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As terríveis férias da professora Elena Scherbakova

Uma turista russa acabou em uma prisão de Barcelona por um grave erro policial e judicial

 A advogada espanhola ainda se lembra do rosto de Eleba Scherbakova na manhã daquele dia 21 de agosto de 2014, quando teve de ajudá-la diante do juizado de instrução número 26, de Barcelona. Ela estava algemada e abatida. Dois policiais civis a tinham escoltado na véspera, de carro, desde Madri, pouco depois de ela aterrissar de um voo em que havia chegado de Atenas (Grécia), acompanhada por dois policiais espanhóis. Nascida em 1960, na Rússia, Elena Scherbakova tinha aquele dia de "olhar distante", relembra Mari Carmen. "Ela não dizia nada: o que me chamou a atenção foi a profunda tristeza que notei em seu rosto". A russa era acusada de um assassinato terrível. Mari Carmen estava de plantão no trabalho. Hoje, a advogada continua convencida de que o drama de Elena Scherbakova foi um conjunto de "terríveis coincidências jurídicas" e de "falta de sorte".

Centro penitenciário de mulheres Wad-Ras, em Barcelona, em 2006.
Centro penitenciário de mulheres Wad-Ras, em Barcelona, em 2006.Consuelo Bautista

Em 2010, um homem encontrou, em uma montanha da cidade de Igualada, na provincial de Barcelona, um cadáver semi-enterrado e enrolado em sacolas. O corpo havia sido golpeado por pauladas, de acordo com a autópsia. Um juiz abriu as investigações pelo assassinato e a polícia de Barcelona conseguiu identificar o cadáver. Era um cidadão russo que morava na capital catalã. E marido de Elena Scherbakova, que, junto com sua enteada e o namorado dela, tinha, naquela mesma data, pegado um avião no aeroporto de El Prat, com destino a Moscou.

A polícia localizou o endereço do cadáver o colocou no registro do caso. Uma filha de Elena Scherbakova e do homem morto continuava morando na casa. Na casa, os policiais também viram um quarto pintado pela metade. Eles descobriram, rapidamente, que a finalidade da pintura era esconder manchas de sangue na parede. Depois, foi comprovado que o sangue era do homem assassinado. O juizado de Barcelona ordenou que a jovem fosse levada um centro de menores – ela tinha 17 anos na época.

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Por que você não foi para Moscou com sua mãe e sua meia-irmã?", perguntaram para a garota no juizado. "Eu gosto de Barcelona", disse a jovem. No ano seguinte, ao completar 18 anos, ela foi liberada. E o juizado nunca mais teve notícias dela.

As buscas da Justiça centraram-se, então, nos fugitivos, e sobretudo na esposa, Elena Scherbakova.

Depois da autópsia e da descoberta do sangue na casa alugada em que Elena e o marido dividiam em Barcelona, a juíza emitiu um mandado internacional de busca e captura contra a suposta assassina e os outros fugitivos. O tempo passou, e não houve sucesso na procura.

Quatro anos depois, em 14 de julho de 2014, a 3.081 quilômetros de Barcelona, a polícia grega informou às autoridades espanholas que acabava de encontrar e prender Elena Scherbakova. Ela estava de férias. Era verão na Europa, e a rota de viagem incluía a passagem por várias ilhas. As autoridades gregas prenderam-na em Atenas, à espera de notícias do governo espanhol, que logo depois anunciou um pedido de extradição pelo crime de Igualada.

A polícia grega ofereceu a Elena Scherbakova duas opções, uma rápida e outra mais lenta: viajar voluntariamente para a Espanha e esclarecer o quanto antes as graves acusações que eram feitas contra ela, ou brigar contra o processo de extradição, o que poderia demorar meses (e com a extradição podendo ser aceita). Ela escolheu o caminho mais rápido. Não acreditava no que estava acontecendo. Estava na Grécia, de férias, e algemada. É que, quando ela mostrou seu passaporte russo para passar pela fiscalização no aeroporto, soou o alerta vermelho da Interpol na Europa. Os agentes tinham um arquivo em que constava o nome, data e local de nascimento da pessoa procurada em Barcelona. E impressões digitais conseguidas em fotocópias pela polícia catalã, extraídas da carteira de identidade que Elena Scherbakova tinha apresentado para fazer o contrato de aluguel do apartamento.

Depois de mais de um mês presa na Grécia, os agentes do Corpo Nacional de Polícia da Espanha viajaram a Atenas para buscá-la, em 20 de agosto de 2014. Mari Carmen a viu, naquele dia, pela primeira e última vez. "Reparei que ela estava com o rosto muito triste. Ela não falava espanhol e era acompanhada por um intérprete de russo".

