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Felipe González: “Os líderes do Podemos são puro leninismo 3.0”

O socialista explica seu ponto de vista sobre a atual crise política na Espanha após as eleições

Felipe González, em seu escritório em Madri.
Felipe González, em seu escritório em Madri.ULY MARTÍN
Antonio Caño

Como lembra nesta entrevista, faz 20 anos que Felipe González deixou o Governo e 19 desde que deixou a Secretaria-Geral do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). No entanto, sua influência dentro de seu partido e na sociedade não só não diminuiu neste tempo, mas aumentou agora que a Espanha vive a ansiedade de uma crise política de difícil solução e de consequências incertas, depois que as eleições gerais de 20 de dezembro do ano passado terminaram sem um claro ganhador.

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Depois de vários dias nos quais seu silêncio foi interpretado de muitas maneiras e sua posição manipulada para beneficiar interesses particulares — “estou cansado de que interpretem o que acham que penso ou deveria pensar” —, González explica ao EL PAÍS seu verdadeiro ponto de vista sobre a situação atual e oferece um marco no qual uma solução pode ser encontrada.

Para isso, afirma o ex-chefe de Governo, é necessário que os dois principais partidos do país, o conservador Partido Popular (PP) e o social-democrata PSOE, ambos derrotados nas recentes eleições, deixem de lado as preocupações sobre seu futuro e coloquem à frente os interesses da Espanha. Defende um projeto de reforma que supere a imobilidade praticada durante os últimos anos pelo atual presidente Mariano Rajoy e o liquidacionismo que pretende Podemos.

González descreve como “irresponsabilidade” a decisão de Rajoy de, após reunião com o rei Felipe VI, renunciar a formar um Governo sem se retirar ou permitir que outro líder do seu partido tentasse. Também alerta sobre os riscos de um pacto do PSOE com o Podemos, também de esquerda, afirmando que este novo partido, que acaba de estrear no Congresso, pretende “liquidar o marco democrático de convivência e, também, os socialistas”. Não defende nenhuma combinação precisa para formar um Governo. Prefere um que seja progressista e reformista, mas admite que é muito difícil porque não há uma maioria dessa natureza no recém eleito Parlamento. Em todo caso, recomenda que nem o PP nem o PSOE impeça que o outro forme Governo se eles próprios não conseguirem.

Pergunta. Acha que a crise atual pode ser a prova de que o sistema político espanhol está em crise?

Resposta. Faz algum tempo que o sistema surgido a partir da Transição [para a democracia] e da Constituição de 78 apresenta sintomas de deterioração. Depois de mais de três décadas, que devem ser classificadas como um sucesso histórico para a Espanha, o sistema precisa de reformas e mudanças que o regenerem. Mas as atitudes imobilizadoras e liquidacionistas diminuem o espaço para propostas de reforma que são cada vez mais necessárias.

A crise financeira e suas terríveis consequências econômicas e sociais aceleraram a sensação de que são necessárias mudanças. Muitos cidadãos veem que estão em perigo os direitos que consideram adquiridos, na saúde ou educação, por exemplo. Mas eles também sofreram um ajuste com base no desemprego, na diminuição dos salários, na precarização e na consequente perda de dignidade do trabalho. Agora, na recuperação frágil, os cidadãos continuam vendo que as desigualdades não são corrigidas. A sensação de cansaço aumenta com a série permanente de casos de corrupção, tanto os que chegam à justiça como os que continuam aparecendo.

A crise aumenta de tamanho pelo surgimento do separatismo, que representa um desafio para uma Espanha que foi um espaço público comum por 500 anos. A própria União Europeia errou na abordagem desta crise que afeta a todos, e a Espanha é cada vez menos relevante nas decisões da União.

Então, na verdade, vivemos uma espécie de final de ciclo, sem que apareça um projeto reformista essencial para a Espanha. Na década de oitenta, sabíamos onde estávamos e o que queríamos ser, mas, como outras vezes na história, parece que saímos da estrada e não sabemos nem para onde vamos ou quem somos. Falta um projeto reformista para a Espanha.

