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Rússia e Estados Unidos negociam a paz na Síria em clima de Guerra Fria

Envolvidos no conflito e seus aliados manobram à sombra das grandes potências

Juan Carlos Sanz
Moradores de Aleppo se abastecem com alimentos, na quinta-feira.
Moradores de Aleppo se abastecem com alimentos, na quinta-feira.Alexander Kots (AP)
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O primeiro-ministro da Rússia, Dmitri Medvedev, já havia reconhecido com sinceridade. "Se as operações de vários países começam sobre o terreno, será uma guerra de todos contra todos", declarou esta semana ao jornal alemão Handelsblatt. "Os norte-americanos e seus aliados árabes têm de decidir se querem ter um conflito permanente na Síria", acrescentou o primeiro-ministro, em uma advertência que lembra a estratégia de dissuasão da Guerra Fria.

O objetivo é evitar males maiores: previsivelmente a intervenção terrestre de forças turcas e sauditas em apoio aos rebeldes contrários ao regime de Bashar al-Assad. A decisão adotada em Munique, na madrugada da sexta-feira, implica o reconhecimento da supremacia de Washington e Moscou sobre os cerca de vinte países envolvidos, de uma forma ou de outra, no conflito, controlando o avanço dos aliados sem a menor cerimônia. O objetivo é simplesmente evitar outra guerra mundial que inevitavelmente seria travada entre as duas grandes potências. A uma semana de um eventual cessar-fogo, e com todas as céticas precauções sobre a mesa, este seria, grosso modo, o panorama atual da batalha síria e do ambiente internacional.

Regime. O Governo de Damasco sai mais forte depois de quase duas semanas de bombardeio russo para cortar as linhas de abastecimento de milícias rebeldes no norte do país. Al-Assad, que em meados do ano passado parecia encurralado em seu feudo da região mediterrânea de Latakia, agora se atreve a anunciar que vai continuar lutando contra a oposição, embora ainda negocie em Genebra, e antecipa que sua estratégia é a de uma "longa guerra" para recuperar o controle de todo o país.

Aliados do regime. Enquanto a Rússia leva o peso do esforço militar, com uma caríssima operação de bombardeiros e mísseis, os Guardiães da Revolução do Irã e a milícia xiita libanesa Hezbollah pagam um alto preço com as vidas de dezenas de combatentes no terreno.

Oposição. Os partidos e milícias integrados ao Alto Comitê Negociador se recusavam, no final de janeiro, a negociar com o regime na sede da ONU, em Genebra. Exigiam condições como o fim dos bombardeios, a libertação de prisioneiros e o envio de ajuda humanitária a centenas de milhares de civis sitiados pelas forças do Governo. Após a campanha de bombardeios russos em Aleppo, seu porta-voz enviava na sexta-feira a seguinte mensagem para a imprensa internacional: “Vamos nos ver em breve em Genebra".

Jihadistas. A Frente Al-Nusra, braço da Al-Qaeda na Síria, está sofrendo com os ataques da aviação russa. Qualificado como grupo terrorista pela ONU, sua aliança com forças islâmicas enquadradas no Alto Comitê Negociador tem servido como pretexto para o Kremlin bombardear descaradamente a oposição síria no norte do país. O Estado Islâmico (EI) parece manter um perfil discreto no cenário atual. Acuado no Iraque diante de uma batalha iminente em Mossul, tendo perdido em 2015 mais de 15% do território que controlava na Síria, muitos de seus combatentes estrangeiros estão deixando a frente para se instalar na Líbia, de acordo com os serviços de inteligência dos EUA.

Curdos. O Partido da Unidade Democrática (PYD) e suas milícias das Unidades de Proteção Popular (YPG) controlam grandes áreas do nordeste do país e contam com o apoio dos EUA. A Turquia vetou a presença desses grupos nas negociações de Genebra.

Turquia. A estratégia do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, parece não ter dado outro resultado a não ser o isolamento. Ancara tem se enfrentado com o Kremlin após a derrubada de um avião russo em sua fronteira, e com Washington, ao não permitir que os militantes curdos sírios ultrapassem as linhas do Estado Islâmico na fronteira entre a Síria e a Turquia. Agora volta a usar a ameaça da recente onda de refugiados de Aleppo e sua região.

Arábia Saudita e países do Golfo. Riad morre de vontade de intervir com forças especiais no terreno, oficialmente para lutar contra o EI. Por enquanto, o Governo saudita continua se movimentando na Síria de acordo com o ritmo ditado pelos russos e norte-americanos, enquanto tenta ganhar influência sobre o Comitê Negociador da oposição.

Ocidente. Os Estados Unidos concentram suas operações na região na luta contra o Estado Islâmico, através da coalizão internacional na qual é líder e com bombardeios aéreos contra o califado desde meados de 2014. A Europa — habitual hóspede indesejável, embora alguns países participem da coalizão dos EUA — vai esperar até o dia em que chegue a conta para a reconstrução de um país devastado.

Israel. Não é sua guerra, diz, mas está preocupado com a possibilidade das forças xiitas do Hezbollah e do Irã se instalarem em suas fronteiras com o Líbano e com a Síria.

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