As duas caras do transporte público no Rio Olímpico
Metrô leva com comodidade torcedores e voluntários, mas cariocas seguem rotina de congestionamento
São sete da noite de uma terça-feira e dezenas de voluntários que exibem orgulhosos seus uniformes abandonam o Parque Olímpico em direção a suas casas. É horário de pico, choveu, mas sobram assentos nos vagões do metrô, o ar-condicionado gela a nuca e o trem sai e chega pontualmente. À mesma hora, no centro da cidade, dezenas de funcionários de escritórios e trabalhadores com seus uniformes de faxineiros, pintores e operários nas mochilas, abrem caminho com os cotovelos para entrar em um vagão onde viajarão apertados até chegarem a suas casas no subúrbio. São cenas da mesma metrópole. A primeira ocorre na nova linha de metrô que une os bairros turísticos do Rio com a Barra da Tijuca, o bairro de classe média alta onde foi construído o Parque Olímpico. A segunda, em qualquer das duas únicas linhas de metrô da cidade que transportam diariamente 850.000 pessoas.
A ampliação do metrô, a obra mais cara e atrasada dos Jogos Olímpicos, começou a funcionar na segunda-feira, a apenas quatro dias da cerimônia de abertura, e mostra as duas caras de uma cidade paralisada pelos engarrafamentos e um transporte público em colapso. Enquanto os novos trens – que não passaram nos testes de segurança necessários para operar com total capacidade – transportavam torcedores com entradas para as competições, voluntários e credenciados, a cidade registrava 200 quilômetros de trânsito parado e o caos habitual nos ônibus e trens.
A nova linha 4, de apenas cinco estações, teve seu orçamento inicial duplicado e absorveu 9,7 bilhões de reais (dois terços de todo o legado de transporte). Sua inauguração, porém, não vai resolver as complicações do tráfego durante os Jogos – percorrer os 30 quilômetros que separam o centro da cidade e o parque Olímpico leva pelo menos uma hora e meia – e as faixas destinadas exclusivamente à família olímpica, praticamente vazias, estão complicando ainda mais o tráfego das vias principais, já saturadas.
Os especialistas tampouco acreditam que os problemas sejam depois resolvidos. Como foi inaugurado às pressas, o novo metrô terá que fechar depois das competições e só abrirá quatro horas por dia até o final do ano para testar gradualmente seu funcionamento com mais público. O temor é que as cenas que hoje se veem nas demais estações comecem a ser comuns em 2017 também no novo metrô e linhas de ônibus.
“O projeto é um paliativo porque está incompleto. A ideia original era a integração dessa linha com as outras e que chegasse ao centro da Barra da Tijuca e não ao começo, como agora. Não adianta nada levar 1.000 pessoas em cada trem se depois os ônibus não têm capacidade para conduzi-las a seu destino”, lamenta o engenheiro de transportes Marcus Quintella, da Fundação Getúlio Vargas.
O legado do transporte é um dos mais importantes destes Jogos em uma cidade onde os seis milhões de habitantes são os que mais tempo perdem, em todo o Brasil, em ir e voltar de casa ao trabalho, uma média de 47 minutos. O Rio é também a quarta cidade mais congestionada do mundo – depois da Cidade do México, Bangcoc e Istambul –, segundo o relatório anual Tom Tom Traffic, que mede os engarrafamentos de 295 metrópoles. Além da linha do metrô, um bonde percorre agora o centro até o aeroporto local e foram criadas duas faixas para ônibus rápidos, que conectam a região do Parque Olímpico com outros pontos da cidade. Avanços que os especialistas celebram, mas que dizem estar longe de aliviar um dos problemas crônicos da Cidade Maravilhosa. “Faz 50 anos que o Rio não investe em mobilidade”, lamenta o engenheiro de transporte e professor da UERJ Alexandre Rojas. “Os investimentos feitos são importantes, mas o legado dos Jogos não vai resolver um problema de meio século”.
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