_
_
_
_

Detenção em massa após a tentativa de golpe de Estado na Turquia

Forças leais ao presidente Erdogan detêm 2.800 militares pela relação com a tentativa de golpe

Civis agridem militares que participaram da tentativa de golpe na Turquia.
Civis agridem militares que participaram da tentativa de golpe na Turquia.Gokhan Tan (Getty Images)
Andrés Mourenza

Mais de 2.800 militares, entre eles vários oficiais do alto escalão, foram detidos por terem relação com a tentativa de golpe de Estado na Turquia, na qual morreram 265 pessoas, entre elas 104 militares golpistas e 47 civis, segundo informações do presidente Recep Tayyip Erdogan. O Governo deu por sufocada a iniciativa, fracassada principalmente pela resistência da população nas ruas. Ainda não está claro quem está por trás do golpe, que deixou também 1.440 feridos. Mas a instabilidade permanece nas principais cidades do país, na capital, Ancara, e em Istambul. O Governo convocou seus seguidores para que continuem nas ruas para evitar novas tentativas.

Mais informações
As últimas informações sobre o levante militar
A tentativa de golpe de Estado na Turquia

Além disso, 2.745 juízes foram destituídos neste sábado em todo o país pela Junta Superior de Juízes e Fiscais, segundo informa a agência de notícias pró-governo Anadolu e o canal de televisão NTV News. Também foi emitida uma ordem de detenção contra nove juízes do Supremo Tribunal, uma decisão tomada depois de uma reunião ocorrida para discutir as medidas disciplinares contra os suspeitos de ter vínculos com a tentativa de golpe. Uma tentativa que ainda não foi atribuída a nenhum grupo, mas que o presidente Erdogan responsabiliza a seu antigo aliado e agora inimigo Fethullah Gülen (exilado nos Estados Unidos) e à Irmandade Muçulmana, que o presidente vem, há anos, acusando de haver criado uma "estrutura paralela" dentro do Estado com o objetivo de derrubá-lo.

As horas que se seguiram ao golpe foram sangrentas. Além dos 104 supostos golpistas mortos, o chefe das Forças Armadas da Turquia em exercício, Umit Dundar, estimou em 161 policiais leais e civis mortos na rebelião militar.

Durante sua declaração, Erdogan disse que haviam tentado derrubar seu avião com os F-16 do Exército e que bombardearam seu hotel logo que ele havia saído do local. O presidente insistiu, porém, em que “isto terminará bem” e fez um chamado aos golpistas: “Vocês são nossos filhos”. “É inaceitável que dirijam vossas armas contra pais, mães e filhos. Se apontam as armas ao povo que as deu a vocês, arcarão com as consequências”.

O presidente turco exigiu que “todos aqueles que estejam conduzindo tanques na rua regressem a seus quartéis”. “Já começaram as detenções e chegaremos ao mais alto”, afirmou em tom sereno e vestido com terno e gravata, acompanhado de vários funcionários e diante de uma foto de Atatürk, o pai da Turquia moderna.

Paralelamente, o chamado de Erdogan à população para que defendesse o poder “democrático” resultou em enfrentamentos a tiros em Ancara e Istambul. A agência pró-governamental Anadolu informou que 17 policiais das forças especiais foram assassinados em uma academia de polícia da capital. Nessa mesma cidade vários tanques dispararam nas imediações do Parlamento e um avião de combate utilizado pelos golpistas foi derrubado. Também se escutou o ruído de bombas lançadas dos aviões de combate que sobrevoaram Ancara.

No centro de Istambul persistia o descontrole enquanto os tanques percorriam as ruas e os simpatizantes do presidente saíam às vias públicas e tomavam as principais praças, agitando bandeiras nacionais.

Os movimentos começaram por volta das dez da noite, quando caminhões de transporte de tropas estacionaram na entrada das pontes que cruzam o Estreito de Bósforo, em Istambul, e as fecharam ao tráfego. Pouco depois, em Ancara, os blindados e os tanques assumiram posições nas ruas e vários caças passaram em voos rasantes sobre a capital. Um pelotão de soldados golpistas se dirigiu ao Estado-Maior da Turquia e, com apoio do fogo aéreo de um helicóptero de guerra Sikorski, penetrou no edifício e tomou como refém o chefe do Estado-Maior, general Hulusi Akar.

