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Paul Simon: “Me preocupa mais o que Trump pode fazer com o planeta do que com os EUA”

Músico está em turnê na Europa para divulgar seu novo álbum, 'Stranger to Stranger'

Fernando Navarro

Paul Simon (Newark, EUA, 1941) não gosta de ficar preso ao passado. Nem mesmo quando este é tão recente que metade do planeta ainda tenta assimilá-lo. Três dias se passaram desde que Donald Trump ganhou as eleições nos Estados Unidos e o músico decidiu suspender esta entrevista, combinada para ser feita pelo telefone, no dia seguinte ao da vitória do republicano: não conseguia nem sair direito da cama, de tão “devastado” que estava, explicou o seu manager. Dois dias depois, porém, ele aceitou conversar. E só focava no futuro. “A discussão não pode ser centrada na personalidade de Trump mas sim na quantidade enorme de pessoas que se sentem enganadas, esquecidas, a tal ponto que acabaram votando nele”, observa o cantor, com voz pausada. “O que aconteceu é surpreendente, mas, para retomar algum entendimento nacional, é preciso partir disso e olhar para a frente”.

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Simon fala ao telefone a partir de um hotel em Londres onde está hospedado, em meio à turnê europeia para divulgar o álbum Stranger to Stranger. O novo disco traz temas recorrentes de seu cancioneiro, como o amor, a morte, a espiritualidade, mas também a questão da identidade nacional – a faixa Cool Papa Bell é uma homenagem ao ídolo afro-americano do beisebol, que combateu no terreno esportivo a segregação racial nos anos trinta e quarenta – e as consequências da política, que afetam a justiça econômica e o sistema educacional. Assuntos que, com a eleição do multimilionário Trump – que se mostra disposto a expulsar milhões de imigrantes sem documentos e erguer um muro na fronteira dos EUA com o México –, ganham maior importância ainda. “Tenho medo das consequências da sua eleição. Respeito os que votaram nele, mas tudo o que consigo ver é um sujeito autoritário e inescrupuloso na hora de olhar para o seu país e para o mundo”, afirma. “Não estou chateado com o meu país, mas sim com o resultado das eleições. Precisamos entender o que aconteceu. A pergunta é: o que está ocorrendo conosco, como país? Jamais poderíamos imaginar que alguém como ele chegaria ao poder, mas aconteceu. Não existem regras na Constituição para esse tipo de coisa”.

O músico sempre foi de pôr as cartas na mesa. Seu apoio ao Partido Democrata é conhecido, tendo ele até mesmo cedido o seu hino America para a campanha de Bernie Sanders, que Simon via como sendo mais qualificado do que Hillary Clinton para enfrentar o furacão populista de Trump. “De qualquer maneira, me preocupa mais o que esse sujeito vai fazer no mundo do que no meu país. Ele não acredita na questão do meio ambiente, por exemplo. Com a visão que tem da natureza, pode causar várias tragédias”, assinala Simon.

Com a peculiar ironia que emprega em seus álbuns solo, ele canta em The Werewolf – faixa que abre o novo disco – o seguinte: “A ignorância e a arrogância / Este é um debate nacional”. O músico, que chegou a se apresentar para meio milhão de pessoas em seu famoso concerto no Central Park com Simon & Garfunkel em 1982, afirma que “a música é terrivelmente importante para toda a sociedade”. “É a principal forma de expressão vital de uma sociedade, seja para a celebração, seja para descrever realidades humanas”, diz. As letras de algumas de suas canções mais conhecidas, como The Sound of Silence ou Bridge Over Troubled Water, ficaram gravadas na memória de mais de uma geração, mas o seu autor admite que o que mais lhe interessa, hoje, é a melodia. “Acredito que o lado sonoro é mais importante do que o lírico. Gosto de explorar diversos sons. Ter a mente aberta, saber que é possível conhecer música em todos os lugares do mundo”.

Do folk pastoral ao gospel, passando pelo pop, pelos sons de raízes africanas ou pela música eletrônica, essa exploração é uma constante em sua carreira solo, que registra alguns fracassos enormes e propostas de um ecletismo de difícil digestão. Mas ele está preocupado apenas com o presente: “Stranger to Stranger é provavelmente o meu melhor disco desde Graceland. Estou muito orgulhoso dele. De como ficou a minha voz, de como usei o meu conhecimento, tanto no nível tecnológico como no filosófico”. Depois comentar por vários minutos as qualidades sonoras do novo trabalho, o cantor surpreende ao destacar que “existe nesse álbum, inclusive, uma busca por ritmos do flamenco. Gosto muito, mas admito que é algo muito difícil para mim. É uma coisa muito passional, fascinante... Você pode pensar nele como no blues do sul dos Estados Unidos”.

Com serenidade, ele faz lembrar, mais uma vez, que não quer falar sobre o passado, a não ser para tirar conclusões que lhe permitam avançar. Muito menos sobre um passado que responde pelo nome Simon & Garfunkel, provavelmente a dupla mais famosa da história, que acabou se dissolvendo por causa da total falta de entendimento entre ele e Art Garfunkel. “Passamos muitos anos juntos, mas as pessoas já não me perguntam tanto sobre isso. Não têm expectativas, pois nunca apareceu nem sequer a possibilidade de um encontro ou algo parecido. Toco canções daquela época nos meus shows, e só. Não é uma pergunta que mereça ser respondida”, observa.

Ícones de uma outra época

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Acaba de sair a notícia da morte de Leonard Cohen, na quinta-feira passada, quando Paul Simon atende ao telefonema do EL PAÍS. “É muito triste. Por acaso, estivemos juntos várias vezes. Não tivemos um relacionamento próximo, mas tínhamos amigos em comum”, conta.

Os dois participaram ativamente da renovação do folk norte-americano a partir da agitada Nova York do final dos anos sessenta e começo dos setenta. Simon, que na ocasião estava se transformando, na velocidade da luz, em porta-voz nacional com a dupla Simon &Garfunkel, admite ter ficado maravilhado com os dois primeiros álbuns de Cohen, Songs for Leonard Cohen (1967) e Songs from a Room (1969). "Era um escritor de verdade. Suas canções eram muito bonitas. Ele levou a beleza a limites desconhecidos dentro da canção. Era incrível como transmitia calma e explorava os seus medos". A morte de Cohen o leva a lembrar também a de David Bowie. Aos 75 anos de idade, Simon integra um grupo de autores musicais que marcaram época e que aos poucos vão desaparecendo. Coisas do tempo. "É a vida", suspira Simon.

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