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Morte de animais em tempos de ‘selfie’

Busca por sucesso nas redes sociais causam impactos às vezes graves às vidas selvagens

Tartaruga marinha, uma das espécies ameaçadas de extinção.
Tartaruga marinha, uma das espécies ameaçadas de extinção. Roger Leguen/ (WWF)

Uma avalanche de turistas provoca o fracasso da reprodução de tartarugas marinhas em Ostional (Costa Rica); um filhote de bisão é sacrificado em Yellowstone (Estados Unidos) depois de ser recolhido por turistas que achavam que ele estava passando frio; um filhote de urso é atropelado por um automóvel, em um parque nacional em Wyoming (EUA). E assim poderíamos continuar ao longo de todo este texto, pois esses casos todos aconteceram em menos de um ano, e não incluem os ocorridos em zoológicos, aquários ou outros lugares de demonstração de animais em cativeiro.

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“O turismo massivo e a crescente obsessão por parte de turistas do mundo inteiro de tirar selfies com espécies selvagens está se tornando um problema cada vez maior, tanto para o bem-estar dos animais quanto para a sua preservação.” Giovanni Constantini, da Fundação para Assessoria e Ação em Defesa dos animais (FAADA), resume o impacto causado sobre a fauna pela moda de tirar autorretratos e transmitir na hora pelas redes sociais as experiências turísticas realizadas. Recente estudo científico sobre os ursos pardos nos Estados Unidos e um outro de três anos atrás sobre as arraias nas Ilhas Cayman mostram como o homem, no afã de observar e até de tocar em animais, acaba por interferir negativamente no comportamento deles.

No caso do primeiro estudo, realizado por uma equipe sediada principalmente no Alasca (95% da população de ursos pardos dos EUA vivem nesse estado) e capitaneado por Jennifer K. Fortin, do Alaska Science Center Anchorage, registra e realiza pesquisas sobre o uso recreativo de áreas onde vivem os ursos pardos. Sua conclusão destaca que a pressão do turismo de observação muitas vezes obriga os plantígrados a fazerem constantes deslocamentos que interferem na sua dieta e provocam um consumo excessivo de energia. O estudo sugere que seja melhorada a gestão, especialmente em regiões particularmente conflitivas, como as que ficam mais próximas do litoral, aonde acorre um número maior de turistas.

Turistas caminhando entre tartarugas em Costa Rica.
Turistas caminhando entre tartarugas em Costa Rica.Sindicato de Trabajadores de Minae.

O segundo estudo, de 2013, é das Universidades de Nova Southeastern (Flórida) e Rhode Island e tem como foco a colônia de arraias dos bancos de areia de Stingray City (literalmente, cidade das arraias-lixa), nas Ilhas Cayman. Basta dar uma olhada em qualquer página da web de promoção desse tipo de turismo do Caribe para atestar a descomedida interação entre banhistas e arraias. A pesquisa constatou que o ato de alimentar, fazer fotos, segurar ou nadar com as arraias altera gravemente o seu comportamento em comparação com outras populações selvagens. Não se confirma que isso provoque uma diminuição da população, mas sim que, entre outras alterações, alguns indivíduos se tornam mais agressivos com seus congêneres.

De toda maneira, é preciso fazer uma diferenciação entre o turismo maciço, especialmente no litoral (um milhão de pessoas visitam Stingray City na alta temporada turística), e o de observação de fauna, mais exclusivo e voltado, geralmente, para um público preocupado com a preservação da biodiversidade. Na Espanha, o Governo aprovou dois anos atrás um plano setorial de turismo da natureza e da biodiversidade, que deu origem a um manual intitulado Boas práticas para a observação do urso, do lobo e do lince na Espanha. Esses três mamíferos grandes, ao lado das aves, são os que atraem o maior número de visitantes para o seu ambiente natural, e de modo crescente, o que tem levado empresas, administrações e ONGs a adotarem e reivindicarem medidas e recomendações para reduzir o máximo possível o seu impacto.

“O turismo maciço e a crescente obsessão por parte de turistas do mundo inteiro de fazer selfies com espécies selvagens está se tornando um problema cada vez maior, tanto para o bem-estar dos animais quanto para a sua preservação

Apesar disso, alguns especialistas observam que “a principal ameaça ao lobo ibérico e outras espécies da Espanha não é o turismo, nem de longe”, levantando a destruição do meio ambiente e a caça como elementos centrais. É o que afirma Fernando Palacios, pesquisador do Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN/CSIC) e diretor científico de um programa de voluntariado para a realização de um censo sobre o lobo ibérico. “Paradoxalmente”, diz Palacios, “os melhores locais para observação (serra de La Culebra, em Zamora, Riaño, em León, e Fuentes Carrionas, em Palência) são aqueles onde os lobos são alimentados artificialmente para depois serem abatidos legal ou irregularmente, e algumas empresas se aproveitam dessa situação de forma nem sempre ética para levar ecoturistas para observarem a espécie”. O especialista afirma que às vezes se chega até mesmo a utilizar os próprios locais onde eles são mortos para realizar essa atividade turística. “É difícil explicar para qualquer ecoturista que vá a essas áreas que os lobos que ele está vendo depois de duras jornadas de espera podem ser mortos no dia seguinte, ou mesmo no próprio momento da observação, como já aconteceu em várias ocasiões.”

