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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Maracanãs

Há algo a mais no futebol de rua, de praia. Iguala tudo; desiguala tudo

Manuel Jabois
Neymar treinando com o Brasil.
Neymar treinando com o Brasil.ANTONIO LACERDA (EFE)

Este verão tive tempo de assistir um dos espetáculos mais bonitos que podem ser vistos no litoral. O das famílias deixando a praia quando cai a tarde, com mães e pais com os filhos nos ombros, enquanto choram de emoção com o winter is coming. E o dos rapazes recrutando outros, apropriando-se da areia que vai ficando livre, para organizar a partida do dia. É um fenômeno que suponho aconteça em todas as praias do mundo, e que na minha tem a particularidade de contar com um público que pode chegar a 2000 espectadores, pessoas que passam pela calçada da orla e ficam assistindo o futuro Ronaldo.

No Brasil, durante a Copa do Mundo, presenciei um milagre da janela do hotel. Uma partida na rua que começou às sete da noite e continuou até a meia-noite. E mesmo sendo prodigioso, o que causava mais assombro era que tinham ficado sem luz e continuavam jogando por pura intuição. Não havia luz naquela região, então os rapazes brasileiros jogavam confiando em um sexto sentido e dependiam, nos momentos decisivos, da luz da lua. Acredito que a responsabilidade pelo jogo do Brasil nas últimas Copas têm de ser atribuída a isso: parece que os técnicos fazem sua convocação às escuras, confiando em seu instinto.

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Há algo mais no futebol de rua, de praia. Iguala tudo; desiguala tudo. Há duas semanas, às oito da noite, um grupinho se juntou aproveitando o espaço deixado por famílias desassistidas pelo Estado. Eu já vinha observando-o de vez em quando durante a tarde. A eles se uniu um menino com a camisa da seleção, seu nome escrito nela. Pequeno, gordinho. Sofreu a condescendência habitual ao chegar, e até os olhares de tédio, mas eram ímpares e tinham de aguentá-lo; nós, crianças pouco hábeis, sempre cruzávamos os dedos quando contávamos os participantes da pelada: se eram ímpares, estávamos dentro. É claro —até um cego teria visto— que quando o menino pegou a bola começou a ganhar de todos: dos altos, dos fortes, dos bonitos, dos especialistas na tática com sua verborragia do tiki-taka. A bola o transformou em Deus. Pensei em Maradona, como sempre: no paternalismo ou na rejeição do início, quando um barrigudinho de meio metro entrava na pelada. Sem aprender a lição fundamental do futebol: não há esporte mais democrático do que esse, e nenhum tem mais facilidade para se tornar uma ditadura.

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