Não deveriam negar a possibilidade de um Governo se não conseguem formar

P. Por que, então, o PP foi o partido mais votado?

R. Isso é um fato, porque a concentração de voto da direita em torno ao PP foi maior do que os votos no espaço à esquerda. Aconteceu o que já disse em outras ocasiões: um Parlamento modelo italiano, mas sem italianos para lidar com isso. Mas o relevante é que o PP não foi capaz de ler o resultado como o que é: uma derrota. Não só por perder quase 60 deputados, mas porque está sendo rejeitado pelos outros partidos. Isto é, a maioria do Parlamento é muito crítica com a gestão do Governo e seu comportamento nos últimos anos.

É notável que seja muito forte a rejeição a Rajoy, que não quis nem quer assumir responsabilidades como dirigente do PP e do Governo. Igualmente forte é a rejeição a Pablo Iglesias pela reação que inspira sua política liquidacionista. Mas nenhum dos dois quer fazer essa interpretação.

P. E o Partido Socialista? Pedro Sánchez apareceu na noite da eleição comemorando um resultado que classificou como “histórico”. O Partido Socialista soube interpretar o resultado?

R. Acho que essa leitura errada dos resultados também afeta o Partido Socialista, que sofreu uma clara derrota nas urnas e deveria ter considerado a vontade dos cidadãos.

Além disso, estão confundindo a ideia de que em um eixo de esquerda e direita, há mais votos na esquerda, como aconteceu quase sempre. Por causa dessa ideia acham que as possibilidades de um Governo de esquerda são maiores do que diz a realidade, não só na aritmética parlamentar, mas nas necessidades de que haja um Governo progressista e reformista, com base suficiente para cumprir sua missão.

“Quero que a Espanha tenha Governo. Eu prefiro que seja progressista e reformista”

P. Existe uma maioria progressista no Parlamento?

R. Eu gostaria que houvesse uma maioria progressista e reformista, porque isso seria a opção que preferiria como a melhor para a Espanha. Mas analisando a representação parlamentar não acho que exista. Isso não contradiz que tampouco existe uma maioria conservadora. Daí a dificuldade em que nos encontramos.

P. O senhor está desapontado ou preocupado com essa falta de uma maioria progressista?

R. O que mais me preocupa é a necessidade de um Governo para a Espanha com base em um programa que permita reformas na Constituição, no sistema eleitoral, na educação, na saúde e nas relações industriais. Mas ninguém está falando disso. Acho que falam mais dos votos para a posse que de votos para desenvolver um programa de Governo a serviço dos espanhóis.

Quando digo isto, não estou falando de revogar leis passadas, mas de propostas reformistas e dos votos que elas precisam para serem aprovadas. Em suma, penso que os cidadãos esperam diálogo e acordos neste cenário de forças eleitas fora do bipartidarismo imperfeito das últimas décadas, que parece claro que ficou para trás.

P. Então, quem deveria tentar formar Governo?

R. Em princípio, a ordem lógica é que tente a minoria com mais votos e representação, que é o PP. Mas esse espetáculo montado na última sexta-feira na ronda de consultas ao Rei, tanto por Iglesias como por Rajoy, não é indicativo de que este último nem seu partido estejam levando a sério sua responsabilidade. Essa jogada do candidato do PP, recusando-se a tomar posse e ao mesmo tempo manifestando que não vai renunciar, é de uma irresponsabilidade difícil de classificar. O que pretende? Propõe que outros entrem em choque e depois se oferecer como a única solução? Terá pensado nas implicações que terá essa jogada para todas as instituições? Está pensando apenas em si mesmo, sem levar em conta os interesses da Espanha?

P. Como o senhor mencionou, esses episódios da posse aconteceram com o envolvimento do Rei. Acha que isso compromete de alguma forma o papel do Rei?

