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O jornalismo livre que começa a brotar em Cuba

Dois meios de comunicação, dirigidos por jovens, surgem sem esperar a tão almejada abertura

Abraham Jiménez e Elaine Díaz, diretores de dois novos jornais.
Abraham Jiménez e Elaine Díaz, diretores de dois novos jornais.PABLO DE LLANO
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Alguns chamam o que está acontecendo em Cuba de “transição”; outros falam em “abertura”; outros, ainda, qualificam este momento cautelosamente como um “processo”, palavra que refletiria melhor a incerteza com relação ao porto aonde poderá chegar a reforma interna do socialismo cubano. Mas, em um nível mais próximo do chão, ocorrem coisas concretas que acabam sendo mais eloquentes do que as classificações teóricas. Como, por exemplo, o recente surgimento de dois veículos de comunicação digitais independentes produzidos na ilha por jovens cubanos: El Estornudo e Periodismo de Barrio.

“Foi a conjuntura que fez com que nascêssemos”, diz Abraham Jiménez Enoa, havanês de 27 anos, diretor do El Estornudo. “Essa mesma conjuntura que levou um presidente dos Estados Unidos a visitar Cuba pela primeira vez em 88 anos é também o orifício pelo qual passaram o nosso Estornudo [espirro] e outras iniciativas”.

"Em nosso país, há duas formas de encarar a mudança: na teoria ou fazendo coisas"

Elaine Díaz, 30 anos, fundadora do Periodismo de Barrio [Jornalismo de Bairro], o define como uma vitória da necessidade contra a divagação. “Em nosso país, há duas formas de encarar a mudança: na teoria ou fazendo coisas. E nós decidimos mostrar que em Cuba deveria haver uma forma de gestão não estatal dos meios de comunicação que seja capaz de produzir um jornalismo sério, profundo, de investigação, fiel à cidadania e não necessariamente ao Governo”.

Mas a prioridade do governo cubano são as reformas econômicas. Embora o presidente Raúl Castro e seu vice-presidente e tido como sucessor em 2018, Miguel Díaz-Canel, tenha afirmado que a imprensa de Cuba precisa deixar a sua mediocridade oficialista, nada de concreto em relação a isso aconteceu até o momento. Espera-se que no VII Congresso do Partido Comunista (16-18 de abril), esse seja um dos temas em pauta e que, antes de que Castro conclua seu segundo e último mandato, a Assembleia Nacional aprove uma Lei de Imprensa.

“É urgente uma legislação que confira autonomia aos meios de comunicação”, afirma Rafael Hernández, diretor da revista Temas, publicada pelo Ministério da Cultura. “A questão da autonomia não é apenas uma necessidade da imprensa, mas sim algo fundamental para a transformação do funcionamento de todo o setor estatal”.

"É urgente uma legislação que confira autonomia aos meios de comunicação"

Enquanto a estrutura não avança, vão surgindo no panorama informativo dentro de Cuba alguns veículos de comunicação alternativos, como OnCuba, propriedade de um empresário cubano-norte-americano, ou 14ymedio, dirigido por Yoani Sánchez, embora este jornal digital, dado o seu forte perfil oposicionista, esteja proibido, e o acesso a ele, na ilha, vetado. A eles se soma, agora, a geração da lenta mas progressiva abertura oficial da Internet.

Desde que nasceu, em abril do ano passado, Periodismo de Barrio publicou cinco edições em sua página na web, gerenciada por Elaine Díaz a partir da praça pública com wifi mais próxima de sua casa. “Meu escritório é o primeiro banco que estiver desocupado”, brinca a diretoria, que foi estimulada a partir da bolsa de estudos que conseguiu em Harvard entre 2014 e 2015.

"O que queremos é falar sobre Cuba sem nenhum tipo de militância"

Sua equipe é composta por cinco redatores em tempo integral e seis colaboradores. Sua linha editorial tem um perfil muito bem definido: “Renunciamos às colunas de opinião, tão abundantes em Cuba, para focar em reportagens investigativas sobre comunidades fragilizadas, como as que são atingidas pelo aquecimento global, e sobre novas formas de desenvolvimento local, forjadas pela população, que possam ajudar os municípios a resolverem os seus problemas”.

El Estornudo começou a ser publicado no último dia 14 de março, Dia da Imprensa em Cuba, uma semana antes da chegada de Barack Obama. “O que nós queremos é falar sobre Cuba sem nenhum tipo de militância, e, se algum senhor vermelho, azul ou verde não gostar, já não será nossa culpa”, afirma Jiménez Enoa. São oito redatores e quatro colaboradores, vários deles no exterior. O seu Estornudo, conclui o jornalista cubano, “é a reação alérgica a um problema do nosso organismo”.

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