O número de junho da revista Quercus dedica várias reportagens a analisar a repercussão do “turismo de lobos” sobre a espécie e seu hábitat. Além das contradições expostas por Fernando Palacios, a conclusão é a de que sequer entre os promotores do turismo e as pessoas mais conscientes é possível alcançar o equilíbrio perfeito entre observadores e observados. A aproximação excessiva, as batidas de portas de veículos 4 x 4, os sons de celulares, as conversas em voz alta, a presença de cachorros, a postagem de observações nas redes sociais, a eliminação da vegetação para observar melhor e às vezes também a massificação interferem nos hábitats do lobo.

Turistas recolheram um bisão em Yellowstone achando que ele estava passando frio. O animal teve de ser sacrificado, pois foi rejeitado por sua manada.
Turistas recolheram um bisão em Yellowstone achando que ele estava passando frio. O animal teve de ser sacrificado, pois foi rejeitado por sua manada.

“A distância adequada para realizar as observações é a que faz o observador passar desapercebido diante do animal e lhe permite agir conforme seu comportamento natural”, recomenda o manual de boas práticas publicado pelo Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente. Inclusive alerta para algo difícil de entender na sociedade atual do imediatismo e da observação rápida: “É preciso estar consciente a todo momento da dificuldade intrínseca à observação dessas espécies, que nem sempre é possível”. Ou seja, não condicionar a viagem à observação desta ou daquela espécie. “A proposta dessa atividade não deve estar concentrada exclusivamente nas observações pontuais ou diretas da fauna, mas também em enfocar uma interpretação completa do meio natural, do patrimônio etnográfico, das formas de vida das populações locais etc.”, conclui o manual.

Alberto Fernández Gil e Fernando Jubete, membros da Associação para a Conservação e Estudo do Lobo Ibérico (Ascel), lembram na revista Quercus os riscos de “discursos veementes que falam dos benefícios do turismo para a conservação da natureza e o desenvolvimento socioeconômico das zonas rurais”. Outros autores pensam que é preciso tirar o rótulo de “turismo ativo” desse tipo de observações para diferenciá-lo da escalada, do ciclismo de montanha ou da descida de barrancos, e aproximá-lo mais do ecoturismo, que deixa uma baixa pegada ecológica e também colabora diretamente para a conservação das espécies.

A aproximação excessiva, as batidas de portas de veículos 4x4, os sons dos celulares, a presença de cachorros e a eliminação da vegetação para se observar melhor interferem no habitat dos lobos na Espanha

Carlos Sunyer, diretor da QNatur, empresa que promove a visita a espaços naturais protegidos e a observação de espécies em seu interior, afirma que “o turismo sempre tem impactos negativos, mas é preciso pesar se o benefício oferecido os supera com vantagem, se gera expectativas de desenvolvimento na região e uma corrente positiva em favor das espécies”. Constantini acrescenta que essas observações “representam uma opção muito boa para conhecer a fauna selvagem sem fomentar o cativeiro dos animais, mas tendo em conta as pautas necessárias para não colocar em risco as espécies e seu hábitat natural”. A FAADA conta com um portal (Turismo Responsável), no qual são detalhados os destinos e interações mais comuns entre animais e viajantes.

Ángel Manuel Sánchez, colega de Fernando Palacios na elaboração do censo do lobo ibérico, considera que “a atividade ecoturística deve ser regulamentada em nível empresarial e também deve ser criada a titulação oficial de guia da natureza, assim como existe em qualquer país que aproveite os recursos turísticos de maneira sustentável”. “É triste que um país como a Espanha”, continua, “onde o turismo é o principal setor econômico, que esta atividade de futuro não esteja adequadamente regulamentada nem se formem profissionais para desempenhá-la de forma correta”.

Observação de cetáceos no Estreito de Gibraltar, um bom exemplo

Não há nenhuma classe ou ordem de animal a que não esteja relacionado algum tipo de aproveitamento turístico. Existe uma infinidade de destinados ligados ao turismo de observação de aves, assim como de grandes mamíferos (tigres, elefantes, leões, baleias, ursos...), mas também dos milhões de caranguejos vermelhos que passeiam pela Ilha do Natal, na Austrália, a caminho do oceano Pacífico e de milhões de borboletas-monarca que chegam principalmente no inverno ao estado de Michoacán, no México.

Na Espanha, o turismo de observação de cetáceos (principalmente golfinhos e baleias) costuma ser apresentado como um bom exemplo no que se refere à regulamentação. O Governo das Canárias é pioneiro na aplicação de uma legislação sobre a questão, e, no Estreito de Gibraltar, Carlos Sunyer destaca a colaboração turístico-científica: “O turismo de observação de cetáceos nas águas de Tarifa se desenvolveu juntamente com a pesquisa científica e quase todas as empresas colaboram nesse sentido. Quando avistam um animal, fazem fotos ou anotações e as transmitem para o seu conhecimento, assim como quando ocorre qualquer incidente que afete a sua preservação”.

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