R. O Rei é um chefe de Estado com a vantagem de que deve trabalhar com neutralidade em relação às opções políticas em jogo. Isto exige um respeito por parte dos líderes políticos para preservar essa neutralidade no marco da Constituição e das leis. Por isso me preocupa o jogo partidário da sexta-feira passada, quando terminou a primeira rodada de consultas. Ninguém tem o direito de dizer ao chefe de Estado que não aceita nem vai renunciar, como fez Rajoy.

P. Se for confirmada a renúncia de Rajoy, é possível um Governo progressista liderado pelo PSOE?

“O cerco que fez o PP na Andaluzia com Podemos não é um exemplo a imitar”

R. Se considerarmos a aritmética parlamentar, é possível esse Governo, mas com enormes dificuldades para realizar as tarefas colocadas para um Governo reformista e progressista. Obviamente, Pedro Sánchez deve cumprir o mandato dos eleitores e também do comitê federal do Partido Socialista e deve tentar se o candidato do PP fracassar, seja ou não Rajoy.

Para fazer isso, tem que conversar com todo mundo, já que isso é o diálogo, e deixar claro com que programa para a Espanha está disposto a governar. Reitero que não se trata de somar votos para a posse, mas de ter uma base de apoios coerente para governar, que não é o mesmo.

Não se deve aceitar o comportamento arrogante dos líderes de Podemos, com humilhações que expõem quais são suas verdadeiras intenções. Esses dirigentes, com o devido respeito que merecem seus eleitores e os grupos que se juntaram às várias plataformas, querem liquidar, não reformar, o marco democrático de convivência, e, junto com ele, os socialistas, com posições parecidas às praticadas por seus aliados na Venezuela. Mas ocultam isso de forma oportunista. Da mesma forma, pararam de falar da Grécia quando seus amigos mais precisavam. São puro leninismo 3.0.

Para piorar a situação, também apresentam dissimuladamente [o princípio da] autodeterminação, algo que contradiz um projeto para a Espanha como espaço público compartilhado por 46 milhões de cidadãos que querem ser tratados como tal, também para decidir em igualdade de direitos e obrigações seu destino comum.

P. Acha que é legítima a formação de um Governo cuja única coincidência é ser anti-PP?

R. Não gosto de Governos anti o que for, apesar de ter passado por isso. Lembremos “fora o Sr. González”. Os Governos devem propor projetos, não negar o dos outros.

Mas não é um problema de legitimidade, como você diz. É óbvio lembrar que para as reformas que a Espanha precisa é preciso contar com o PP em muitos casos, porque essa é a realidade parlamentar. Da mesma forma, parece lógico exigir que o PP diga o que está disposto a fazer por convicção e, portanto, é lógico esperar que faça isso, se estiver no governo ou se passar para a oposição.

“As atitudes imobilistas e liquidacionistas diminuem o espaço para propostas de reformas muito necessárias”

P. O senhor é a favor de uma grande coalizão entre PP, PSOE e Cidadãos [emergente partido de centro-direita]?

R. De maneira nenhuma. Parece uma proposta que nasce de um fracasso e que não poderia governar a Espanha no médio prazo. O fracasso é o da estratégia que alguns chamam de “Governo do Ibex”, uma soma PP-Ciudadanos que era majoritária, criando assim um cerco contra o Partido Socialista apoiando o crescimento de Podemos. Lembram de Rajoy em 6 de dezembro, animando Iglesias? “Você está indo bem, Pablo, você vai bem”, dizia a ele.

Isso falhou, e passaram do slogan “é preciso salvar o soldado Sánchez”, concebido para afundar o candidato, a fazer de Sánchez o responsável pela estabilidade que sugerem, depois das eleições de 20 de Dezembro.