Tudo se desenrolava com grande rapidez e em meio a enorme confusão. Mas, em geral, de acordo com o planejado pelos golpistas. Como em rebeliões anteriores, cercaram vários edifícios importantes na estrutura do Estado e instalações como o Aeroporto de Istambul, e assumiram o controle da rádio e televisão pública TRT, onde, depois de cortarem a transmissão, fizeram uma apresentadora ler um comunicado no qual afirmavam ter tomado o poder em razão das “ameaças” que a Turquia enfrenta e que o Governo é “incapaz” de combater, assim como a tendência “autocrática” do presidente Erdogan, ao qual acusaram de “traidor”. Anunciaram ainda um toque de recolher em todo o país, que passaria temporariamente a ser dirigido pelo chamado Conselho de Paz em Casa.

Os militares sublevados não contavam também com o fato de que o presidente Erdogan, considerado um islamista moderado, embora tenha uma forte rejeição, possui também um enorme apoio popular na Turquia. Bastava ver como foi recebido de madrugada no aeroporto. O levante militar o pegou fora de Ancara, mas, “de um lugar seguro”—segundo uma fonte de seu entorno, que não quis revelar a localização— fez um chamado, por uma ligação telefônica, na rede CNN-Turk: “Saiam às ruas, tomem as praças, vão ao aeroporto (de Istambul). O que vão fazer? Vão disparar contra o povo? Isto é um ataque contra a democracia”. Como em outras ocasiões em que o presidente turco apostou no tudo ou nada, desta vez também triunfou.

Milhares de pessoas começaram, então, a encher as praças, agitando bandeiras da Turquia, enquanto das mesquitas eram feitos chamados pela defesa do Governo democraticamente eleito. As pessoas tomaram as praças e subiram nos blindados do Exército sem que se registrassem distúrbios, exceto na ponte do Bósforo, onde militares abriram fogo contra os manifestantes.

À medida que transcorria a noite, os generais no comando da Marinha, do Primeiro e Terceiro Exército Terrestre, da Polícia Militar e outros destacamentos militares faziam chamados para que os rebelados voltassem aos quartéis. Pouco a pouco, e apesar de alguns combates —e várias explosões registradas no Parlamento, onde morreu um dos deputados que, em desafio, se reuniam ali—, o golpe foi perdendo força. Em torno das 2h30 da manhã (horário local), o chefe dos serviços secretos, Nuh Yilmaz, anunciava que o chefe do Estado-Maior tinha sido resgatado e se encontrava “no comando da situação”, O centro nacional de inteligência chegou a dizer que o golpe havia fracassado.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um chamado para que se evitasse “qualquer violência e derramamento de sangue” na Turquia e declarou seu apoio ao “Governo turco democraticamente eleito”. A essa apelo se uniram as Nações Unidas, a União Europeia, a OTAN e a Rússia, que fez um chamado em favor do respeito à lei.

Erdogan está há mais de uma década no poder na Turquia. Entre 2003 e 2014 foi primeiro-ministro e há dois anos passou a chefe de Estado. Desde o início do ano a Turquia registra pelo menos um atentado terrorista por mês

Tradição golpista

Embora a tradição golpista seja um vício constante dos militares turcos, seria incorreto equiparar todos os golpes de Estado ocorridos no país, pois cada um deles teve características diferentes, as quais revelam as disputas de poder, que, como na sociedade turca, têm lugar também no âmbito das Forças Armadas. O primeiro, de 1960, de tendência progressista —alguns autores o comparam aos golpes baathistas—, foi executado pela baixa oficialidade contra um governo conservador. Em 1971 foi a cúpula militar que interveio, mas somente alguns dias depois de desbaratar um complô de oficiais esquerdistas. Em 1980, depois de uma década de enfrentamentos entre a esquerda e a direita, o Estado-Maior tomou o controle do poder, liderado por um general muito conservador, e em 1997 voltou a ser a cúpula militar, dominada por kemalistas e eurasianistas, que agiu contra o Governo do mentor político de Erdogan, Necmettin Erbakan.

No caso atual, o fato de que a cúpula se tenha mostrado contrária indicaria uma participação de comandantes de patente mais baixa ou intermediária, de forma similar ao ocorrido em 1960. Segundo fontes do Governo, seriam oficiais ligados à irmandade de Fethullah Gülen, embora cause estranheza terem podido mobilizar um número considerável de forças militares, ainda mais considerando que o Executivo está há dois anos desbaratando as instituições de supostos gülenistas.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_