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Cerca de 130.000 venezuelanos cruzam a fronteira da Colômbia em dois dias

Autoridades calculam que 90.000 entraram no país no domingo, após cerca de 40.000 do sábado

Venezuelanos cruzam de volta a fronteira com a Colômbia.Foto: atlas | Vídeo: CARLOS EDUARDO RAMÍREZ (REUTERS) / ATLAS

Cerca de 130.000 venezuelanos cruzaram a fronteira com Colômbia entre o sábado e o domingo à procura de alimentos de primeira necessidade e de remédios. Na madrugada de sábado, quando as autoridades colombianas foram surpreendidas por uma massiva entrada de pessoas em seu território — 40.000 no total —, fecharam a estimativa para o dia seguinte em 50.000 pessoas. Às 13h de domingo, terceiro dia de abertura temporária da fronteira, já tinham atravessado 63.000, e o cálculo foi refeito para a possível entrada de mais de 75.000. No fim do dia, todas as expectativas foram superadas e o total de pessoas que entraram na Colômbia chegou a 90.000. 

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Na ponte Simón Bolívar, que liga os dois países, uma centena de funcionários da migração e do governo do Norte de Santander, departamento colombiano fronteiriço, registravam com um tablet todos que entravam, com uma foto pessoal e outra da documentação. Junto com os funcionários, polícia militar, metropolitana, aduaneira e Exército trabalhavam para que a passagem fosse ordeira. A determinação feita pelo Governo é que as boas-vindas sejam dignas, educadas e solidárias. Por isso, a cada rodada de entradas soavam aplausos, e os visitantes respondiam com agradecimentos, sorrisos e muitas lágrimas. “No nosso país a polícia mira em mim; na Colômbia, me cumprimenta”, contava uma mulher ao fazer a travessia. "Obrigado" e "Liberdade por umas horas, mas liberdade" eram alguns dos comentários escutados do lado colombiano.

O aparato que no domingo recebeu milhares de venezuelanos teve que ser improvisado no sábado. A Venezuela tinha avisado que, como no fim de semana anterior, abriria seu lado, fechado desde agosto, por apenas um dia. “Começamos a receber relatórios de nossos consulados e do serviço diplomático sobre uma grande mobilização em direção ao Estado de Táchira”, explica Víctor Bautista, responsável pelos assuntos de fronteira da Chancelaria da Colômbia. “As autoridades venezuelanas deram a confirmação, e implementamos o aparato preparado para o domingo e abrimos a passagem.” Das mais de 40.000 pessoas que entraram, 85% voltaram no próprio sábado, segundo balanço preliminar da Migração da Colômbia.

As autoridades colombianas sabem que às vias de comunicação diplomáticas das mesas de trabalho entre ambos países se unem “as alternativas”, ou seja, as redes sociais. Bautista não cita nomes quando explica que “muitas pessoas convidam outras a atravessar” sem prévio aviso oficial. Na conta do Twitter do governador de Táchira, Vielma Mora, está a pessoa a que se refere. Durante o sábado, foi relatando minuto a minuto a entrada de seus compatriotas, e ao mesmo tempo lhes informava sobre o desabastecimento em Cúcuta e o alto preço dos produtos nos supermercados.

Percorrendo mercados da capital do departamento se confirma a escassez de açúcar e de farinha de trigo, devido à greve de caminhoneiros que afeta a Colômbia. Os preços do arroz, do papel higiênico e do óleo, outros três dos víveres mais buscados pelos venezuelanos, estão como na semana passada. Norte de Santander tem sua própria beneficiadora de arroz, mas depende do Vale de Cauca para o abastecimento de outros alimentos. “Já falamos com o Ministério da Defesa para que seja feito um comboio para acompanhar os caminhões e poder atender à demanda local e à que vem da Venezuela", explicou o porta-voz da Chancelaria.

