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“Temo que a crise econômica mal tenha começado, que estejamos apenas no prólogo”

Para ex-secretário de Política Econômica do governo Lula, país possui problemas estruturais graves que não serão solucionados com troca de Governo

Marcos Lisboa, economista e diretor-presidente do Insper.
Marcos Lisboa, economista e diretor-presidente do Insper.Maurício Pisani

As avaliações de Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Lula e atual diretor-presidente do Insper, podem ferir os ouvidos dos que acreditam que o Governo é capaz de reverter o atual quadro recessivo da economia. Os que apostam na troca de Governo como saída também não encontram alento nas palavras de Lisboa. A situação é grave, a crise é longa, e as soluções não são fáceis, a ponto de transformar a inflação um problema menor.

Pergunta. Qual será o impacto desse processo de impeachment para a economia brasileira?

Resposta. A economia está em um momento de retração bastante grave para além da política. Estamos entrando no terceiro ano de recessão e a retração de 2016 pode ser tão grave quanto a do ano passado. O Brasil comprometeu sua capacidade de crescimento. Essa não é uma crise usual. O crescimento potencial do país é muito menor do que era no ano passado. Não são apenas dificuldades momentâneas que com uma agenda mais arrumada de política econômica desaparecerão. Ou que superada a crise política o país voltará a crescer. Não é esse o caso. A nossa produtividade parou de crescer já há vários anos e ela tem sido negativa nos últimos tempos. Isso significa que o PIB potencial do brasileiro está estagnado ou negativo, o país está se tornando mais pobre. E ele vai continuar tornando-se mais pobre caso não enfrentemos os graves problemas estruturais da economia.

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P. A pequena queda da inflação no mês de março é um sinal de melhora ou ainda não?

R. A inflação se transformou em um tema menor, por incrível que pareça. Estamos passando pelo terceiro ano de recessão, indo para a queda de PIB per capita de 10%. Cada brasileiro vai terminar 2016, em média, 10% mais pobre do que começou 2014. Isso é um aperto de renda expressivo na sociedade. E num quadro de grave recessão como esse, a inflação cedeu para 0,5% ao mês. É uma inflação muito alta para uma economia em recessão.  Além da inflação, tem desemprego...  O quadro é grave na economia.

P. Podemos perder as conquistas dos últimos anos?

Se uma empresa fizesse o que o Governo fez, quem compraria ações dela?

R. A irresponsabilidade está comprometendo tudo que foi conquistado dos anos 90 até 2008. O Brasil vinha numa trajetória de arrumação do Estado, políticas sociais focalizadas nos mais pobres, estabilidade macroeconômica, redução de intervenções que beneficiava um setor em detrimento do outro... Mais transparência dos dados para a sociedade, universalização da Educação e do acesso à saúde.A partir de 2009, resolvemos desembarcar desse caminho, fazendo exatamente o contrário.

P. A política contracíclica foi estendida...

R. Sim, começou a voltar a adotar medidas discricionárias, de escolher setores, de conceder benefícios. De transformar Brasília em um balcão em que os setores que estivessem em dificuldade batiam lá pedindo proteção, pedindo benefício, subsídio. O setor automobilístico não consegue competir, pede lá e consegue um programa especial. Apenas o custo dos juros subsidiados – a diferença entre o que o Tesouro paga para captar e o que o BNDES recebe ao emprestar – são 323 bilhões de reais. São 13 anos de Bolsa Família concedidos ao setor privado sem aumento relevante do investimento.

P. O fato de poder haver um processo de impeachment cobrando a falta de responsabilidade fiscal é um dado importante para esse debate?

Cada brasileiro vai terminar 2016, em média, 10% mais pobre do que começou 2014.

R.  O mínimo que o país espera é que o Governo tenha a responsabilidade de reportar números que correspondam a realidade. Tivemos números das contas de 2013 e 2014 que não correspondiam à realidade. Esta não é uma crise cíclica normal.

P. Agora há uma onda de discussão sobre novas eleições e a questão de que é preciso de um debate de uma conciliação de força...

R. Acho que não cabe a mim entrar nesse tema político. O que me preocupa são as soluções fáceis. As soluções que evitem e transgridam a constitucionalidade atual. O país fez uma escolha. Foi um desastre? Foi. Assim é a vida. Acho que a contribuição que posso dar é discutir o problemas reais da economia. Esses problemas não serão solucionados com uma simples troca de Governo. Para além da incompetência, existem problemas profundos que requerem uma agenda difícil. 

P. Caso o impeachment não passe, o governo Dilma Rousseff ainda tem condições de recuperar a confiança na economia e de buscar a solução para esses graves problemas?

O problema do Brasil é que a inação agrava o problema.

