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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Ok, eu me rendo à fantasia dos Jogos Olímpicos

A cerimônia de abertura derreteu até os corações mais cascudos para o que mais interessa: assistir aos atletas que furam o bloqueio do Brasil real para brilhar durante os Jogos

Carla Jiménez
A delegação dos atletas brasileiros entram ao som de Aquarela do Brasil
A delegação dos atletas brasileiros entram ao som de Aquarela do BrasilP.Ugarte (AFP)

Como vamos acordar neste final de semana depois de ouvir Paulinho da Viola cantar docemente o hino do Brasil? Ver Elza Soares, Jorge Benjor, Zeca Pagodinho, Gil, Caetano e até a homenagem às favelas sob a trilha sonora do Rap da Felicidade, além da Aquarela do Brasil de Ary Barroso? Ver a homenagem a nosso Santos Dumont? O parâmetro era a insossa abertura da Copa do Mundo há dois anos. Mas desta vez, chorei… e os relatos de choro se multiplicaram nas redes sociais. De alegria, de nervoso, de alívio. De cansaço. O país está cansado de tanto excesso de realidade que tivemos de encarar até aqui com essas trapaças políticas que nos roubaram a esperança.

Mas veio a festa. E a fantasia. A projeção do Brasil que queremos ser, que acolhe negros, transexuais, e respeita indígenas, ainda que os que se sentaram nas tribunas de autoridade não deixem que esse país (ainda) utópico aconteça. Ousado ainda para um país campeão de desmatamento dar lições de preservação do meio ambiente… Mas (ainda) somos a cultura do contraditório ambulante, e isso nós sabemos desde que nascemos.

A cerimônia de abertura conseguiu ser uma janelinha de calor que derreteu os corações mais cascudos. O cineasta Fernando Meirelles e a coreógrafa Débora Colker foram de sensibilidade ímpar. Artistas… justamente os que foram desrespeitados pelo presidente em exercício Michel Temer quando assumiu o Governo e tentou aniquilar o ministério que os protege.

Não é Temer, não é Dilma Rousseff, não é a corrupção da Odebrecht que devem ser lembrados por esta abertura dos Jogos Olímpicos de 2016. Os louros não são deles. Os voluntários que trabalharam de graça pelo evento, os profissionais que se dedicaram com afinco para fazer uma festa tão bonita são os verdadeiros merecedores do reconhecimento.

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Agora, ficaremos com os nossos nobres atletas, esses sim, autoridades. Nobres por sobreviver a um país arisco a incentivar o próprio esporte, a cuidar dos mais vulneráveis. Guerreiros, filhos de empregadas domésticas, pessoas humildes, pessoais reais, gente íntegra de verdade. Como a jogadora de rugby Edna Santini, filha de um pedreiro e uma costureira, ou a tenista Teliana Pereira, filha de um ex-cortador de cana. Pessoas que furaram o bloqueio do Brasil real, que nesta noite esquecemos por algumas horas. É por esse Brasil que eu me rendo todos os dias.

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