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Emily Lima: “Vou lutar pela profissionalização do futebol feminino”

Primeira treinadora da seleção feminina quer deixar legado para o esporte e revela desejo de treinar equipes masculinas

Emily, a primeira mulher a comandar a seleção feminina.
Emily, a primeira mulher a comandar a seleção feminina. prisa
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O ano de 2017 marcará a primeira temporada completa de uma mulher no comando da seleção brasileira de futebol feminino. Trata-se de Emily Lima, anunciada pela CBF(Confederação Brasileira de Futebol) no início de novembro. Após cinco anos nessa função por outros clubes e seleções de base, a técnica tem planos bem definidos para iniciar seu trabalho a partir de janeiro e com ambiciosa pretensão de provocar mudanças relevantes na modalidade. "Mais importante que os resultados vai ser o legado depois do meu ciclo. Vamos trabalhar para a evolução do esporte e para que haja mais mercado para o futebol feminino no Brasil", afirma ela ao EL PAÍS.

A busca por títulos, como o Torneio Internacional - o primeiro conquistado com Emily no comando, neste mês de dezembro, em Manaus -, fica em segundo plano quando a treinadora fala de suas principais missões para o futebol feminino no Brasil. Uma delas é a forma como trabalhará com a renovação da equipe: "Quero utilizar jogadoras como Marta, Cristiane, Bárbara e Formiga durante toda a minha passagem (na seleção), e vou introduzir as mais jovens para fazer a renovação, como é o caso da Gabi Nunes, que era do sub-20. Essa renovação será gradativa, e até para facilitar a transição as mais experientes serão importantes". A treinadora promete buscar incansavelmente a profissionalização da modalidade no Brasil: "(A profissionalização) é muito importante, e seria um salto tremendo para o futebol feminino brasileiro. Não vamos cansar de tentar. Imagino que teremos algumas (respostas) negativas, mas a gente vai bater nessa tecla até as coisas acontecerem", garantiu.

Vice-campeã da Copa do Brasil feminina pelo São José no último mês de outubro, ela assumiu a seleção brasileira após a saída de Vadão, que esteve no comando da equipe por dois anos, dentre eles durante a Olimpíada do Rio, na qual o Brasil encerrou no quarto lugar da modalidade. Apesar do resultado aquém das expectativas, ela pretende aproveitar o que foi feito pelo treinador anterior. "(O trabalho) foi bom dentro do que ele acreditava. Temos que utilizar tudo o que foi aprendido nesse período e aliar à nossa proposta. Não dá para descartar". A partir de janeiro, ela conversará com treinadoras e treinadores de clubes brasileiros para trocar ideias, e também com os dirigentes da CBF, sobre a possibilidade de volta da seleção permanente, que consiste num grupo pré-definido de jogadoras para atuarem e se preparem juntas da comissão técnica, de maneira a impulsionar o entrosamento entre as atletas.

Os planos de Emily

- Profissionalizar do futebol feminino

- Aproximar a seleção do público brasileiro

- Conhecer e trocar ideias com treinadoras e treinadores pelo Brasil

- Renovar a equipe sem perder o equilíbrio entre experientes e jovens atletas

- Incentivar parcerias entre CBF e demais federações pelo país

Com muitas das atletas atuando fora do Brasil, o desafio de manter a uniformidade na seleção é maior ainda para Emily, que vê com bons olhos o formato dos campeonatos disputados no país. "O problema antes era esse (as competições brasileiras), mas não é mais. O modelo está interessante, mas é difícil para os clubes segurarem as jogadoras aqui por conta das condições financeiras. Para isso, queremos fazer uma parceria entre a CBF e outras federações, além de trazer mais jogos da seleção para o Brasil, para aproximar o público de nós", disse ela, que entende que a evolução pode ser garantida e mais rápida se houver mais apoio de diferentes órgãos e entidades. "Todo mundo tem que ajudar um pouco: o governo, as federações, a CBF... Até a imprensa. Não precisamos colocar a responsabilidade só para um lado. As coisas já estão andando, então imagine como pode ser se todos derem as mãos para levar o futebol feminino do Brasil para frente".

O Brasil é machista, então isso se reflete no futebol. Melhorou de 20 anos para cá, mas ainda está longe de ser o ideal

Formada recentemente no curso da Licença B (para treinadores de base) da CBF, Emily se prepara para o curso da Licença A (para o futebol profissional), o qual fará em julho do ano que vem. Há também, entre os cursos da entidade para treinadores, a Licença C e a Licença Pro - a mais avançada das formações do órgão nacional, para "Excelência no Futebol". A técnica crê que "estes cursos são muito importantes para todos que quiserem ingressar no futebol" e reconhece uma evolução considerável em seu trabalho, que alcançou um novo patamar com o convite para comandar a seleção. A responsabilidade de ser a primeira mulher no cargo em que ocupa, segundo ela, é enorme. "Se der certo, vão exaltar e dizer que foi uma ótima escolha. Se der errado, vai abrir espaço para comentários como 'Eu disse que era uma mulher e que isso não era boa ideia'. Independentemente de qualquer resultado, faremos o nosso melhor".

"Nunca quis brincar de bonecas"

A paulistana de 36 anos sempre foi apaixonada pelo futebol, o que ela atribui à influência do pai e do irmão. "Tive problemas na escola por chegar atrasada depois de jogar bola. Diferentemente da minha prima e muitas outras meninas, nunca quis saber de bonecas", conta. Após mais de 15 anos como jogadora no Brasil e em outros países, começou a dar seus primeiros passos no seu cargo atual em 2011, quando assumiu o time feminino do Juventus, de São Paulo. Dali em diante passou por seleções de base do Brasil e outros clubes, sendo o São José o último deles. Apesar da importante missão que recebeu, ela demonstra ainda mais ambição ao ter como objetivo comandar times de futebol masculino. "É mais um desafio. Agora estou voltada à seleção, mas é o próximo passo para depois de meu ciclo acabar aqui. Quero conhecer o outro lado", revelou.

Quando ingressar no futebol masculino, ela imagina que será recebida com resistência. "Acho que terá um bloqueio no primeiro momento. Mas, depois que me conhecerem, as coisas seguirão com mais tranquilidade. Foi a mesma coisa quando cheguei às seleções de base do Brasil, mas depois reconheceram meu trabalho e agora estou na principal", lembrou. A treinadora acredita que o machismo perdure no futebol masculino e no feminino, mas faz uma ressalva: "Não é só no nosso meio. O país inteiro é machista, então isso se reflete no futebol. De 20 anos para cá, melhorou muito, mas ainda está longe de ser o ideal. Nos países onde eu joguei (Portugal, Itália e Espanha), todos apoiam a modalidade: a mídia, as federações e o governo, junto das escolas e faculdades. As pessoas acompanham e valorizam. Estão à frente do Brasil no esporte e em outros aspectos”.

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