Tiros ao alto em uma escola rural: a ação policial num símbolo do MST
Na Escola Nacional Florestan Fernandes, policiais fazem disparos com arma letal e detêm dois
Agentes da Polícia Civil de São Paulo invadiram a Escola Nacional Florestan Fernandes, a escola de formação do MST (Movimento Sem Terra), em Guararema, região metropolitana de São Paulo. Os policiais pularam a janela, atiraram com armas letais para o alto e para o chão e ameaçaram funcionários na manhã desta sexta-feira, quando cerca de 200 alunos assistiam às aulas, de acordo com relatos de funcionários.
Duas pessoas foram detidas por desacato, segundo a secretaria de Segurança Pública de São Paulo: um senhor de 64 anos, que vive na escola há três anos e realiza um trabalho voluntário na biblioteca, e uma musicista, que não é funcionária da escola, mas estava ali para dar uma oficina. Eles prestaram depoimento e foram liberados em seguida. Apesar dos disparos, ninguém foi atingido, mas o detido teve ao menos uma costela quebrada por socos e pontapés de um policial, segundo o depoimento que prestou na delegacia.
A polícia portava um mandado para a prisão preventiva de Margareth Barbosa de Souza. Segundo a advogada que acompanhou o caso, Alessandra da Silva Carvalho, ninguém na escola conhece Margareth. Além disso, “há fortes indícios” de que o mandado de prisão não tenha validade, segundo a advogada. “O policial nos mostrou o mandado por WhatsApp, depois foi imprimir em um lugar perto da escola”, explicou Carvalho. O documento, ao qual a reportagem teve acesso, não tinha assinatura do juiz.
A ação, realizada pelo Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), faz parte da Operação Castra, deflagrada no Paraná para prender 14 integrantes do movimento em três Estados: Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Segundo a secretaria de Segurança Pública do Paraná, os suspeitos formam parte de uma organização criminosa e são acusados de furto e dano qualificado, roubo, invasão de propriedade, incêndio criminoso, cárcere privado, lesão corporal, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e irrestrito e constrangimento ilegal. Até o momento, sete pessoas estão foragidas e outras sete foram detidas, dentre elas o vereador Claudelei Torrente de Lima (PT), que foi o mais votado nas eleições deste ano em Quedas do Iguaçu (PR). As duas pessoas detidas em São Paulo não faziam parte da lista das 14 buscas.
“Hoje é dia de matar ou morrer”
A escola
Florestan Fernandes (1920-1995) foi um dos mais importantes sociólogos brasileiros. Foi professor e orientador do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem estabeleceu uma forte amizade. A escola do MST que leva seu nome foi inaugurada em 2005 com recursos da venda de um livro de fotos de Sebastião Salgado e, segundo a escola, também contou com a juda de Chico Buarque, José Saramago, Antonio Candido, além de ONGs europeias. Oferece cursos superiores e de especialização em convênio com mais de 35 universidades e com mais de 15 escolas de formação de diversos países.
Mais de 24.000 pessoas já fizeram algum curso na Escola Nacional Florestan Fernandes, construída pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um dos maiores movimentos sociais do país, fundado na década de 1980.
Segundo os relatos de presentes na escola Florestan e imagens do momento da operação, a polícia agiu com truculência. "O senhor detido tem mal de Parkinson. Ele foi se apoiar em um policial, porque ele tem dificuldade de locomoção", conta a advogada Alessandra. "Neste momento, ele é jogado no chão e algemado". De acordo com a advogada, a musicista foi detida ao se desesperar com o tiro que o policial deu pra cima no momento em que algemava o senhor.
Já a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo diz, por meio de nota, que os policiais foram recebidos com violência e que as duas pessoas detidas foram levadas para a delegacia porque foram identificados como agressores dos agentes. “Os policiais ficaram encurralados num espaço do local e, sem que pudessem exercer outra maneira de se defenderem, tiveram que efetuar dois disparos de advertência ao alto, pois cerca de duzentas pessoas vieram em direção a esses policiais e, caso não tivessem agido daquela maneira, certamente seriam desarmados, linchados e quiçá mortos".
Polícia invade a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) sem mandado de busca e apreensão. #LutarÉumDireito
Gepostet von ENFF - Escola Nacional Florestan Fernandes am Freitag, 4. November 2016
A nota também afirma que quatro policiais foram agredidos fisicamente, medicados e liberados do hospital. Uma funcionária da Santa Casa de Guararema confirma que "quatro ou cinco" policiais foram atendidos no hospital. Eles se queixavam de "dor no dedo, escoriações e nervosismo".
A advogada Alessandra afirma que a abordagem policial foi violenta desde o início. “Um dos policiais dizia: 'hoje é dia de matar ou morrer. E eu não estou aqui para morrer”, conta ela. Os agentes não estavam identificados.
A investigação dos integrantes do MST envolvidos na operação foi iniciada em março de 2016, por policiais da Delegacia de Cascavel (PR), após a invasão da Fazenda Dona Hilda, em Quedas do Iguaçu (PR), quando empregados da propriedade foram mantidos em cárcere privado por horas e sob a mira de armas de fogo, segundo a nota da Secretaria de Segurança Pública do Paraná. O dono da terra disse à polícia que após a invasão sumiram cerca de 1.300 cabeças de gado e que teve um prejuízo estimado em 5 milhões de reais no total de danos à propriedade.
Os bois eram transportados com documentação irregular e a investigação apontou que uma parte destes animais foi vendida pelos integrantes do MST. Os alvos desta ação policial também cobravam uma taxa em dinheiro (de até 35.000 reais) ou sacas de grão para autorizar que os donos fizessem a colheita da própria plantação.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.