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Saiba como foi o jantar no qual a UE começou a se despedir do Reino Unido

O EL PAIS reconstitui o jantar em que o bloco deu o primeiro passo para se despedir do Reino Unido

O britânico Cameron e o grego Tsipras nesta terça-feira em Bruxelas.
O britânico Cameron e o grego Tsipras nesta terça-feira em Bruxelas.STEPHANE DE SAKUTIN (AFP)
Lucía Abellán

A União Europeia mudou para sempre desde a noite de 28 de junho passado. Os chefes de Estado e de Governo se reuniram em Bruxelas para se despedir, pela primeira vez, de um de seus Estados-membros. O último jantar de David Cameron, ainda primeiro-ministro britânico, que anunciou a sua renúncia quatro dias antes, ao tomar conhecimento de que o seu país optara por abandonar a UE, ganhou tons de cerimônia fúnebre. Essa é a expressão utilizada pela maior parte das fontes consultadas para reconstituir os detalhes daquela noite, que será imortalizada como “triste, emocionante, mas também cordial”.

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O tom lúgubre de Cameron, que quebrou o gelo fazendo um relato emotivo daquilo que acontecera no Reino Unido, marcou o restante do jantar. Quase todos os governantes deixaram suas armas de guerra na porta de entrada e abriram mão de repreender o premiê britânico por ter provocado na UE a maior crise existencial desde sua fundação, há quase 60 anos. “O referendo era inevitável”, tentou justificar.

Somente o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, fez questão de encarar Cameron. Depois de ouvir da boca do governante britânico aquele que foi provavelmente o discurso mais pró-Europa que este já havia feito, o luxemburguês Juncker usou de ironia para observar que “se os dirigentes do Reino Unido tivessem falado assim sobre a Europa nos últimos 30 ou 40 anos, talvez hoje a situação fosse diferente”. Ninguém tomou a palavra depois dele. Todos preferiram guardar as críticas para depois e gerenciar o confronto de forma serena.

No salão nobre do edifício Justus Lipsius –a sede do Conselho Europeu–, terça-feira, o clima estava pesado, mas não era de crispação. Os mesmos líderes que nos últimos anos vem driblando tensões de todo tipo com eventos noturnos com esse (principalmente as derivadas dos resgates financeiros e da crise dos refugiados no continente) se deparavam pela primeira vez com uma situação que viam como irreversível.

As intervenções dos chefes de governo e de Estado se sucederam sob a forma de perguntas a Cameron, como se fosse uma aula inaugural dada aos demais pelo sócio que está se retirando. O cardápio não incluía nada muito britânico para a ocasião: salada de codorna, feijão verde e pão tostado de frutas secas; filé mignon de vitela com verduras da estação, e morango de sobremesa. Foi um jantar relativamente curto para os padrões habituais da Comunidade: apenas três horas de duração.

Para balancear o clima de lamentação, a chanceler alemã, Angela Merkel, adotou um perfil mais pragmático. Instou os presentes a passarem da tristeza para a ação, sem pressionar demais Londres para que dê início imediato ao divórcio de Bruxelas. “Em nome do nosso interesse recíproco, não devemos nos precipitar; podemos nos arrepender depois”, alertou. Nessa mesma linha, Cameron pediu aos presentes que estabeleçam um vínculo estreito com o Reino Unido. Até a hora de se despedir, o líder britânico, agora desalojado do poder, alegou, entre outros, alguns motivos internos: “Pensando na Escócia, é melhor uma relação próxima com a UE”.

A partir daí ninguém quis defender uma aceleração de prazos, embora os líderes tenham ficado um tanto quanto decepcionados com a ausência de elementos concretos relacionados ao período que se tem pela frente. O mal-estar mais importante foi criado pelo próprio primeiro-ministro britânico ao sugerir que, se em fevereiro Bruxelas tivesse lhe dado mais condições para conter a livre circulação de europeus em seu país –o que os políticos ingleses chamam, de forma depreciativa, de imigração–, ele provavelmente teria vencido o referendo. Sem se referir explicitamente a Cameron, Juncker retrucou reprovando os líderes que sempre culpam a UE pelas derrotas e felicitam a si próprios pelas vitórias.

Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol, comentou essa percepção negativa da UE, chamando a atenção para o fato de que, em todos os referendos convocados sobre a Europa, esta sai perdendo. O último exemplo foi o plebiscito holandês sobre o acordo de associação que os Vinte e Oito assinaram com a Ucrânia. “Talvez devêssemos refletir a respeito da maneira como é feita a comunicação sobre a Europa”, afirmou.

“Distanciamento das pessoas”

O presidente da Bulgária, o conservador Boiko Borisov, também procurou ir além do caso britânico, fazendo uma autocrítica sobre a situação da associação comunitária. Ele mencionou o “distanciamento das pessoas” como um dos elementos que ameaçam dilapidar o projeto europeu. Ninguém quis entrar no mérito dessa discussão.

Em meio a tanta solenidade, a intervenção do primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, conseguiu arrancar boas risadas dos presentes. Diante da contínua estupefação que todos demonstravam, seja Cameron, sejam os demais, com o resultado da consulta popular, Tsipras fez o seguinte raciocínio: “Bem, em um referendo só há duas respostas possíveis. E é preciso estar preparado para as duas”. O governante grego sabia muito bem do que estava falando: o “não” que a população deu no referendo improvisado que ele promoveu há cerca de um ano sobre o terceiro resgate financeiro do país também criou uma comoção na UE. Mas, na ocasião, a situação foi resolvida à moda europeia: negociando-se um outro plano –que não foi muito melhor– em Bruxelas.

A noite se encerrou como costuma ocorrer nos grandes momentos: com um aplauso –embora não estrondoso–  para David Cameron. Essa foi a despedida que os líderes escolheram fazer ao dirigente que transformou uma Europa de 28 em uma Europa de 27. O medo de que a movimentação da peça britânica desmanche todo o quebra-cabeças se impôs. E o desconforto para com o governante que desencadeou essa crise se manteve oculto.

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