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Turquia vai libertar 38.000 presos comuns para dar espaço aos detidos após o golpe

Nos anos de Governo do partido islâmico AKP triplicou a população carcerária

Andrés Mourenza
A prisão de Sincan em Ancara, em novembro de 2012.
A prisão de Sincan em Ancara, em novembro de 2012.A. Altan (AFP)

O Governo turco vai liberar 38.000 presos comuns para dar espaço às milhares de pessoas detidas após a tentativa de golpe de Estado do último 15 de julho. A medida drástica foi tomada por causa da saturação das prisões do país euroasiático, onde a população carcerária aumentou exponencialmente ao longo dos 14 anos de governo islâmico, até superar em muito o limite de vagas nas prisões.

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A decisão entrou em vigor no início da manhã da quarta-feira na forma de um novo decreto executivo que permite o atual estado de emergência (não requer aprovação parlamentar) e representa uma mudança na lei atual, pela qual os condenados à prisão poderão optar pela liberdade condicional depois de cumprir metade da sua pena, em vez de dois terços, como era o caso até agora. “Cerca de 38.000 presos serão beneficiados por esta medida”, disse o ministro da Justiça, Bekir Bozdag, sublinhando que “isso não é uma anistia”. O ministro acrescentou que não poderão optar por esses benefícios quem tiver sido condenado por assassinato, homicídio involuntário, uso de violência contra familiares ou pessoas indefesas, crimes sexuais, violação da privacidade e espionagem ou terrorismo, ou tiverem sido condenados depois de 1º de julho.

A razão por trás desta medida é a necessidade de abrir espaço para novos ocupantes. Desde o levante militar, 35.022 pessoas foram presas, das quais 17.740 foram acusadas e enviadas para a prisão de forma preventiva (outras 11.597 foram liberadas). Mas, antes mesmo do golpe, a situação das prisões era crítica. Desde a chegada do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islâmico) ao poder em 2002, a população carcerária aumentou de 59.429 para 187.647 pessoas, de acordo com dados oficiais. Só nos primeiros três meses deste ano, cerca de 8.000 pessoas ingressaram na prisão, superando o limite de 180.000 vagas disponíveis no sistema penitenciário turco.

Isso tem provocado muitos inconvenientes segundo Eva Tanz e Aysegül Algan, representantes da associação Sociedade Civil no Sistema Penal (CISST). “Menos espaço para cada preso, implica problemas físicos e, no longo prazo, psicológicos. Mesmo antes do golpe havia problemas de falta de camas e agora a situação piorou: em algumas prisões os presos precisam se revezar, uns dormem de dia e outros à noite, e em outras, alguns dormem no chão. Também foi limitado o tempo de banho por falta de água quente para todos”, contam. Além disso, a Associação de Solidariedade com as Famílias dos Presos (TAYAD) reclama que, nos últimos anos, aconteceu um uso abusivo das penas de confinamento nas tristemente famosas prisões de segurança máxima de Tipo-F, o que esta organização considera “uma forma de tortura”.

O Governo turco alega que o aumento da população carcerária acontece por causa do aumento na eficácia da polícia no combate ao crime. Mas os especialistas não concordam com este raciocínio. “Na Turquia, abusa-se da prisão preventiva antes que haja uma sentença firme, e enviam pessoas para a cadeia com grande facilidade. A UE criticou várias vezes esta situação”, afirma Tanz. Além disso, macrojulgamentos como Ergenekon e Balyoz (contra supostos planos golpistas) ou KCK (contra vários membros do nacionalismo curdo) enviaram durante a última década milhares de pessoas para a cadeia.

Muitos delas foram liberadas e, em um curioso giro do destino, agora são os juízes, promotores e policiais que se encarregaram desses casos que vieram substituí-los na prisão, já que muitos deles estavam ligados à irmandade religiosa do clérigo Fethullah Gülen, que é acusado pelo golpe de Estado. A resposta do Executivo à superlotação das prisões, anunciada antes mesmo do golpe, é a construção de novas prisões nos próximos 5 anos para ampliar a capacidade do sistema penitenciário em 100.000 vagas.

Mas se as condições nas prisões são terríveis, a dos detidos pela polícia não são melhores. Dos mais de 35.000 detidos, 5.685 pessoas ainda não foram colocadas à disposição do tribunal – o estado de emergência ampliou de quatro para 30 dias o tempo que a polícia pode deter um suspeito sem apresentar acusações. As delegacias de polícia não dão conta para alojar tantas pessoas por isso escritórios policiais, recintos desportivos e até mesmo os estábulos da Hípica de Ancara foram usados como celas.

“Chegaram dezenas em caminhonetas da polícia. Havia homens e mulheres misturados, algumas com crianças. E também idosos”, afirmou ao EL PAÍS uma pessoa que foi presa: “As condições eram terríveis. Muitos dormiam no chão. Lembro de um homem idoso que estava jogado no chão conectado a um tanque de oxigênio. Além disso, só se podia ir ao banheiro com permissão e em turnos, porque eram mistos. Quando iam os homens, não podiam ir as mulheres”. As organizações de direitos humanos se queixaram da falta de acesso à água, comida e medicamentos, bem como dos maus-tratos contra os detidos; denúncias que o Governo turco rejeitou chamando-as de “propaganda gülenista”.

Novos expurgos e reformas no seio das Forças Armadas

Andrés Mourenza

Outro dos decretos aprovados na quarta-feira ordena a demissão de 2.360 policiais, uma centena de militares e 196 trabalhadores da Autoridade de Telecomunicações (TIB) – que também foi fechada – por seus supostos laços com os gülenistas. O número de funcionários e contratados na Administração que foram investigados e suspensos do emprego (não do salário) por suposta participação na rede do clérigo Fethullah Gülen já ultrapassa os 75.000. Mais de 8.000 outros foram demitidos de maneira fulminante, em sua maioria militares e policiais.

As Forças Armadas também vão sofrer uma importante reconstrução, e terão um maior controle civil por parte do Governo. Com o novo decreto, o presidente da República, neste caso o islâmico Recep Tayyip Erdogan, pode escolher o Chefe do Estado Maior entre todos os generais e almirantes de quatro estrelas e não apenas entre aqueles que comandam o Exército, a Aeronáutica ou a Marinha. “Isso vai aumentar a competitividade”, argumentou uma fonte do Executivo consultada pelo EL PAÍS para justificar a reforma.

Além disso, pilotos aposentados ou que foram expulsos da Força Aérea durante julgamentos anteriores por golpismo, poderão optar por voltar a seus postos, já que as prisões neste corpo das Forças Armadas fizeram com que houvesse menos pilotos de guerra que o necessário. Após o expurgo, a relação atual é de 0,8 pilotos por vaga, quando o habitual é que seja 1,5.

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