o esgotamento sanitário às mãos de empresas privadas, dado o péssimo índice de desenvolvimento de saneamento urbano no país. A economista foi também responsável por elaborar planos de viabilidade para os leiloes na área de infraestrutura do Governo Federal que incluíam portos e aeroportos.

O vice de Crivella, Fernando Mac Dowell, um renomado engenheiro na área de transporte, será o secretario da pasta e assumiu um desafio ambicioso: municipalizar a gestão do metrô carioca, hoje a cargo da concessionária Metrô Rio, sob gestão estadual. Mac Doweell, crítico da ampliação e integração de linhas feita no subterrâneo carioca, pretende com isso ampliar o número de usuários do serviço.

A equipe completa-se com a neta de criação de Cartola e presidenta do Museu do Samba, Nilcemar Nogueira, na pasta de Cultura; o cardiologista Carlos Eduardo, na Saúde; O deputado federal do PTN, Luiz Carlos Ramos, conhecido como o “homem do chapéu”, na secretaria de Relações Institucionais; e o engenheiro e pastor da Assembleia de Deus, Rubens Teixeira, na pasta de Conservação e Meio Ambiente.

Na trilha da tesoura, que deve marcar uma gestão de “vacas magras”, segundo Crivella, eliminou-se a secretaria de Turismo, que será substituída por um conselho de sábios do setor. Os conselheiros assessorarão de graça ao prefeito e todos eles têm interesses diretos no setor. Ricardo Amaral, considerado o “Rei da Noite”, foi e é sócio de lendárias casas noturnas cariocas; o empresário José Bonifácio, o Boni, já foi sondado pelo prefeito de São Paulo, João Doria, para a pasta da Cultura; Roberto Medina é criador do Rock in Rio; e Paulo Potasio é presidente da Associação Comercial do Rio (ACRJ).

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