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Marcello Faulhaber | assessor político

“Crivella é um ‘mega-outsider’, e não tem nada a ver com a Igreja Universal”

Formulador do programa de Governo do novo prefeito do Rio diz que a imprensa não é detentora da verdade, como mostrou a eleição de Trump

Marcello Faulhaber .
Marcello Faulhaber .arquivo pessoal
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“Você vai falar e Crivella vai fazer o que ele quiser”. A advertência dos colaboradores do novo prefeito do Rio ao seu futuro marqueteiro, Marcello Faulhaber, entrou por um ouvido e saiu por outro. Pelo visto, Marcelo Crivella obedeceu. Faulhaber (Rio de Janeiro, 1977) gaba-se hoje de ter conseguido a primeira vitória de Crivella em um cargo executivo após sete tentativas. Algo, destaca ele, que nem o publicitário Duda Mendonça alcançou quando em 2008 tentou levar o senador à prefeitura. “Crivella não falava da vida, da trajetória dele, nenhum marqueteiro viu isso”, diz.

Faulhaber, que começou a pré-campanha assessorando o deputado estadual Carlos Osório (PSBD), foi secretário e assessor na prefeitura de Belo Horizonte de 2011 a 2015, mas, antes, foi subsecretário na Casa Civil durante o primeiro Governo de Eduardo Paes. Saiu dali em 2010 revoltado por ter se sentido desconsiderado e, em 2012, em plena campanha eleitoral que levou Paes à reeleição, um e-mail de Faulhaber falando do ex-chefe vazou na imprensa. O texto começava assim: “Acho que Eduardo tem sido um bom prefeito […] Eu não voto nele, porque apesar de ser um ótimo prefeito, ele é um péssimo ser humano”. Faulhaber, entre uma coleção de pérolas, criticou a “ação política ditatorial” de Paes, sua falta de dedicação com a família e seu “pragmatismo escroto” e advertiu: “estamos criando um monstro”. Apesar da evidente distância entre ambos, Faulhaber garante: “algum dia Eduardo vai ser meu cliente”. Por enquanto, ele diz já estar preparando as campanhas de três candidatos a governador, um no Rio, outro em São Paulo e outro no Paraná.

Pergunta. O que Crivella tem que Eduardo Paes não tem?

Resposta. Paciência. Tem uma lenda em Minas de um político que perguntou a Tancredo Neves quais eram as dez características mais importantes para um político. Ai ele falou assim: as sete primeiras são paciência. As outras três pode escolher.

P. Daí que Crivella tenha demorado quase 20 dias em encontrar Eduardo Paes para começar a transição de Governo?

R. Paes está mais ansioso do que Crivella. Ele demorou porque foi agradecer, primeiro aos eleitores, e depois a Deus, em Israel. Eduardo tem grandes qualidades, é muito realizador, trabalha muito. Conheço poucas pessoas que trabalham tanto quanto Eduardo. Um que trabalha tanto quanto ele foi preso, o Garotinho. E Eduardo conhece como a imprensa funciona como poucos políticos no Brasil. Agora, ele tem angustia, pressa, impaciência...

P. Falando de Garotinho. A campanha de Crivella mantêm até hoje que o ex-governador não teve nenhuma influência na candidatura, mas o vice foi escolha dele, a filha de Garotinho estava do lado de Crivella durante a comemoração da vitória, o partido de Garotinho foi responsável por boa parte do tempo de TV de Crivella... Como é possível separar essas duas figuras?

R. De uma forma muito simples: Garotinho não queria apoiar Crivella. Garotinho é presidente do diretório regional e a filha Clarissa, do diretório municipal. Garotinho queria apoiar, no início, Índio da Costa, e Clarissa queria apoiar Crivella. Durante um almoço de domingo, ela disse: “olha, quem vai decidir no Rio de Janeiro sou eu”. Ela conseguiu com isso que o PRB, de Crivella, apoiasse o candidato do PR, dos Garotinho, em Campos e o PRB tirou sua candidatura. Foi um acordo político. Foi Clarissa quem indicou o vice Fernando McDowell. Que eu saiba Garotinho não teve nada a ver com essa indicação.

P. Como afeta a prisão de Garotinho na composição do governo ou num possível cargo que Clarissa viesse a ocupar?

R. Não sei te responder. Não sei se o fato de que o Garotinho tenha sido preso, uma vez que ele não tem nada a ver com o apoio do PR à candidatura de Crivella, vai ter algum efeito. Mas a filha não pode pagar pela prisão preventiva do pai.

P. Após a eleição, Garotinho deu uma entrevista à BBC onde disse que acompanhou a campanha de perto e que deu uma aula ao Crivella sobre o PMDB. Ele dava a impressão nessa entrevista de que o contato com Crivella era mais próximo do que você conta.

R. Olha, posso testemunhar. Passei muitas horas com Crivella. Vi ele falar inúmeras vezes com Clarissa, não vi ele falar uma única vez com Garotinho. Ele pode ter dado essa aula sobre o PMDB na campanha de 2014 a governador, quando inclusive Garotinho apoiou Crivella no segundo turno. Nessa campanha poderia ter influência, agora, nesta, nenhuma.