Para piorar, deixar o espaço da oposição a Podemos é uma grande estupidez, ainda mais do que um erro, gerada pela falta de visão da Espanha no médio prazo. Olha, se não realizam as reformas que precisamos, incluindo a regeneração democrática contra a corrupção desenfreada que nos inunda todos os dias, estamos contribuindo para alimentar aqueles que querem liquidar o marco democrático de convivência que temos.

P. Qual é então o melhor Governo possível?

R. Isso é pedir demais em uma entrevista como essa, mas acho que chegou a hora de olhar para os cidadãos e abandonar estratégias do “jogo das três tampinhas” como vimos na última sexta-feira. Ninguém ficaria surpreso que a esta altura da minha vida eu prefira um Governo com um acordo de programa para a Espanha, porque precisamos dele, mesmo se não for o Governo do meu gosto pessoal.

Poderíamos contar o número de deputados em duas dimensões: a de esquerda e direita ou a dos que podem somar em um projeto reformista para a Espanha, um eixo no qual entram aqueles que querem acabar com essa realidade ou colocá-la em risco.

“Vivemos um final de ciclo... Não sabemos nem para onde vamos nem quem somos. Falta projeto reformista para a Espanha”

Se os partidos políticos estivessem discutindo programas de Governo, em vez de aritméticas parlamentares incompatíveis no todo ou em parte com um Governo estável, seria uma resposta menos complicada.

Mas o ambiente não é esse. É um momento mais de resgates curtos e oportunistas, ou de sobrevivência pessoal como a de Rajoy, do que de olhares mais a longo prazo para responder aos desafios da Espanha.

P. Algum exemplo desses resgates curtos?

R. Um exemplo: PP e Cidadãos somariam 163 deputados. Por outro lado, o PSOE, Podemos e a Esquerda Unida somariam 161 deputados. Este último seria uma espécie de tripartite, que dependeria, para conseguir maioria do mesmo número de deputados, mais ou menos, que dependiam os do bipartite anterior, mas em condições menos compatíveis, porque derivaram em posições de ruptura da Espanha, mais do que de acordos para governar.

Portanto, o PP poderia tentar, com Rajoy ou com outro candidato, com Cidadãos, para começar com o encargo do Rei.

Também poderia ser o PSOE, conversando e negociando com Cidadãos e juntando a Podemos, mas deixando claro os elementos essenciais para que se possa falar de um Governo para a Espanha.

Em suma, é preciso entender a nova realidade que quiseram os eleitores, que exige diálogo e acordos. E isso pode ser repetido, em piores condições, se os políticos não assumirem o resultado e devolverem a responsabilidade, que cabe a eles, aos cidadãos em novas eleições.

P. E um governo do PSOE com Cidadãos? Acha isso possível?

R. Tentar chegar a um acordo com Cidadãos dentro da aritmética parlamentar significa ter uma base para as reformas que precisamos. Se falamos de Governo de reformas e de progresso, devemos ter bases programáticas e número de deputados para apoiá-lo. Neste exercício, o PP precisa esclarecer se as suas posições programáticas, mesmo na sombra, são por convicção ou por oportunismo de Governo. Porque não teremos profundas reformas se o PP praticar a vetocracia.

P. O que deve ser feito com a crise da Catalunha durante este período de Governo provisório?

R. Que haja um Governo provisório não significa que exista um vazio de poder. Se alguém acha isso, está errado.

A democracia exige que a lei, tanto a Constituição como os Estatutos, sejam cumpridos, mesmo para mudá-la. Sem essa premissa, colocamos em perigo a própria democracia e o marco de convivência que criamos entre todos os espanhóis. Se alguém ignora a lei, o Governo tem a obrigação de restaurá-la. E existem, além disso, os instrumentos parlamentares para isso.

“O PP não leu o resultado da forma correta: uma derrota. Não só por perder 60 deputados, mas por sua rejeição no Parlamento”

Sou muito crítico com o imobilismo e gosto pouco da resposta judicial, porque acho que o prioritário na política é uma resposta política como passo essencial. A imobilidade tende a se amparar no Tribunal Constitucional ou outras variantes, porque não cumpre com sua obrigação.

