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Panamá, um país feito por e para os advogados

Advogados de escritórios especializados em empresas de fachada estão nos cargos do Executivo

David Marcial Pérez
Cidade do Panamá.
Cidade do Panamá.Joe Raedle (Getty Images)

No Panamá, há quatro advogados para cada médico. São um exército de mais de 22.500, um para cada 183 panamenhos, a maior porcentagem per capita da América Latina. Sua condição de país de negócios – marcado pelo canal, pela sua imensa zona franca para o comércio e uma relaxada legislação tributária e financeira – tem fabricado uma legião de especialistas em leis, muitas vezes incorporados às altas esferas de poder econômico e também político. O próprio Ramón Fonseca Mora, o fundador da empresa de advogados colocada no centro do escândalo de vazamentos conhecido como Panama Papers, era até algumas semanas atrás ministro conselheiro e presidente do partido que está no poder. E pelo menos outros cinco cargos de alto escalão do governo, incluindo dois ministros, são advogados licenciados de escritórios especializados em empresas de fachada.

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A porta giratória que mais rodou foi a do ministro da Economia. Dulcidio De La Guardia passou por vários dos grandes bancos panamenhos até 2009, quando foi nomeado vice-ministro da pasta da Economia. Um mês depois de tomar posse do cargo público, foi contratado como diretor financeiro pelo escritório mais importante do país, Morgan & Morgan, apenas para dois anos depois voltar ao governo, agora na chefia desse mesmo ministério.

O ministro da presidência, Álvaro Alemán, especialista em direito fiscal e mercantil, conta com um escritório próprio – entre os 10 maiores –, herdado do seu pai. Enquanto que o vice-chanceler de Relações Exteriores e o diretor do registro público também são crias do Morgan & Morgan. A relação afetuosa entre a empresa de advogados e o governo data de cinco anos atrás, quando Eduardo Morgan Jr., sócio e filho do fundador do escritório panamenho com presença em três continentes, foi nomeado ministro de Justiça pelo ditador Omar Torrijos.

Nem todo advogado dedica-se apenas a administrar empresas offshore. Mas, como reconhece Juan Carlos Arauz, vice-presidente do Colégio de Advogados, o direito mercantil panamenho está profundamente condicionado por uma legislação que quase não foi modificada desde 1927, quando, inspirados pelo exemplo americano, abriram as portas para esses polêmicos veículos jurídicos: “Todo o direito corporativo está tão estabelecido na sociedade panamenha que a presença de advogados no governo não é tendenciosa”. O segundo homem na pasta de Relações Exteriores e sócio licenciado do Morgan & Morgan, Luis Miguel Hincapié, por exemplo, é especialista na “incorporação de estruturas offshore no Panamá, Belize e Ilhas Virgens Britânicas”, segundo o seu escritório. Seu nome aparece em 193 operações entre os documentos vazados aos quais o site panamenho Connectas, um dos colaboradores da investigação, teve acesso.

“No Panamá, não existe nenhuma legislação sobre o conflito de interesses, nem há alguma intenção de criá-la. Pode-se passar do público para o privado e vice-versa. Sempre aconteceu isso. Este é um país feito por advogados e para advogados”, afirma o professor catedrático de Direito Constitucional, Miguel Ángel Bernal. Desde a sua independência da Colômbia, no começo do século passado, a história do país foi atravessada pelo jogo de interesses comerciais e geopolíticos que rodearam o canal transoceânico. Desde a insistente presença dos Estados Unidos até o desenho de um andaime jurídico e bancário formulado para que o cliente tenha sempre razão.

A configuração da sua plataforma bancária na década de 1970 – embora em plena ditadura –, com soltas vantagens fiscais e de confidencialidade, foi um imã para o capital internacional. O pequeno país da América Central conta com a presença de 90 bancos – o dobro que no México, mais que o triplo que na Espanha –, que ano passado somaram um total de 118.477 bilhões de dólares em ativos (423 bilhões de reais). Embora tenha havido alguns avanços na legislação, o Panamá segue aparecendo em muitas das listas de paraísos fiscais.

“Há advogados demais no governo que vieram do setor offshore. Às vezes, duvidamos se realmente representam os interesses de quatro milhões de panamenhos ou o seu setor”, afirma o representante da Transparência Internacional no Panamá, Ramón Arias. A princípio, não é uma questão diretamente econômica. Um ministro panamenho ganha por volta de 7.000 dólares (equivalente a 25.000 reais) por mês, enquanto um sócio de um dos grandes escritórios passa dos 25.000 dólares mensais (90.000 reais), mais variáveis. Trata-se mais de uma fascinação pelo poder e principalmente de como o cargo público engorda a agenda de contatos.

Fonseca Mora, o homem que se gaba de ter criado mais de 240.000 empresas e cujo vazamento voltou a colocar sobre a mesa da comunidade internacional a necessidade de tapar os furos da falta de transparência financeira global, foi ministro com os dois últimos presidentes panamenhos. Seu filho, Eduardo Fonseca Ward, foi nomeado, dois anos atrás, cônsul-geral nos Emirados Árabes Unidos, onde está uma das sedes da empresa de advogados do seu paí. Alfredo Fonseca Mora, outro de seus filhos, é o atual diretor-geral da Autoridade Aeronáutica Civil.

Os escritórios dos atuais ministros informam que seus antigos empregados estão temporariamente licenciados das empresas. Um dos assessores da chancelaria de Relações Exteriores combina, no entanto, os dois papéis. Gian Castillero é um dos pesos pesados nas negociações do Panamá com organismos internacionais sobre a luta contra a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal. E simultaneamente, aparece na lista de sócios do Arifa, outro dos grandes escritórios. O nome de Castillero também está relacionado a até 90 empresas nos vazamentos dos chamados Panamá Papers.

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