P. O que Crivella disse depois da prisão de Garotinho?

R. Falei com ele ontem [pela quarta-feira 16], ele estava em Brasília. E falei “e aí, senador, tudo bem?”. E ele respondeu: “tudo bem, menos pelo Garotinho”. [Risos] “Pois é”, eu lhe disse. “Agora falta o Cabral”. Não falou nada. Não existe essa relação.

P. Crivella te ofereceu algum cargo?

R. Na verdade, ele nem me ofereceu, quando fui contratado eu lhe disse que eu não queria ser secretário de nada. Eu sou apaixonado por política, mas eu tomei a decisão de nunca mais trabalhar na administração. Perdi o tesão. Só vale a pena ter cargo político se você tiver ambição política. Já tive, mas hoje não mais. Vou ajudá-lo no que ele precisar, com certeza, mas não dentro da administração. Farei a campanha dele de 2020, a quem ele apoiar em 2018...

P. Ele já pensa em se reeleger?

R. Todo mundo pensa.

P. O que aconteceu entre você e Paes?

R. Desgaste. Eu conheci Eduardo há muito tempo, era amigo pessoal e uma relação de amizade se converteu em uma relação de chefe-empregado nada saudável. Um projeto que eu tinha desenvolvido e que estava combinado que eu ia ser o formulador, ele resolveu mandar para outra pasta. Aí eu saí.

P. Depois, surgiu esse e-mail que você enviou criticando muito o prefeito. Ele respondeu dizendo que você foi omisso com a corrupção e você o desafiou a provar, mas ele não o fez. Por que você não o processou?

R. Não processei porque eu tenho certeza que um dia Eduardo vai ser meu cliente.

P. O que você achou da aposta dele pela candidatura de Pedro Paulo?

R. Gosto muito de Pedro. Sempre foi meu amigo, só deixamos de ser amigos quando briguei com Eduardo. Acho que a campanha dele não decolou, não pelo fato de ele ter ou não agredido a ex-mulher, senão pelo momento político da cidade. Há fadiga, é muito tempo de poder, o poder vai corroendo as pessoas. O programa de governo de Pedro Paulo era um desastre e gastaram sete  milhões nele. Era megalomaníaco. Essa eleição não era para ele ganhar. É nítido como o primeiro governo de Paes [no qual Faulhaber participou] foi bem sucedido e como o segundo não foi. Voltou todo o esforço da máquina para acabar obras e esqueceu todo o resto. Ouvimos isso do povo em todas as pesquisas.

P. O povo, a massa, está sempre certa?

P. O povo está sempre certo, especialmente nas eleições. Todas. Inclusive a do Trump. E fica um monte de jornalista, político, especialista, marqueteiro tentando entender e não entende o porquê. E não entende porque faz análise sem ouvir o povo. O Trump se elegeu nos Estados Unidos porque as pessoas estão de saco cheio do establishment. O Crivella e o Freixo são dois outsiders, ninguém aguenta mais a política tradicional que fala tudo artificial, tudo preparado.

P. Depois de 15 anos na política, Crivella é um outsider?

R. Crivella é um megaoutsider. E a imprensa deixou isso muito claro. Crivella não é establishment. Do ponto de vista de política econômica, o Freixo é o mais anti-establishment que existe e mesmo assim, o establishment, pelo menos na área de comunicação, apoiou Freixo. Crivella não é um político tradicional.

P. A importância de manter alianças com políticos tradicionais, que Crivella repetiu constantemente nessa campanha, não destoa desse conceito de outsider? Ele adotou o discurso do político tradicional.

R. Ninguém se alia com qualquer um e ninguém governa sozinho. Essa prepotência de um grupo artístico, intelectual, universitário, carioca de que você consegue governar sozinho e que os pobres não entendem que estão errados, esses são os grandes derrotados dessa campanha. E isso é uma característica do Rio de janeiro, de uma intelectualidade que se acha superior a todo o mundo e que acha que o voto dele vale mais que o de dona Maria, da zona oeste. Não vale. E ele acha que tem um entendimento melhor do mundo que o de dona Maria e não tem. Assim como tem jornalista que acha que o candidato tem que fazer uma campanha que a imprensa quer ouvir. A imprensa não é detentora da realidade, da verdade. E a eleição de Trump acaba de mostrar isso. A realidade é muito distinta do que a intelectualidade da zona sul pensa e do que a imprensa pensa.

P. Isso pode ser até verdade, mas isso não torna o Crivella um outsider.

R. Ele tem uma história de vida, é político há 14 anos, tem 59. E me desculpe, mas não tem nada a ver com a Igreja Universal. Onde está escrito que ele vai colocar o interesse da Igreja acima do interesse público? A vida de Crivella é de um outsider. Não é qualquer um que larga tudo e vai para África com muito pouco para encher estádios de 40.000 pessoas.

P. O ex-ministro Mangabeira Unger defende que a ascensão social dos evangélicos é positiva, sobretudo para a economia. Concorda com essa afirmação?

R. Eu acho que qualquer ascensão social é positiva. O crescimento da classe C é a redenção desse país, ainda muito dominado por uma elite intelectual, cultural e financeira cheia de preconceitos com quem pensa diferente deles ou com pessoas das classes mais populares que ascendem socialmente, uma característica que lembra a velha aristocracia colonial ibérica. O Mangabeira Unger talvez se refira especificamente aos evangélicos porque na opinião dele, esse grupo social é identificado com trabalho duro, disciplina, valores morais rigorosos e compaixão com o próximo.

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