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De mar a mar
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Misterioso 2016 para os países latino-americanos

A Argentina fez uma experiência extravagante, cujos resultados serão vistos nos próximos meses

Carlos Pagni
Chavistas queimam bandeira de partido opositor na Venezuela.
Chavistas queimam bandeira de partido opositor na Venezuela.M. Gutiérrez (EFE)

Se a vida pública fosse vista como um filme ou um romance, o ano que começa está cheio de suspense para a América Latina. 2016 esclarecerá incógnitas de primeira magnitude. É como se o tempo, acelerado, estivesse prestes a desatar vários nós.

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No Brasil, a moeda continua no ar. Enquanto os juízes investigam a corrupção generalizada na Petrobras, o Congresso decidirá se manda aos tribunais 40 legisladores envolvidos no escândalo. Entre eles estão os presidentes de ambas as câmaras. A própria Dilma Rousseff, cuja popularidade permanece na casa de um dígito, enfrenta um processo de impeachment por adulterar as contas públicas. A possibilidade de destituição é muito nebulosa. Mas a hipótese de que renuncie e entregue o Governo ao vice, Michel Temer, permanece aberta. O PT vê no funcionamento institucional uma confabulação golpista. A legitimidade está em discussão. Esse drama se desenrola na aridez de uma economia que encolheu 3,5% em 2015. E pode se retrair mais 2% em 2016. Dilma tentou a receita fiscalista de Joaquim Levy. Fracassou. Agora se refugiou na heterodoxia de Nelson Barbosa, o outro acrobata do ano. Como qualquer sociedade tomada pela corrupção e pelo ajuste, a brasileira reconfigura seu sistema partidário. O PT procura, sob a degradada liderança de Lula, reinventar-se numa frente de esquerda para as eleições de 2018.

A Argentina fez uma experiência extravagante, cujos resultados serão vistos nos próximos meses. A metade do eleitorado concedeu o poder a Mauricio Macri. O presidente tem que consolidar a aliança Cambiemos, formada pelo seu partido, o PRO, a União Cívica Radical e a Coalizão Cívica. A aliança recebeu o presente de grego de governar também a província de Buenos Aires, que esteve nas mãos do peronismo por quase 30 anos. A transição é turbulenta: a fuga de três traficantes de droga de uma prisão voltou as atenções ao temível espetáculo das máfias entrincheiradas no aparato carcerário e policial. A ausência de alternância incubou um sistema de cumplicidades entre o crime e a política. A ruptura desse acordo, como ensina o México, não é pacífica.

A minoria no Congresso obriga Macri a decretar medidas de emergência para sanear a economia. Alfonso Prat-Gay, o ministro da Fazenda, fez a operação mais delicada: liberou a compra de dólares e estabilizou o valor dessa moeda. Agora o Governo deve fazer grandes ajustes: reduzir subsídios, impedir a disparada da inflação e conseguir que no último trimestre o nível de emprego cresça. Para se estabilizar, Macri necessita ganhar as eleições legislativas de 2017, principalmente em Buenos Aires. Tem uma vantagem: o peronismo fora do poder é um peixe fora d’água., Encurralada por processos judiciais, Cristina Kirchner tenta bloquear a nova administração. Mas deve arrastar os pragmáticos governadores do seu partido que, necessitados de recursos, se tornam dialogistas. É outra charada: quem será o novo líder peronista.

A questão argentina se agiganta na Venezuela: como se passa da hegemonia ao pluralismo. O populismo resiste a qualquer tipo de controle. O chavismo foi ferido nessa essência: reduzido a um terço na Assembleia Nacional, o regime de Nicolás Maduro virou uma caricatura. Torna-se mais autoritário. Impugna legisladores, apoiado por um Tribunal Supremo inundado de magistrados facciosos para se blindar contra a oposição parlamentar que planeja sua substituição constitucional. O substituto de Diosdado Cabello à frente da Assembleia, Henry Ramos Allup, acaba de pedir a renúncia de Maduro. Na contraluz desse conflito reaparece um ator que, para seu próprio bem, os latino-americanos tinham esquecido: o Exército. A questão da legitimidade na Venezuela é inquietante.

Rafael Correa e Evo Morales sobreviverão ao degelo bolivariano? Morales pretende permitir sua reeleição no referendo de fevereiro. E Correa, que jura não forçar sua continuidade no poder, deve abençoar um sucessor: no Equador há eleições presidenciais no início do próximo ano.

2016 é, para a Colômbia, também uma caixa de Pandora. O processo de paz com as FARC avança em meio a um ríspido debate nacional. Em 16 de dezembro foi concluída uma etapa delicada, o acordo sobre a reparação às vítimas e a justiça nessa transição. O fato de que as penas sejam de cinco a oito anos de reclusão não carcerária desencadeou duríssimas denúncias contra a impunidade. Falta determinar os custos da reinserção dos guerrilheiros e da reparação de todos aqueles que sofreram com a guerrilha.

O ponto de fuga do quadro é o referendo sobre o formato da paz. Álvaro Uribe já começou a campanha pelo “não”. Juan Manuel Santos tem um aliado gravitando: o papa Francisco, que no Natal rezou pelo processo colombiano. No dia 28 de janeiro o Papa definirá com o bispo Luis Castro a data de sua visita à Colômbia, neste ano.

O calendário é parte de um jogo de xadrez regional do qual participam Barack Obama e Raúl Castro. O encontro entre os dois líderes, em Havana, previsto para março, é outra manifestação da metamorfose regional.

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