R. Acho que é consensual que a incompetência do atual Governo não deixa de surpreender. É uma sequência de medidas desastradas, independentemente da ideologia. Parte das mudanças que o Governo tentou fazer nos últimos tempos foi exatamente para voltar a ganhar algum tipo de direção. Agora, superar a grave crise que o país vive requer medidas estruturais que afetam – e que divide – a sociedade, e que não são simples. Você tem que rever o nosso regime de Previdência, a imensa concessão de subsídios e benefícios que foi distribuída nos últimos seis anos nessa agenda que se dizia desenvolvimentista, e que levou à grande recessão que o país vive. As regras de conteúdo nacional, todo o regime do pré-sal que o país adotou. Não são medidas simples, não vem de uma decisão apenas do Executivo, qualquer que seja ele. Acho difícil que uma agenda como essa seja encaminhada sem um debate democrático eleitoral, em que os temas sejam trazidos e a sociedade possa debater e fazer uma escolha sobre qual caminho tomar.

P. Quais as reformas mais urgentes?

R. Eu acho difícil uma retomada sem passar por um debate sobre a reforma da Previdência. Tem gente a favor e contra. Quem é contra que proponha outro caminho. Esse é a discussão que eu esperava que tivesse acontecido em 2014. Infelizmente, houve uma omissão lamentável tanto do Governo como da oposição. Espero que nos próximos debate eleitorais os temas sejam de verdade. Nosso regime de Previdência não é sustentável, quais são as opções? Alguns podem propor aumento de carga tributária outros de convergir com as idades mínimas do resto do mundo. Como é que lida com as vinculações com salário [mínimo]? E a nossa estrutura tributária, é justa ou não? Tem uma série de temas e espero que eles sejam discutidos. São difíceis. Sem um Governo que passe por um programa eleitoral em que sejam discutidos esses temas com clareza e transparência é muito difícil levar essa agenda adiante.

P. Caso o vice-presidente Michel Temer assuma o governo ele seria capaz de discutir esses temas? Qual a sua opinião sobre o programa econômico "Ponte para o Futuro" apresentado pelo PMDB?

R. O documento traz princípios para o debate, mas entre princípios e uma agenda que enfrente os problemas graves é preciso muito mais, como a capacidade de construir um apoio político que viabilize essa agenda. É um caminho muito difícil. Estou bastante cético de algo acontecer no futuro próximo. Há uma tendência a um sentimento de alívio, de melhora, com o eventual desfecho do impeachment em uma direção. Isso aparece aí nos preços [das ações e do câmbio], o que é compreensível dada a incompetência do Governo. Mas esse sentimento é exagerado. Pode gerar um movimento cíclico de certa euforia.

P. Ou seja, os problemas continuam?

R. Vão continuar existindo e não é uma agenda trivial, pelo contrário. O acúmulo de decisões equivocadas que foram adotadas de maneira desenfreada e descoordenada é impressionante. A estrutura tributária que já era muito complicada e difícil hoje é de uma complexidade, que diversos setores não sabem se estão pagando impostos corretamente. Você já não consegue saber qual é a regra tributária. As interpretações que vão se alterando, a regra era uma, depois é outra. Isso vale para o comércio exterior também. Você teve um retrocesso no ambiente de negócios do país. Isso se traduz em uma economia em que setores e empresas passando por sérias dificuldades. O que eu temo é que a crise mal tenha começado. E que o que vimos até agora seja apenas o prólogo de uma crise ainda mais severa. Você pode ter uma euforia nos preços de ativos, mas tem um setor real que está bastante fragilizado. E por outro lado, o setor público está incapacitado de pagar essas contas.

P. E as mudanças da nossa meta fiscal também agravam o quadro?

R. Promete-se o que não tem. Ao invés de enfrentar os problemas prometem entregas fiscais que não são consistentes. É essa que tem sido a norma há anos, no Governo passado os juros foram maquiados, diversos critérios que foram adotados para reportar um número diferente do real. Estão pagando agora a conta disso. Obviamente isso fragiliza e danifica a credibilidade. Se uma empresa fizesse o que o Governo fez, quem compraria ações dela? Uma empresa que maquia seu balanço, que registra o resultado que não teve, que diz que a despesa foi uma, mas na verdade foi outra. Foi isso que houve nos escândalos contábeis dos fins dos anos 90, quando as empresas mentiam sobre seus valores. Aqui no Brasil se deu um truque para reportar um balanço do Governo Federal que não correspondia à realidade, o que de fato foi gasto e arrecadado. Isso é grave. Acho até o nome das 'pedaladas' ruim. O que você fez foi apresentar uma balanço das contas públicas que não correspondia às despesas efetivas do exercício. Isso é maquiar o balanço.

P. Além disso teve a questão de contrair crédito....

R. É óbvio que para além disso, banco emprestar para acionista não pode, a legislação proíbe. E banco público não pode emprestar para o Governo [princípio da chamada pedalada fiscal].

P. Qual a grande dificuldade de se fazer o ajuste fiscal necessário?

R. Estamos caminhando para um déficit primário recorrente, tirando despesas extraordinárias, de 150 bilhões de reais e nada sendo feito. Esse déficit deve crescer 30 bilhões por ano. Se nada for feito podemos terminar esse Governo com uma dívida acima de 80% ou até 90% do PIB. É a maior dívida dos países emergentes.

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