_
_
_
_

Greve contra reforma trabalhista na França provoca falta de combustível

Novos protestos se estendem às centrais nucleares e ameaçam com cortes de luz

Dois sindicalistas em Havre (oeste da França).Foto: atlas | Vídeo: RAPHAEL SATTER (AP) / ATLAS
Carlos Yárnoz

A França enfrenta nesta quinta-feira mais um dia de manifestações e paralisações dentro da mobilização sindical contra a reforma trabalhista, que já afeta gravemente a vida cotidiana da população. Com a escassez de combustível em mais de 4.000 postos, portos e refinarias bloqueados e uma ameaça de paralisação das atividades das centrais nucleares, as principais centrais sindicais voltam às ruas em todo o país em plena escalada da tensão com o governo. Para o Executivo, trata-se de uma minoria que, com esses bloqueios, coloca em risco “de forma ilegal” a atividade produtiva do país, razão pela qual anuncia que reagirá com “muita firmeza”.

Caminhoneiros, ferroviários, controladores de voo e funcionários do setor de energia são os que mais têm sido chamados por seus sindicatos a participar dos protestos e manifestações desta quinta-feira. Mais de um terço dos trens não efetuarão os seus percursos; calcula-se, também, que 15% dos voos previstos não serão realizados. Nesta quarta-feira, assembleias decidiram por paralisações e greves nas 19 centrais nucleares, que são responsáveis pelo fornecimento de 75% da produção elétrica do país.

Mais informações
França enfrenta a maior onda de protestos contra a reforma trabalhista
França proíbe manifestações devido à violência contra a polícia
Um mês de protestos de jovens na França: o que eles querem agora?
Distúrbios e 120 presos nos protestos contra a reforma trabalhista francesa

Desde a madrugada, do norte ao sul da França, trabalhadores bloquearam estradas e portos em Nantes, Rennes, Cherbourg, Brest e Havre. Em Paris, centenas de caminhões provocaram engarrafamentos de automóveis de dezenas de quilômetros na via marginal da cidade.

Ao meio-dia, dezenas de manifestações se desencadearam em cidades de todo o país. Philippe Martinez, principal dirigente da CGT, encabeça, em Paris, o maior protesto do dia. Sua organização, a maior da França, com mais de 600.000 filiados, afirma estar disposta a “bloquear a França” para forçar o Executivo a retirar o projeto de lei. “Não queremos negociá-lo, mas sim que ele seja simplesmente retirado”, acrescenta Jean-Claude Mailly, dirigente da terceira maior central sindical, a Força Operária.

O Executivo, que baixou a reforma por decreto em sua passagem pela Assembleia Nacional, também não se mostra disposto a ceder. Na quarta-feira, o líder do grupo socialista, do Governo, Bruno Le Roux, declarou que há possibilidade de um diálogo sobre o ponto visto como o mais polêmico da reforma: a prevalência dos acordos por empresa em relação aos assinados por categoria. O primeiro-ministro, Manuel Valls, corrigiu-o, no entanto, imediatamente: “Nem retirada nem concessões”, afirmou o chefe do Executivo. “Não é a CGT que faz as leis na França”.

Em entrevista à rede BFMTV, Valls insistiu, nesta quinta-feira, em que não haverá mudanças importantes. “Uma alteração de rumo não está colocada”, mas apenas, no máximo, algumas “melhorias e modificações” ao longo da tramitação parlamentar, até que a reforma seja aprovada definitivamente, em julho. O texto já foi modificado, com a introdução de 600 das quase 5.000 emendas apresentadas. Para o chefe do Governo, a resistência à reforma mostra, mais uma vez, que “este país está morrendo por causa de seu conservadorismo”, tanto da esquerda quanto da direita.

Sem jornais nas bancas

A greve também impediu a chegada da maioria dos jornais às bancas, algo que já havia acontecido nas paralisações anteriores, em 31 de março e em 28 de abril.

A CGT havia exigido a publicação de um artigo contrário à reforma trabalhista assinado por Philippe Martinez, principal dirigente da central, a mais atuante no atual confronto, que já dura um trimestre inteiro. O jornal de esquerdaL'Humanité, que publicou o texto, foi distribuído para as bancas.

“Esta terceira ausência de distribuição, tal como as duas anteriores, não está relacionada a nenhuma situação específica dos nossos jornais, nossas rotativas e gráficas. Nossos leitores são as vítimas de um conflito puramente político entre a CGT e o Governo”, acusa o sindicato dos jornais diários nacionais (SPQN).

A polícia desbloqueou duas das seis refinarias —há oito delas na França— que os sindicatos mantinham isoladas, assim como 11 dos 92 depósitos de combustíveis existentes. O maior risco para a atividade econômica se concentra agora nas 19 centrais nucleares, que, com seus 58 reatores, produzem 75% da eletricidade no país. Por iniciativa da CGT, os funcionários da central de Nogent-sur-Seine foram os primeiros a aprovar a greve, no que foram seguidos imediatamente por seus colegas das demais centrais.

A rede de distribuição não descarta uma potencial necessidade de realizar cortes no fornecimento. Em vários departamentos do país, os prefeitos têm decretado a limitação da venda de gasolina a 20 litros por habitante e proibiram que se encham garrafas ou garrafões nos postos. Pela primeira vez em seis anos, o Governo foi obrigado a recorrer à reserva estratégica de combustíveis, ao mesmo tempo em que procura acalmar a população afirmando que há gasolina suficiente para mais de três meses de consumo.

Para Valls, todo esse caos é provocado por uma minoria, a CGT, que tem perdido enormes contingentes de militantes nos últimos anos —chegou a ter dois milhões deles— devido a uma crise de credibilidade entre os trabalhadores. Os problemas causados pelas suas mobilizações para a população podem se voltar contra a própria central sindical. Anuncia-se que as paralisações e greves serão ainda maiores no mês de junho, em meio à realização, no país, da Eurocopa de futebol. Até o momento, os franceses têm apoiado os protestos: 62%, segundo pesquisa divulgada pela rádio RTL. “Respeito essa organização e a sua história, mas não a sua inaceitável radicalização”, afirmou Valls, nesta quarta-feira, no Parlamento.

Novo dia de protestos suspende 15% dos voos e um terço das viagens de trem

A direita, sob a liderança de Nicolas Sarkozy, defende que os salários dos trabalhadores que bloqueiam centros de produção sejam cortados e que eles sejam lavados à Justiça. A legislação prevê penas de até cinco anos de prisão. O partido de Sarkozy, os Republicanos, cobra do Governo que este utilize a força a fim de não permitir que nenhuma refinaria seja bloqueada.

A um ano das eleições presidenciais, em meio a tamanha tensão, o presidente François Hollande conheceu um pequeno respiro nesta semana. O desemprego voltou a cair em abril (em 19.900 pessoas), depois de uma queda já registrada em março (menos 60.000 desempregados). Essa tendência facilita o caminho para uma candidatura de Hollande à reeleição, pois o presidente, que está muito mal nas pesquisas, havia dito que só se reapresentaria se houvesse uma diminuição do desemprego, que se encontra hoje um pouco acima dos 10%.

Registrou-se, também, um duplo consolo para o Governo: o movimento dos indignados da praça da República, em Paris, empalidece diante dessa enorme mobilização sindical e o grande sindicato reformista CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho) defendeu publicamente que a reforma trabalhista não seja retirada. Em muitos importantes centros de trabalho, a CFDT disputa a primazia com a CGT, que, com esta onda de mobilizações, procura resgatar boa parte das forças que perdeu nos últimos anos.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_