Por isso, cumprida a lei como condição democrática, deve existir uma clara disposição para o diálogo, algo que está sendo obstaculizado nos últimos anos.

P. Na sua opinião, que papel seu partido deveria exercer em uma situação como a atual?

R. Não sou o responsável pelo partido, nem tenho responsabilidade institucional. Faz 20 anos que saí do Governo e 19 anos que deixei a Secretaria-geral do Partido Socialista. Não cabe a mim decidir.

Gosto que haja debate e que sejam adotadas posições claras diante dos cidadãos, mantendo a união. Eu opino como cidadão que vota e milita no PSOE, com a carga da experiência vivida na Espanha, na Europa, na América e em outros lugares.

Também sou prudente na hora de dizer o que penso aos líderes do partido. Se me perguntam, eu respondo, mas sempre tentando não me intrometer.

Às vezes, sofro, porque estou em desacordo com uns ou com outros, inclusive com uns e com outros, mas tento ser prudente sem perder a liberdade e a responsabilidade como cidadão e eleitor.

Aceitei agora esta entrevista porque estou cansado de que outros interpretem o que acham que eu penso ou deveria pensar, dependendo de gostos e interesses. Como qualquer pessoa, posso me equivocar. É algo que tenho direito, mas eu gostaria de não interferir, sem renunciar a opinar quando quero ou creio que preciso fazê-lo.

Portanto, eu entendo a inquietação, mas não cabe a mim decidir o que o partido deve fazer. E isso é algo que assumo com serenidade.

Felipe González, junto à política da oposição venezuelana Lilian Tintori, durante visita a Caracas, em junho.
Felipe González, junto à política da oposição venezuelana Lilian Tintori, durante visita a Caracas, em junho.M.G. (EFE)

P. A partir dessa liberdade pessoal, o que o senhor acredita ser um projeto progressista no atual momento da Espanha?

R. Precisamos recompor as fraturas na coesão social das políticas que foram adotadas durante a crise, e fazer isso com critérios de sustentabilidade, tendo em vista o momento que vivemos na Espanha e no mundo.

Eu diria que necessitamos uma economia social de mercado, algo que está sendo questionado na Europa, apesar de ser parte de sua identidade fundamental. São muitas as desigualdades provocadas na Espanha, e é preciso corrigi-las com um modelo econômico capaz de combinar a necessidade de sermos competitivos para gerar riqueza e de redistribuir com justiça o excedente gerado.

Temos que dignificar o trabalho, superando a precariedade, melhorando os salários e relacionando-os à produtividade. Temos ainda que restaurar nosso sistema de acesso universal à saúde; entrar em acordo em relação uma reforma educacional, de maneira mais geral, e do ensino superior, mais concretamente. E também apoiar seriamente, e não só com palavras, a pesquisa e a inovação, para melhorar nossa capacidade de competir e gerar empregos dignos.

Deveríamos federalizar nosso modelo autonômico, garantindo a descentralização política e o financiamento, preservando o poder do Governo central como responsável pela igualdade de direitos e deveres de todos os cidadãos. Como você pode ver, acredito em uma descentralização política que reconheça e garanta a diversidade, mas não creio em uma centrifugação que coloque em risco a própria realidade da Espanha.

É preciso levar a sério a reforma da lei eleitoral e mais a sério ainda, por sua gravidade, a regeneração do sistema, para lutarmos com rigor contra as práticas corruptas que estão nos afogando.

Essa é apenas uma parte das coisas que deveriam estar sendo debatidas e sendo acordadas entre os responsáveis políticos, para sairmos o quando antes desse jogo de sombras.

Afinal, progredir é fazer reformas diante da imobilidade e do liquidacionismo, dois fenômenos que acompanham nossa história há demasiado tempo. Se fomos capazes de superá-los durante a Transição, por que não conseguiremos fazer isso agora?

