Bruce Springsteen lança novo disco e livro de memórias
O músico lança um álbum com velhas e inéditas, que servem como aperitivo para a publicação de sua autobiografia
Bruce Springsteen em dose dupla... e em duplo formato. Em livro e em disco. Um sonho para muita gente, talvez um pesadelo para outros, tamanha é a onipresença de um dos músicos mais midiáticos do planeta. De toda maneira, chega a nós, nos próximos dias, um Bruce Springsteen sob um ângulo jamais visto.
Pela primeira vez o músico conta a sua vida em primeira pessoa, com uma autobiografia, escrito de próprio punho, intitulada, como não poderia deixar de ser, Born to Run (o mesmo título do seu disco mais emblemático). O livro só estará à venda internacionalmente a partir da próxima terça-feira, dia 27 de setembro, e a expectativa é que Springsteen exponha momentos não conhecidos de sua infância e adolescência, a complicada relação com o pai, sua obsessão por chegar ao topo do rock e os diferentes períodos de depressão que conheceu ao longo da vida, sendo o mais recente deles, segundo revelou o músico à revista Vanity Fair, há apenas sete anos, quando completou 60 anos de idade. “Um dos pontos que trato no livro é que onde quer que você esteja ou com quem esteja, a depressão nunca o abandona. Você nunca conhece totalmente os seus parâmetros. Posso adoecer o bastante a ponto de parecer mais com o meu pai do que já poderia ser?”, questionava ele, lembrando que seu pai, falecido em 1998 e que é descrito pelo músico como “um pouco como um personagem de Bukowski”, já sofria do mesmo problema.
A autobiografia de Springsteen é o livro musical mais esperado do ano. Como uma espécie de aperitivo, o músico e sua gravadora, a Sony, decidiram que esse acontecimento editorial será acompanhado de um novo álbum. Trata-se de Chapter and Verse, um disco-retrospectiva que tem a mesma capa que o livro (uma foto de Bruce Springsteen apoiado no capô de um automóvel da época do lançamento de The River). Chapter and Verse revive os seus mais de 40 anos de carreira, com canções lançadas entre Greetings from Asbury Park, N.J. (1972) e Wrecking Ball (2012), mas traz como atrativo cinco composições pertencentes à pré-história do cantor e compositor.
As cinco músicas inéditas foram gravadas entre 1966 e 1972. Baby I pertence a The Castiles, a primeira banda profissional de Springsteen, formada em Freehold, localidade onde nasceu o músico de Nova Jersey, e que atuou entre 1965 e 1968. Essa canção foi escrita em 1966 por Bruce Springsteen e George Theiss, guitarrista e cantor principal do grupo. Theiss era um colega de escola que se apaixonou pela irmã de Springsteen, Virginia, e o deixou entrar na banda aos 14 anos de idade. O grupo, que emprestou seu nome de uma conhecida marca de xampu, contava com um guitarrista habilidoso, Fran Marziotti, que acabaria sendo o primeiro mentor, nas cordas, daquele ainda muito jovem Springsteen, o qual logo se destacou por sua performance apaixonada no palco e sua facilidade para aprender os rudimentos da guitarra. Baby I é um R&B pesado e maçante, na mesma linha de todos os grupos da Invasão Britânica daqueles anos. Aproxima-se muito do estilo dos Animals.
A segunda canção de The Castiles trazida pelo disco é originalmente de Willie Dixon, um dos maiores expoentes do blues elétrico de Chicago, lançado pelo selo Chess, e se chama You Can’t Judge a Book by the Cover. Foi gravada em setembro de 1967 e, pelo seu ritmo acelerado, faz lembrar The Yardbirds. A banda não obteve nenhuma repercussão para além da cena musical local, embora tenha chegado a tocar no Café Wha?, um dos clubes mais simbólicos de Greenwich Village, em Nova York, onde, alguns anos antes, Bob Dylan começou a ficar conhecido. Springsteen deixou The Castiles quando decidiu sair de seu vilarejo natal para morar em Asbury Park, onde havia uma cena do rock em formação. Ele queria fazer sucesso.
He’s Guilty (The Judge Song) pertence a esse período de Asbury Park. Gravada em 1970, a canção integra o período em que Springsteen esteve à frente de Steel Mill, uma formação que contava com os ainda bem jovens Danny Federici, Vini López e Steve Van Zandt, futuros integrantes da E Street Band. Foi um grupo de rock áspero, que se inspirava nos riffs corrosivos de Led Zepellin, Jimi Hendrix e Allman Brothers. Isso pode ser comprovado em He’s Guilty (The Judge Song), com as guitarras impulsivas e os cantos primitivos, tudo isso envolvido pelo órgão de Federici, bem mais psicodélico do que seria em sua futura atuação na E Street Band, e pela batida contundente e feroz de Vini López, que, por seu temperamento --que ele transportou para as baquetas--, foi apelidado de cachorro louco. A banda conquistou algum renome em Asbury Park, ampliou o seu público para além da costa leste e chegou a se apresentar em San Francisco. Springsteen chegou a pensar em morar algum tempo na Califórnia a fim de ganhar dinheiro com Steel Mill, mas deixou a ideia de lado para buscar novos caminhos artísticos, os quais o levaram a formar a Bruce Springsteen Band (que durou apenas dois anos) e a criar um som de rock mais clássico.
Ballad of Jesse James é um bom exemplo dessa mudança de estilo. Gravada em 1972 no Challenger Eastern Surfboards, em Nova Jersey, tem um ritmo mais suave do que o da Steel Mill, e permite vislumbrar o futuro som de toque jam do primeiro Springsteen, antes do sucesso, exemplificado principalmente no seu segundo disco, The Wild, the Innocent and the E Street Shuffle, um álbum que nunca foi bem valorizado na longa lista de discos do músico de Nova Jersey. Apesar de ter durado pouco tempo, a Bruce Springsteen Band estabeleceu as bases daquilo que ocorreria mais tarde em sua vitoriosa carreira. O grupo contava com Danny Federici, David Sancious, Vini López, Gary Tallent e Steve Van Zandt (todos eles integrantes da E Street Band) e chegou a incluir no palco um naipe de sopros, sustentando-se, em suas interpretações ao vivo, em um soul acolhedor –a grande paixão musical do jovem Springsteen.
O outro lado da moeda daquele Springsteen entregue de corpo e alma à “cruzada” do rock é a do trovador, o cantor-compositor que fez seu primeiro teste, em Nova York, com o produtor e caça-talentos John Hammond, que o via como um sujeito com o talento e o carisma de Bob Dylan, descoberto pelo próprio Hammond dez anos antes. Henry Boy, gravada em 1972 nos Mediasound Studios de Nova York, expõe o lado dylaniano de Springsteen: um songwriter verborrágico e com muita energia interpretativa, que às vezes pecava pelo excesso e que ainda precisava ser lapidado em sua verve como compositor, repleta de imagens urbanas e personagens novelescos. Não por acaso, Henry Boy foi uma das músicas descartadas, que não figuraram em seu álbum de estreia, Greetings from Asbury Park, N.J.
Essas cinco canções inéditas, preâmbulo existencial de sua autobiografia, que será lançada na terça-feira 27 de setembro, atestam que Springsteen busca o sucesso musical acima de qualquer outra coisa na vida. Um caminho cheio de tentativas e erros. Pois, antes de ele virar Bruce Springsteen, a grande voz do rock’n’roll norte-americano, sua pré-história musical ilustra a de inúmeros outros jovens dedicados ao rock durante décadas, lutando para criar um som próprio e conquistar um lugar no mundo do rock. Ele conquistou – e não foi um lugar qualquer.
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