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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

A Espanha não é país para pactos

Passados 110 dias das eleições gerais já fica claro que em 26 de junho os espanhóis terão de voltar a votar

Pablo Iglesias, líder do Podemos.Foto: atlas | Vídeo: ULY MARTÍN / ATLAS

Acabou.

Passados 110 dias para as eleições gerais na Espanha fica claro que em 26 de junho será preciso votar novamente, pela primeira vez na democracia e com muitos poucos precedentes no mundo. Depois de escutar de todas as partes que “a mensagem dos espanhóis é que entremos de acordo e façamos um pacto”, chegamos ao 26 de junho.

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Restam-nos alguns dribles sem bola. Por exemplo, a consulta do Podemos às suas bases. O partido nascido do Movimento 15-M perguntará às bases se apoiam ou não um Governo do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o novo partido Cidadãos e se estão de acordo com uma coalizão com os socialistas e os minoritários Esquerda Unida-Unidade Popular e Compromís. A consulta é claramente induzida já na sua formulação, ao falar de “pacto Rivera-Sánchez” (candidatos do Cidadãos e do PSOE) e ao contrapô-lo à ideia básica de que todos os simpatizantes preferirão sempre seu Governo ao alheio. Ou seja, a segunda pergunta anula a primeira.

Também ao condicionar o futuro dos membros da direção ao resultado, lembrando (embora o líder do Podemos, Pablo Iglesias, não goste da comparação) a pergunta retórica do ex-presidente de Governo Felipe González (PSOE) quando do referendo da OTAN (1986): “Quem administra o Não?”. O jogo dos três copinhos com a bolinha volta a ser manejado.

Resta a repartição das culpas, que será quase a única mensagem eleitoral de cada um dos partidos. O que os partidos submeterão aos espanhóis em 26 de junho não serão os programas ou as ideologias, mas a responsabilidade pela falta de acordo e a repetição das eleições. E é possível que todos tenham sua parcela de razão e nenhum a culpa. A culpa, como o prêmio da loteria de Natal, está bastante distribuída.

O governante Partido Popular (PP) de Mariano Rajoy tem mantido com insistência, mas sem ações, o acordo com o PSOE e o Cidadãos, embora os socialistas tenham vetado o PP desde o primeiro dia. Desse ponto não pôde nem quis mexer-se, embora vá tentar antes do 20 de abril, saindo da letargia invernal, mesmo sendo pelo “o que as pessoas vão dizer”. O PSOE fez um pacto com o Cidadãos sem alcançar a cifra de cadeiras necessárias, mas evitou um acordo com o Podemos, entre outras coisas, por muitas e poderosas pressões externas, e fugiu do respaldo dos independentistas, necessário aritmeticamente.

Pedro Sánchez tentou encaixar a marteladas peças incompatíveis, com mais vontade do que acerto no resultado, sem disparar balas como a proposta de ministros independentes aceitos por todos. E com a ideia da mudança que os unia contra o PP, que não foi suficiente. Sánchez optou pelo Cidadãos com o risco de dar a impressão de que levava seu partido para a direita, e só conseguiu sua frase óbvia de “pôr em marcha o relógio da democracia” porque senão estaríamos ainda no limbo de não ter nem o horizonte do 26 de junho. Logrou o aval das bases socialistas embora tenha sido com pergunta ambígua e vivendo em uma permanente ilusão de ótica. Fez o mesmo que González quando optou em 1993 pela direita nacionalista e evitou pactuar com a Esquerda Unida. Na Espanha, historicamente, dois partidos de esquerda sempre querem acabar um com o outro.

O Podemos jogou a cartada da concessão e flexibilidade, sem ir além de sua oferta de Governo, e dando a impressão de que sempre quis eleições para alcançar seu grande sonho de superar o PSOE. Ou, seguindo a lógica que aplica ao pacto do PSOE de alterar a ordem dos signatários, de um Governo de Iglesias presidido por Sánchez, que foi visto como um insulto por muitos dirigentes e bases do PSOE por um excesso de arrogância. Essa impressão dos socialistas se manteve com a acusação da “cal viva” na sessão plenária da investidura.

Pablo Iglesias, sempre o líder do martirológio, se demitiu como vice-primeiro-ministro sem tomar posse e na quinta-feira apresentou uma oferta que sabia que os demais na mesa não podiam aceitar, e nem sequer esperou a resposta final na segunda-feira para encenar a ruptura. Não obstante, é preciso reconhecer que reduziu as condições imprescindíveis nestes 110 dias: os quatro grupos parlamentares para as alianças, não se sentar com o PSOE enquanto falava com o Cidadãos ou conduzir à Catalunha a que era a exigência necessária da consulta de autodeterminação.

Antes de romper fez da palavra “concessões” seu mantra para o 26 de junho.

O Cidadãos tinha o papel do acordo e o tentou, salvo para chegar a um pacto com o Podemos, que vetou de diferentes formas até o final. Pactuou com o PSOE com o risco de perder sua equidistância, mas não teve a menor flexibilidade para completar o quebra-cabeças com o Podemos. Na quinta-feira os negociadores de Albert Rivera se comportaram como os donos de uma casa que recebem uma visita que os desagrada e não param de fazer cara feia e mostrar-se incomodados até que os visitantes vão embora precipitadamente. E antes da reunião Iglesias e Rivera ou Rivera e Iglesias se comportaram no plenário do Congresso como os protagonistas da velha política que tanto combateram com a etiqueta do “e você também”.

Uma das conclusões é que tudo o que o Congresso fez desde janeiro não serviu para nada. Caem todas as iniciativas para deixar sem efeito leis rejeitadas como a lei da mordaça, a reforma trabalhista, a Lei Orgânica para a Melhora da Educação (Lomce) ou a Lei do Ajuizamento, que continuarão em vigor por muito tempo se, como parece inevitável, houver novas eleições.

Não será também aprovada uma lei do Podemos, que o grupo considera emblemática para solucionar situações de emergência de cidadãos que sofrem. Será discutida na terça-feira em plenário, mas não será aprovada porque cairá em 2 de maio (quando se dissolveria o Parlamento se não houver acordo para um Governo).

E todos se arriscam a que se repita o mesmo resultado ou a piorar a sua situação. O PP se arrisca a que o Podemos fique à frente do PSOE e governe; o Podemos a ficar em terceiro e perder a hegemonia da esquerda; o Podemos a perder cadeiras e ver um Governo do PP com Rajoy em La Moncloa; e o Cidadãos a perder seu papel decisivo. Tudo isso com a interrogante sobre se o Podemos se unirá à Esquerda Unida.

Ao voto. E a considerar que talvez este não seja um país para pactos.

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