“Analisando a representação parlamentar, não creio que exista uma maioria progressista e reformista, que seria a opção da minha preferência”

P. O senhor acredita que o PSOE deve negociar com o PP?

R. Me parece indiscutível que se deve dialogar com o PP. Mas outra coisa é haver ou não margem para se chegar a um acordo sobre coisas que facilitem o que eu acabo de dizer. Mas a experiência do Governo de Rajoy foi de decretos-leis e imposições sem nenhum diálogo. É preciso tentar superar isso. Mas em uma democracia é preciso aceitar a vontade das urnas, no qual se inclui esse diálogo sem reservas.

P. O senhor acredita que, se for o caso, o PSOE deveria permitir com sua abstenção a formação de um Governo na Espanha?

R. Não quero definir a posição do partido como tal. Dito isso, creio que nem o Partido Socialista, nem o PP, nem outros deveriam negar a possibilidade de um Governo para a Espanha se não estiverem em condições de fazê-lo com seus próprios programas e formulações.

O que eu digo vale para qualquer partido responsável, porque brincar de impedir que outro governe enquanto eu mesmo não posso governar não leva a nada. O que o PP fez na Andaluzia para impedir um Governo do Partido Socialista em uma articulação com o Podemos não é um exemplo de prática democrática responsável, e é algo que não devemos imitar.

Mas não é verdade o que se está dizendo e se atribuindo a mim. Quero que a Espanha tenha um Governo capaz de levar um projeto adiante. Prefiro que esse Governo seja progressista e reformista. Se não for possível, não acredito que seja necessário colocar obstáculos à possibilidade de um Governo diferente, ainda que isso seja algo muito difícil.

P. Na sua opinião, qual a importância da Europa na busca por uma solução para a atual crise na Espanha?

R. Veja bem, eu sou um europeísta crítico aos erros da União Europeia na luta contra a crise. Estou seriamente preocupado com os desafios que o bloco tem pela frente em questões que podem ser deixadas à própria sorte: refugiados, referendo britânico, ameaças à segurança e mais. Mas me espanta que a questão da União Europeia esteja ausente das nossas campanhas e dos debates atuais.

Preocupa-me o fato de a Espanha ser irrelevante na sala de máquinas da União Europeia, porque o processo é de soberania compartilhada, não de cessão de soberania para que outros decidam por nós.

Dependemos muito do que é decidido na Europa. Por isso, temos que decidir com nossos parceiros em igualdade de condições – não dizendo “faremos aquilo que a Europa mandar”. Me parece humilhante esse comportamento. Somos parte da Europa, com as mesmas responsabilidades que os outros em suas decisões.

Dependemos da União Europeia, com quem compartilhamos soberania, e temos que decidir de maneira conjunta para mudar os rumos do bloco.

P. Como a crise da Espanha pode afetar a estabilidade da Europa?

“Ninguém tem o direito de dizer ao chefe de Estado que não aceita nem se retira, como fez Rajoy. Isso é de uma irresponsabilidade difícil de qualificar”

R. Não sou partidário dessas campanhas que tentam meter medo na população para condicionar seu livre arbítrio. Incluo aí campanhas como as que vêm da Comissão Europeia sobre a formação do nosso Governo aqui. Eles podem advertir sobre o nosso déficit, mas não interferir na formação do Governo.

É importante que nós, espanhóis, resolvamos nossos problemas. Também é importante para a Europa, na mesma medida em que influem nela os problemas de outros membros.

P. Nas últimas semanas se especulou muito com seu nome em diferentes cenários em potencial, sempre como uma espécie de solução ideal. Por que o senhor acha que se sente tanto a falta de um Felipe González na Espanha?

R. Resposta negativa: porque já foi dado tempo para eles se esquecerem dos erros que cometi. Resposta positiva: porque reconhecem que eu sempre coloquei os interesses da Espanha acima de tudo, e isso faz falta agora.

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