Atos contra Temer e contra os Jogos
Sindicatos, partidos e grupos de contestação se organizam em dois protestos. Polícia usou bombas de efeito moral para reprimir grupos 'black blocs'


Partidos de esquerda, sindicatos e movimentos de contestação se dividiram em duas manifestações no Rio de Janeiro nesta sexta-feira, dia da inauguração oficial das Olimpíadas no estádio do Maracanã. No primeiro ato, uma multidão concentrada na praia de Copacabana tinha o objetivo de aproveitar a visibilidade dos Jogos para exigir a queda do Governo interino de Michel Temer e o fim do ajuste fiscal. Poucos eram contrários à celebração dos Jogos. Já no segundo protesto, iniciado poucas horas depois no bairro da Tijuca (perto do Maracanã), centenas de manifestantes marcharam contra a Olimpíada, buscando chamar atenção para, segundo denunciam, as violações aos direitos humanos cometidas durante a sua preparação (sobretudo a política de remoções da prefeitura). A Polícia Militar usou bombas de efeito moral para reprimir grupos black blocs quando a manifestação já havia chegado ao seu destino final.
O trecho da avenida Atlântica aonde fica o Copacabana Palace começou a ser dividido por moradores, turistas e manifestantes por volta das 11h da manhã, dia de sol forte e muita gente na praia. Não demorou para que as pessoas com traje de banho ficassem diluídas no meio de uma multidão com camisas e bandeiras de partidos (PT, PCdoB, PSOL, PSTU, PCB, entre outros) e sindicatos, que ocuparam alguns quarteirões de uma das vias mais emblemáticas da cidade.
A Polícia Militar não ofereceu cifras sobre o tamanho do ato, que seguiu pacificamente ao longo da tarde. A principal preocupação dos agentes que o acompanhavam no início da tarde era a tocha olímpica, que ia passar pela avenida Atlântica, mas teve que desviar o seu percurso em direção ao Maracanã. De todas as formas, a tocha não estava em perigo: a todo momento, os manifestantes se concentraram em empunhar cartazes —alguns em inglês, para os turistas— e gritar palavras de ordem contra o Governo Temer, o ajuste fiscal e o "corte de direitos". A maioria não se mostrou contrária —no máximo crítica— à realização dos Jogos no Rio, que ganhou o direito de sediá-los em 2009 após uma forte campanha do então Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Entre os militantes presentes havia alguns políticos e dirigentes importantes, como João Pedro Stédile (MST), a deputada Benedita da Silva (PT) e o deputado Chico Alencar (PSOL). "A gente não abre mão de subir no pódio da cidadania e da democracia. O Rio está imerso em uma situação calamitosa por decreto dos governantes do PMDB, o mesmo partido do presidente ilegítimo Michel Temer. É claro que todo mundo gosta do esporte, os Jogos tem um espírito de confraternização, mas sem justiça não há paz, sem cidadania e democracia não há alegria possível, mesmo na competição esportiva. Isso aqui é a cara do carioca, o Rio é bonito também por ser uma cidade rebelde e questionadora", disse Alencar ao EL PAÍS. "Estamos aqui na perspectiva de mudança radical e, acreditem, direta já. Devemos devolver ao povo o poder de escolha de seus governantes".

A manifestação continuava a todo vapor em Copacabana quando, por volta das 14h, outro grupo de manifestantes começou a se concentrar na praça Sáenz Peña, na Tijuca. Não havia sindicatos ou partidos na organização do ato, mas sim grupos como o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, que há anos vem acompanhando a preparação desses grandes eventos esportivos e denunciando as violações contra os direitos humanos cometidas. Havia também organizações estudantis e anarquistas, sobretudo os black blocs, que usam a tática da depredação do patrimônio público e tomaram a primeira fila do protesto. Poucos políticos, como o vereador Renato Cinco e o ex-candidato a governador Tarcísio Motta, ambos do PSOL, marcaram presença.
Apesar de também exigirem o fim do Governo Temer, o foco deste protesto foi fazer oposição à Olimpíada do Rio. Durante todo o percurso, tropas de choque da Polícia Militar, montada à cavalo e à pé, acompanhou a manifestação com escudos e cassetetes. Muitos agentes não tinham identificação e alguns levavam arma letal, como pôde comprovar o EL PAÍS.
Os manifestantes, por sua parte, entoaram gritos e canções durante toda a manifestação, como "Não me leve a mal, eu tô cansado de processo eleitoral", "Não vai ter tocha!", "E no maraca, enquanto a bola rola, não tem saúde e não tem escola!", além do clássico "Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar".
Apesar da tensão constante entre a polícia e mascarados, o ato conseguiu chegar ao seu destino final, na praça Afonso Pena. Alguns manifestantes tentaram furar o bloqueio policial para chegar ao Maracanã. Quando um grupo colocou fogo em uma bandeira do Brasil e saiu correndo, a polícia respondeu com bombas de efeito moral, chegando inclusive a usar spray de pimenta e a revistar algumas pessoas de forma violenta. Uma delas denunciou ter recebido socos no estômago dos agentes. Mas, faltando poucas horas para o início da inauguração dos Jogos, manifestantes e policiais finalmente se dispersaram.