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Referendo no Reino Unido: mais jovens querem ficar na UE; mais velhos apoiam saída

Partidários por permanecer no bloco perseguem o eleitorado jovem, menos mobilizado

Torneiras de chope com as opções ‘dentro’ e ‘fora’ da União Europeia, num pub de Westminster, Londres, em abril.Vídeo: Lionel Deremais
Pablo Guimón

Se o Reino Unido deixar a União Europeia, a decisão terá sido tomada pelo eleitorado mais velho. Mas o peso de suas consequências recairá sobre os mais jovens. Nesse paradoxo radica uma das chaves da campanha pelo referendo, que entra agora nas suas quatro semanas finais. O apoio à permanência entre os jovens é esmagador (75%), e a saída britânica da UE – apesar de estar perdendo apoio em todas as faixas etárias – continua tendo seu bastião entre os maiores de 65 anos. Entretanto, enquanto estes declaram que votarão com certeza, os jovens estão muito menos mobilizados.

“Mostre-me alguém que persiga o voto jovem, e lhe mostrarei um derrotado.” Quem diz isso é um político “da velha guarda” ao deputado conservador Sam Gyimah, de 39 anos, secretário de Estado no Ministério de Educação. Mas perseguir o voto jovem é justamente o que faz Gyimah, criador da campanha #votin, lançada na semana passada, paralelamente à campanha oficial pela permanência, e dirigida àquela que ele mesmo definiu como a “geração Easyjet”, em alusão à companhia aérea que vende passagens baratas entre cidades europeias.

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“Trata-se de uma geração que dá a UE como algo garantido”, diz. “Para eles, a UE significa trabalho e muitas outras coisas, mas é sobretudo um estilo de vida. As viagens, a moda, a comida. O Reino Unido se europeizou muito nas últimas décadas, e eles não viveram outra coisa. O importante é que o período de incerteza depois da possível saída do Reino Unido da UE, afetaria esses jovens mais do que a qualquer um, porque eles estão no momento em que tentam avançar na vida, prestes a darem o salto para o mercado de trabalho. A geração Easyjet poderia se tornar uma geração perdida se não se fizer ouvir”.

A experiência, porém, dá a razão ao político da velha guarda. Poucas vezes na história recente um território viveu uma mobilização política tão grande como a que ocorreu nas semanas prévias ao referendo sobre a independência da Escócia, em 2014. A participação foi de 85%. Entretanto, e embora parecesse que as ruas estivessem tomadas por jovens entusiastas, só um em cada dois escoceses de 18 a 24 anos votou.

Também o trabalhista Ed Miliband perseguiu o voto jovem para desfazer o empate virtual no qual os dois grandes partidos acreditavam estar durante a campanha das eleições gerais de um ano atrás. Ainda ressoam os sarcasmos dos tabloides depois da sua reunião secreta com o ator antissistema – e com 12 milhões de seguidores no Twitter – Russell Brand. Mas só 43% dos menores de 24 anos votaram, frente a 78% dos maiores de 65, e os conservadores conseguiram uma inesperada maioria absoluta.

As reformas na lei eleitoral introduzidas pelo Governo de Cameron, que complicam o processo de registro, não incentivaram o voto jovem. A campanha por permanecer na UE alertava que, até o fim de semana passado, quatro milhões de eleitores jovens continuavam sem se cadastrar. O prazo acaba em duas semanas.

Os estudantes Michael Cooper, Leila Scola e Kieren Brown, na Universidade de Southampton.
Os estudantes Michael Cooper, Leila Scola e Kieren Brown, na Universidade de Southampton.Lionel Derimais

Na Universidade de Southampton, no sul da Inglaterra, Michael Cooper, Kieren Brown e Leila Scola dedicam as horas entre um exame e outro a pedir que seus colegas se registrem e votem por continuar na UE. Eles participam de um movimento nacional chamado Estudantes Pela Europa. Há mais de meia centena de campanhas em andamento nos campi britânicos para mobilizar os universitários, e a grande maioria pede o voto pela permanência.

