_
_
_
_
_

Ricardo Darín: “Sinto falta do anonimato”

Ator protagoniza 'Kóblic', thriller que conta a história dos ‘voos da morte’ durante a ditadura

Rut de las Heras Bretín
O ator Ricardo Darín, ator principal de 'Kóblic'.
O ator Ricardo Darín, ator principal de 'Kóblic'.Carlos Rosillo

Se Ricardo Darín tivesse de escolher entre um avião, um cavalo e um Ford Torino como meio de transporte – usados pelos protagonistas de seu mais recente filme – ele não tem dúvidas: “O avião”. “Adoro voar”, diz o ator portenho que em janeiro completa 60 anos, a maioria deles trabalhando no cinema, no teatro e na televisão. Um avião o levou a Madri para apresentar o filme Kóblic, uma produção argentina que estreia na Espanha sexta-feira; um avião é a ruína da carreira do piloto que ele interpreta e um avião tenta ser sua válvula de escape. O longa deve chegar aos cinemas brasileiros no início de julho.

O gosto por aviões do ator é antigo, seu pai era aviador – depois foi ator –, e por isso, ele gostou de reviver essa atmosfera que estava escondida em algum lugar de suas memórias. Sonha de maneira recorrente que está voando. “Acontece algo especial lá em cima, especialmente nos aviões pequenos, não nos comerciais. Nesses pequenos aviões são muitas as perguntas que nos fazemos. O que estamos fazendo aqui? Como isso se mantém no ar? É como esses exercícios de relaxamento, entramos em outro estado. Dá para ver a Terra de uma perspectiva incomum e de lá você se pergunta por que acreditamos que somos o centro do universo? Ajuda a se colocar em seu lugar”.

Mais informações
‘Relatos selvagens’, um golaço argentino nos cinemas
Um dia de sol em uma laje portenha

Thomas Kóblic tenta se refugiar, metaforicamente, em uma aeronave de fumigação, “o espaço é mínimo, como se fosse uma motocicleta voadora”. Kóblic, o personagem representado por Darín, é um piloto que participou nos que ficaram conhecidos como voos da morte durante a ditadura militar na Argentina, aqueles destinados a lançar os prisioneiros do regime no mar para que desaparecessem. O personagem principal é um fugitivo, escapando de seu passado e de si mesmo. Darín duvida que tenha possibilidade de futuro “está mal, frito, sem saída”, explica. Ele se coloca na pele de um personagem assim e não o julga, não censura. “O personagem está sendo, é presente, eu o coloco no meu organismo e deixo que atue. O público é que vai avaliar”. Não conversou com nenhum militar que participou nessas missões macabros – “não teria como”, comenta –, não tem certeza se teria gostado de conversar: “Nosso trabalho requer informações confiáveis, mas isso pode limitá-lo, porque você se limita ao cara com quem acaba falando”.

“É lógico que em certas atividades a gente queira ser aceito e reconhecido pelos outros, mas às vezes o que queremos é o anonimato”

A imaginação é uma parte fundamental do ofício de ator, mas quando descreve a sensação que teve no aeroporto de Cuatro Vientos, em Madri, onde foram rodadas as cenas internas dos aviões, faz com que um arrepio percorra o corpo de quem está ouvindo. Não é apenas a imaginação, é a sensação física da vertigem, da angústia. “Ficamos aturdidos, uma coisa é ver aquilo escrito e outra é quando você fica ali, de pé... não dá nem para imaginar. O que passaria pela cabeça dessas pessoas para cometer semelhante loucura, para cumprir essas ordens? Estavam todos loucos!”. Não é difícil imaginar Darín na escotilha aberta de um avião olhando para o chão e pensando tudo isso.

Kóblic, dirigido por Sebastián Borensztein, não é uma história feliz. Darín não espera nenhuma esperança para seu personagem, reserva os olhares positivos do filme para alguns dos moradores da Colônia Elena, onde vai se esconder depois de fugir do exército. Todos são fugitivos: a criança que trabalha no hangar deixado por um amigo para não ser descoberto quer escapar da solidão; o cachorro que aparece ali escapa dos maus tratos de seus donos e Nancy, interpretada por Inma Cuesta, mulher do proprietário do posto de gasolina da colônia, precisa deixar o horror em que vive. Por isso se aproxima de Kóblic, porque foi o primeiro que apareceu por ali, “e jogou uma corda para ela”. Darín confessa que nunca acreditou que um cara como Kóblic, no meio dessa situação de fuga, teria tempo para o romance, “por isso a relação deles é quase animal, sem romantismo”.

Este é o último filme de Darín, até prova em contrário, que não vai demorar muito para acontecer pois “em breve” vai estrear o filme Nieve Negra. Temos sensação de que o ator nunca para de trabalhar, embora ele negue isso. Diz que tenta ter cada vez mais espaço entre os filmes, para descansar, para fazer teatro, jogar tênis, para sua família... Embora reconheça que nem sempre consegue. Prova de que estes aspectos são fundamentais para ele é que antes da entrevista pediu um momento para “verificar” as mensagens enviadas por sua esposa.

Com relação à carreira de ator de seu filho, Chino Darín, deseja que seja pelo menos tão boa quanto a dele, embora sinta que é um peso porque acha que o anonimato é um dos pontos mais importantes do ser humano. “É lógico e compreensível que em certas atividades a gente queira ser aceito e reconhecido pelos outros, mas às vezes o que queremos é o anonimato”.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_