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Ana Júlia Ribeiro, a estudante que discursou na Assembleia: “PEC 241 é uma afronta”

Estudante que chamou a atenção por discurso para deputados em Curitiba irá a Brasília participar de audiência sobre educação

Ana Júlia (4º da esq. para a dir.), com os colegas no colégio onde estuda.
Ana Júlia (4º da esq. para a dir.), com os colegas no colégio onde estuda.M. R.

"Você pode esperar só um minutinho? Preciso resolver uma coisa". O pedido da estudante Ana Júlia Ribeiro, 16 anos, a autora do discurso que viralizou nas redes sociais sobre a ocupação das escolas, na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), foi feito poucos minutos antes dela conceder esta entrevista no local onde estuda, o Colégio Estadual Senador Manoel Alencar Guimarães, em Curitiba. A secundarista se reuniu com os colegas em uma sala fechada, deixando três repórteres esperando do lado de fora. Lá dentro, decidiam se ela aceitaria ou não o convite que havia recebido para participar de uma audiência pública na próxima segunda-feira, dia 31, em Brasília, sobre educação e direitos humanos. Decidiram que ela vai. "O movimento é de todos. Se não estivermos todos juntos, não conseguiremos nada", disse depois, dentro da escola que está ocupada desde o último dia 14 deste mês.

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O dia estava sendo atípico para ela. Na tarde anterior, proferiu o emblemático discurso aos parlamentares paranaenses, que logo se tornou num dos assuntos mais comentados nas redes sociais. "Eu estava com as pernas tremendo, achei que ia cair ali e não ia conseguir mais andar", conta, sobre aquele dia. "É difícil falar em público né? E alguns públicos são mais difíceis que outros". A fala da estudante na tribuna comoveu milhares de pessoas que compartilharam o vídeo, de cerca de dez minutos.

A viralização chegou ao ex-presidente Lula, que telefonou para ela nesta quinta-feira, para dizer que estava "emocionado" com a fala da adolescente "Ele disse que o movimento [das ocupações] emociona ele", contou Ana Júlia. "Ele é uma figura política importante, achei legal". A estudante parabenizou o petista, que fazia aniversário naquele dia, agradeceu e desligou. "Acho que fui até mal educada, mas é que eu fiquei nervosa". Depois de contar sobre o telefonema, rapidamente quis deixar claro que "o movimento é apartidário". "Se o [ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso] tivesse me ligado, seria tão importante quanto", esclarece.

Reforçando o tempo todo que o movimento das ocupações é feito por todos os alunos - por isso pediu para que a foto desta reportagem fosse feita com os colegas, e não sozinha —Ana Júlia evita falar sobre questões que não se referem ao movimento dos estudantes. Contou que quer cursar Direito, mas prefere não opinar sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Diz que tirou o título de eleitor logo que completou 16 anos, assim como muitos colegas. "Somos apartidários, mas não somos avessos à política", disse. "O voto é importante".

O discurso que comoveu um ex-presidente foi elaborado em conjunto com os colegas. "Fomos convidados para falar na Assembleia porque, na véspera, havia ido uma pessoa do movimento desocupa Paraná - contrário às ocupações - então um deputado, que eu não me lembro quem, convidou a gente para ir lá no dia seguinte", explica. A missão de Ana Júlia era expor as razões pelas quais quase metade das escolas do Paraná estão ocupadas. "Fizemos uma folha com os principais tópicos, mas na hora eu esqueci de ler, mudei a ordem, fiquei nervosa", diz.

Já quase no final do discurso, a estudante disse que as mãos dos deputados estavam "manchadas com o sangue do Lucas", referindo-se à morte, no início da semana, de um estudante em outro colégio ocupado em Curitiba. Aquilo incomodou os parlamentares e o presidente da Casa interrompeu a sessão para dizer que ela não poderia ofender os deputados. "Ele não entendeu bem", diz Ana Júlia. "Eu não disse aquilo para a pessoa dele, mas eles ali representam o Estado e o Estado é relapso em relação à políticas públicas para os jovens. Foi isso que eu quis dizer".

A garota, que citou na tribuna a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, passou este ano inteiro sem ter aulas de História. Isso porque o 2º ano do Ensino Médio na escola dela não tem essa disciplina. Os alunos explicaram que no 1º e no 3º ano, há aulas de História, mas não há aulas de Artes. No 2º ano, acontece o contrário. Para ela, a ausência de disciplinas no currículo é parte do sucateamento da escola pública, algo que será impulsionado com a PEC do teto de gastos. "A escola pública já tem problemas. Essa PEC 241, que vai congelar os investimentos em educação por 20 anos, é uma afronta", disse.

A reforma do Ensino Médio e o projeto da escola sem partido são outras questões que enfrentam a resistência dos estudantes nas ocupações, que chegam a 850 escolas em todo o Estado. É consenso entre eles que o Ensino Médio precisa passar por mudanças. "Mas o fato dessa reforma ter sido feita por Medida Provisória mostra que não houve debate", diz Ana Júlia. "E a escola sem partido é partidária né?", questiona ela.

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