Para Leila Scola, de 20 anos, que fala cinco idiomas e cursa o segundo ano de Estudos Europeus, parte da culpa do desapego dos jovens com a política está no sistema eleitoral. “Muita gente jovem não vota porque seus votos não contam”, afirma. “Com nosso sistema eleitoral, só importam os votos nas circunscrições onde o resultado está muito apertado. Mas o referendo é diferente. Aqui contam todos os votos.”

Kieren Brown, de 19 anos, estudante de Ciências Ambientais, fala de um “círculo vicioso” de desencanto político. “Como os jovens não votam, os partidos não contemplam medidas para eles, e assim se separam ainda mais da política”, diz. “Nós nos sentimos afastados do Governo, abandonados”, acrescenta Michael Cooper, de 19 anos, aluno de Engenharia.

A data do referendo tampouco ajuda. Em 23 de junho, acabados os exames, a geração Easyjet pode estar voando maciçamente para a Espanha por essa companhia. E mais de 100.000 deles – o triplo dos votos que decidiram as últimas eleições na Áustria, por exemplo – estarão no festival de Glastonbury, que acontece nesse mesmo fim de semana e que, naturalmente, incentiva em seu site o cadastramento para o voto postal.

Os europeístas contam com um desafio agregado: precisam mobilizar para defender o status quo. “Nenhum jovem instintivamente quer lutar por permanecer em nada, no máximo por mudar alguma coisa”, opina Michael Zur-Szpiro, diretor de criação da campanha #votin.

A campanha pela permanência está ganhando a batalha na economia. Todas as análises sérias dizem que a saída teria um custo significativo para o país, ao menos em curto prazo. E esse custo pesaria mais sobre os jovens.

Mudança de tática

A necessidade de abandonar os argumentos econômicos, explica um veterano político conservador, obrigou os defensores da saída a se aferrarem às cartadas da imigração, da soberania e da identidade nacional. Conceitos que não são os que mais preocupam a essa geração que cresceu com a imigração, num mundo globalizado, e à qual o termo império está presente apenas nos livros de história. Tampouco a recorrente ridicularização da burocracia europeia motiva uma geração cuja rebeldia vai mais contra as grandes corporações do que contra os tecnocratas de Bruxelas.

Ambas as campanhas estão concentrando seus recursos nas redes sociais, com sofisticadas táticas de marketing digital já usadas nas eleições gerais de 2015. O principal campo de batalha é o Facebook, fonte de informação para esses eleitores jovens não obcecados com a política.

Uma pesquisa publicada na terça-feira no The Telegraph trazia boas notícias para os europeístas: o apoio à permanência se consolida entre os jovens – 75% dos menores de 24 anos e 68% do eleitorado entre 25 e 35 anos – e cresce entre os mais velhos, chegando a 52% entre os maiores de 65 anos, 18 pontos a mais que em março.

Só havia uma boa notícia para os partidários do rompimento com a UE, como destacava nesse mesmo jornal Lynton Crosby, o guru eleitoral australiano que foi o estrategista da vitória de Cameron na última eleição: “64% dos que apoiam a saída dizem que votarão com certeza, contra apenas 55% entre os partidários de prosseguir na UE”. Essa diferença de nove pontos, observava Crosby, representa um aumento de dois pontos desde março. E é essa diferença que a campanha pela permanência, para assegurar sua vitória, tem quatro semanas para corrigir.

“QUERIDA AVÓ, FALEMOS DA EUROPA"

P. G., Londres

"Querida avó: Posso ir almoçar aí no domingo e falar sobre o meu futuro na UE?" Esse é o texto de cartões postais criados pela campanha pró-permanência para que os jovens as enviem aos seus avós ou pais, e que conversem com eles sobre os motivos pelos quais desejam que o Reino Unido continue na UE. Os partidários do sim apostam não só em mobilizar os jovens para que votem, mas também para que influenciem seus parentes mais velhos a pensarem no futuro dos seus filhos e netos. "Queremos transformar o europeísmo em algo geracional, no sinal dos tempos", explica um membro da campanha.

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