"Conta pra mim tudo o que aconteceu, para que eu possa te defender", pediu Mari Carmen, olhando em seus olhos, em uma conversa particular. "Ela me olhou e só me disse: 'não fui fui, não fui eu'… Baixou a cabeça e se calou. Também não disse nada diante da juíza. Usou seu direito de ficar em silêncio", lembra Mari Carmen. O juiz decretou sua entrada em uma prisão feminina e sem direito a fiança. Ainda foi feita uma análise das impressões digitais", assinala a advogada.

A suspeita, vista por Sciammarella.
A suspeita, vista por Sciammarella.Sciammarella

Elena ficou 18 dias presa em Barcelona, até que se descobriu um erro monumental: a Elena Scherbakova presa na Grécia durante suas férias e detida em Barcelona não era a Elena Scherbakova procurada por assassinar o marido a pauladas. Ninguém, nem na Grécia nem em Barcelona, fez uma avaliação mais profunda as impressões digitais. As duas Elenas tinham o mesmo nome, sobrenome, data e lugar de nascimento. Mas ninguém, nem na Grécia, nem em Barcelona, acreditou em suas alegações de inocência. A mulher, injustamente presa, era uma engenheira e professora universitária, tinha filhos e era viúva, mas a morte de seu marido havia sido por causas naturais.

A juíza Roser Aixandri considerou, e assim comunicou ao Ministério da Justiça e ao Conselho Geral do Poder Judicial, que pediram um relatório sobre o caso, que se tratou de um "erro policial", por não avaliar bem as impressões digitais. Ela lembra que, quando voltou ao trabalho após as férias e perguntou o que tinha acontecido, disseram que as impressões da ficha policial tinham qualidade ruim.

"E a moça não começou a gritar, ou alguma coisa do tipo, quando chegou da Grécia, proclamando sua inocência e vendo que voltavam a colocá-la na cadeia por algo que ela não tinha feito?"

- Perguntei isso, e me disseram que ela não disse nada, que ficou em silêncio, disse a juíza ao EL PAÍS.

"E não pode ter acontecido que, por ser russa, não conseguiram entendê-la bem?"

- Não, não; ela estava com seu intérprete. A advogada dela me disse depois que, na Rússia, as pessoas preferem se calar, por medo de que possa acontecer alguma coisa pior… É verdade", acrescenta a juíza, "que muitos presos negam as acusações; mas, vamos, se ela, por exemplo, tivesse dito 'eu nunca pisei em Barcelona, sou viúva, moro em tal lugar… daria pra notar que as coisas não se encaixavam… Mas ela não disse nada.

Depois acho que um advogado do Consulado da Rússia assumiu o caso", comenta Aixandri, que logo depois de ver o relatório com as impressões digitais ordenou a liberação imediata de Elena. O representante do consulado negou-se a falar sobre o assunto.

O Poder Judicial da Espanha, em um relatório do dia 2 de fevereiro, culpou deste grande erro "não apenas a autoridade estrangeira [a Grécia, onde não foram avaliadas as impressões digitais], mas também as nacionais"; entretanto, não classificou o caso de erro, porque diz não ter capacidade para analisar decisões judiciais. Elena ficou presa em Barcelona até 10 de setembro de 2014. "É um erro de caráter material que acabou acontecendo pelo funcionamento anormal da Admnistração e da Justiça" e que, portanto, deve ser reparado financeiramente. A decisão final sobre indenizações é do Ministério da Justiça.

A professora universitária voltou imediatamente para a Rússia. A juíza ordenou que seu nome fosse retirado das listas de alerta da Interpol na Europa, temendo que, tanto em sua volta à Rússia quanto em outras viagens, ela pudesse sofrer outros problemas similares em qualquer fiscalização.

Elena ficou 18 dias presa em Barcelona, até que se descobriu um erro monumental

Quem continua desaparecida é a outra Elena Scherbakova, a suposta assassina. Talvez ela esteja escondida na Rússia, para onde fugiu há seis anos e desapareceu. A juíza pediu recentemente um novo mandado de busca e prisão. Porém, são tantas coincidências entre as duas Elenas, que a magistrada confessa que não descarta a repetição da confusão em qualquer outra fronteira. E isso porque, a juíza admitiu: "Outro dia eu e a secretária do juizado estávamos olhando as fotos das duas, e apesar da idade similar, elas não se parecem fisicamente".

Finalmente livre na Rússia, a professora processou o Estado espanhol por danos morais e prejuízos financeiros. Ela teve sérios problemas com seu trabalho universitário: quando voltou de seu pesadelo, o curso acadêmico já havia começado. Sem contar os danos psicológicos que ela sofreu sendo algemada e presa em dois países, incluindo uma cadeia em Barcelona, cidade em que jamais havia pisado. Em seu processo, ela pede "uma indenização de 5.900 euros (cerca de R$ 20 mil), 100 euros para cada dia em que foi privada de sua liberdade". Um total de 59.

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