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Coluna
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O homem traído pela convicção

Mesmo sem provas ele descobriu que todo convicto é corno

O amigo entrou no botequim, resfolegante qual um poodle de madame de Copacabana, e confessou, sem cerimônias: “Não tenho provas, mas tenho convicção de que estou sendo traído”.

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Diante do meu espanto, prosseguiu, sem permitir sequer alguma filosofia de consolação. “Só pode estar me corneando, anda muito estranha, olharzão perdido no espaço como a cachorra Laika do foguete Sputinik, nem parece a mulher com quem me casei ali em Itaguaí..., dia desses”.

Depois de alguns chopes no bar Príncipe de Mônaco, o desalmado listou aqueles sinais óbvios da psicologia barata que estão distantes de decifrar questões subjetivas como a vida amorosa. “Ela não me procura mais”, contou o macho-jurubeba, um cara tão à moda antiga que ainda usa a expressão “ah, ela não me procura mais” para designar a busca pelo sexo do parceiro.

“Anda cada vez mais arrumada, deu um tapa no visual, está cheia de reuniões e horas extras na firma...” Um clichê enfileirado no outro como corda de caranguejo.

“As convicções, quando obsessivas, viram provas sim senhor”, rebateu o camarada. “Está rolando um caixa 2 amoroso, um dia, breve, chego nas provas”

Acalmei um pouco o miserável. Daqueles canalhas tradicionais de batom na cueca; ele sim um fazedor contumaz de provas contra si mesmo, sempre alvo de flagrante delito ao longo dos três casamentos –“dois bem felizes, por sinal”, costuma ressalvar para todo o auditório de santos beberrões.

Menos afobado, ainda lembrou que a mulher andava toda mística, torrando uma grana na consulta de búzios, nas madames astrológicas, nos gurus espirituais... “Tudo bem, a grana é dela”, aquiesceu, “mas, pô, numa crise dessas, malandragem, dá dinheiro pra esses picaretas... Isso é homem novo na parada”.

Calma, garoto maroto e convicto. Quando você vem com as suas convicções, eu já estou com o meu fubá dialético. Calma.

O convictão insiste: “Quando a esposa se põe esotérica, já viu como é, a casa caiu”, citou ironicamente uma antiga crônica deste que vos dedografa. “No tarot dela sei que eu não passo de um arcano corneado”, disse, e ele mesmo riu da doideira que imaginou sobre o jogo das cartas.

Esqueça o que eu escrevi, brinquei com o amigo desconfiado. O amor é mais rico, meu caro, não se explica nem um esquema de Power Point e mesmo em um mapa astral ligeiro, sem essa, toma tenência. E se ela está diferente pode ser mais um alerta, fica esperto, pode ser tarde demais, com ou sem chifre. Você está parecendo o Simão Bacamarte da sua Itaguaí, lembra? O doidão do conto do Machado, o que queria trancar todo mundo, apesar d'ele mesmo, alienista, que deveria ser retirado do convívio da cidade.

“As convicções, quando obsessivas, viram provas sim senhor”, rebateu o camarada. “Está rolando um caixa 2 amoroso, um dia, breve, chego nas provas, o importante é que sou um homem convicto, só a convicção salva”.

Dali por diante ninguém freava mais a criatura. Deu um espetáculo na esquina da Miguel Lemos com a Ayres de Saldanha: “Hei de chegar lá, hei de chegar às provas materiais do adultério, seus feministas ateus de uma figa”.

No que fulerizou –do verbo fulerizar, cuja origem é a fuleragem, filosofia nordestina por excelênica–, o garçom Ceará III, num mundo todo de tantos geniais garçons cearenses:

“Nem todo corno é convicto, mas todo convicto é corno!”

Sim, amigo, a narrativa provocada pelo ciúme, o mais hiperbólico e fictício dos sentimentos, é a mãe da insanidade.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor da novela Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo (Finaflor editora), entre outros livros. Comentarista de televisão nos programas Papo de Segunda (GNT) e Redação Sportv.

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