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França desiste de diplomata gay como embaixador no Vaticano

Paris retira indicado a cargo na Santa Sé após 15 meses de tenso silêncio do Papa

Laurent Stefanini, em 10 de abril, no Eliseu.
Laurent Stefanini, em 10 de abril, no Eliseu.Alain Jocard (AFP)
Carlos Yárnoz

As declarações de respeito aos homossexuais por parte do papa Francisco foram cruciais para forjar sua imagem de abertura e reformismo na Cúria romana, mas os fatos caminham por outro lado. O presidente da França, François Hollande, se viu obrigado a cancelar a indicação de Laurent Stefanini como embaixador na Santa Sé, a qual, com seu eloquente silêncio dos últimos 15 meses, deixou claro que não lhe concederia o agrément diplomático por ser gay. Rejeitado em Roma, Stefanini será a partir do próximo dia 25 o novo embaixador da França na Unesco (órgão da ONU para a educação e cultura, com sede em Paris).

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Ao menos no papel, Stefanini, de 56 anos, era um candidato ideal para o cargo de embaixador na Santa Sé. Formado na Escola Nacional de Administração, celeiro da elite francesa, esse católico praticante se encarregou de assuntos religiosos no Ministério de Relações Exteriores e em seguida foi, entre 2001 e 2005, o número dois da Embaixada da França no Vaticano, período em que chegou a ser condecorado com a Ordem de São Gregório, o Grande, uma das mais altas distinções pontifícias. Depois, chefiou o protocolo do Palácio do Eliseu sob os presidentes Nicolas Sarkozy e Hollande.

Em janeiro do ano passado, Paris anunciou a nomeação dele. Mas, antes que o Vaticano concedesse seu aval, surgiu a revelação de que Stefanini é homossexual, ao mesmo tempo em que eram relembradas algumas declarações do atual pontífice. “Quem sou eu para julgar um homossexual que busca ao Senhor com boa vontade?”, havia dito Francisco em 2013, por exemplo. Mas as semanas se passavam sem uma resposta a Paris por parte do Vaticano, onde efetivamente a idoneidade de Stefanini estava em sendo posta em xeque.

Três meses depois, o silêncio do Vaticano já havia complicado a questão. O porta-voz do Governo francês, Stéphane Le Foll, anunciou em abril a doutrina oficial que tantas vezes seria repetida desde então: “Esta continua sendo a proposta francesa. O Governo acha que é o melhor candidato”.

“Quem sou eu para julgar a um homossexual?”, havia dito o papa Francisco em 2013

Em junho, Stefanini foi chamado a Roma para um encontro pessoal com o Papa. O conteúdo não foi divulgado, mas ficou claro que o impasse prosseguia. Pesavam contra o agrément a condição sexual do candidato e a lei de casamento gay adotada por Hollande, qualificada na época como uma “derrota para a humanidade” pelo secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin. Roma não recuava, apesar da intercessão em prol de Stefanini feita por dois importantes prelados católicos, o cardeal camerlengo Jean-Louis Touran, o mais graduado francês na Santa Sé, e o bispo-auxiliar de Paris, André Vingt-Trois.

Agora, após 15 meses de silenciosa batalha, Paris jogou a toalha. Hollande acaba de nomear Stefanini para a Unesco, atendendo a uma recomendação do primeiro-ministro Manuel Valls e do chanceler Laurent Fabius. O Vaticano não demonstrava a menor intenção de ceder.

A história se repete, e Hollande conhecia os antecedentes. Em 2007, Sarkozy indicou Jean-Loup Kuhn-Delforge para a representação diplomática na Santa Sé, mas o Vaticano o rejeitou após um ano de silêncio por ser gay. O argumento era de que esse diplomata tinha uma união estável e aparecia com o companheiro em atos oficiais. Mas isso não valia para Stefanini, que é solteiro.

Apesar do golpe, o Governo francês preferiu guardar silêncio até agora. O nome do novo indicado à vaga no Vaticano, aberta há mais de um ano, não foi divulgada, mas a chancelaria nega que isso se deva ao temor de uma nova rejeição.

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