Para esta segunda-feira é esperada a visita oficial da chanceler María Ángela Holguín a Cúcuta para avaliar a situação. A titular das Relações Exteriores conversará com as autoridades locais e com as venezuelanas e dirá publicamente se a reunião entre chancelarias será mantida para 4 de agosto ou será adiantada. “Será preciso revisar a estratégia se esta situação se repetir a cada oito dias”, afirmou Bautista. “O aparato atual não é suficiente para o fluxo migratório que estamos tendo, teria que ser posta em prática uma alternativa, que leva tempo.”

Ponto de inflexão

Há um marco da abertura gradual da passagem de fronteira entre Venezuela e Colômbia pelo Estado de Táchira. Em 5 de julho centenas de mulheres venezuelanas romperam um cordão da polícia militar venezuelana para comprar em Cúcuta, a capital do departamento de Norte de Santander, os alimentos que não há em seu país ou estão escandalosamente caros. A ameaça latente de que uma situação assim se repetisse, para vergonha do Governo de Nicolás Maduro — que mantém fechado o cruzamento pela margem ocidental do país sul-americano desde agosto de 2015, após o ataque a três militares venezuelanos por parte de supostos contrabandistas — obrigou o Governo a relaxar suas medidas e a abrir a passagem antes do previsto.

A Venezuela não gostou de a Colômbia ter definido o cruzamento temporário como a abertura de um corredor humanitário. Essa denominação reforça a ideia de que no país haja muito mais que uma crise alimentar. Por isso a rede oficial venezuelana de televisão transmitiu no sábado, quando a passagem foi aberta antes do previsto, testemunhos de chavistas de que ao tentar chegar a Cúcuta eram retidos pelas autoridades da Colômbia para que tirassem as roupas aludindo à autodenominada revolução bolivariana. As declarações também sugeriam que em Cúcuta os preços eram muito altos. Muitos deles, diziam, tinham tido que voltar de mãos vazias.

Maduro tomou essa decisão obrigado pelo fracasso de uma medida que ensaiou para tentar parar o contrabando de insumos básicos para a Colômbia. No primeiro semestre deste ano a ONG Observatório Venezuelano de Conflito Social registrou que, dos 3.507 protestos realizados na Venezuela, 954 (27%) tinham relação com o repúdio à escassez e desabastecimento de alimentos.

Ao Governo não restou saída que não relaxar o isolamento a que submetia desde agosto do ano passado seus cidadãos na fronteira com a Colômbia, uma faixa porosa de 2.219 km, para não só evitar o aumento dos protestos como para aliviar a escassez. Maduro testou na travessia para Táchira uma medida apoiada por alguns setores do Governo: se as passagens oficiais estiverem fechadas, então diminuirá muito a movimentação de alimentos básicos subsidiados na Venezuela para a Colômbia.

Os números demonstram que o contrabando não diminuiu e que a escassez se tornou mais aguda. Em Caracas, segundo o instituto de pesquisas Datanálisis, a escassez atinge 60,7% nos insumos da dieta básica. O dado é o melhor indicador disponível. Caracas é a cidade mais abastecida do país e não sofre a mesma privação que o interior.

No Estado de Zulia, uma das passagens de fronteira, o governador Francisco Arias Cárdenas, amparado pelo decreto de emergência econômica promulgado por Maduro, tinha chegado a um acordo para que produtos da Colômbia abastecessem as prateleiras na capital Maracaibo, a segunda cidade mais importante da Venezuela, e outras localidades de sua jurisdição. Os zulianos afirmam que, mesmo custando mais, os produtos são muito mais baratos que os oferecidos nas redes informais.

O Governo de Maduro se nega a reconhecer que o problema esteja na falta de produção de produtos básicos, e não em sua distribuição. Mas a aposta continua. Enquanto se discute na mesa de negociação com a Colômbia qual é a melhor forma de normalizar o trânsito entre os dois países, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, tornou-se o homem mais poderoso da Venezuela. Desde o começo da semana os militares controlam a distribuição de tudo que é importado. Todas as experiências anteriores com os controles, traduzidas em crescimento constante da escassez, não permitem achar que a medida será bem-sucedida.

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