Um novo filme sobre o Papa estreia com polêmica
‘Me Chame de Francisco’ será apresentado nesta quinta-feira na Itália
Em um quarto de século, isso nunca tinha acontecido com Pietro Valsecchi. Quando preparava um filme sempre conseguia fontes diretas. “Fazia um filme sobre a máfia, e falava com criminosos e vítimas; sobre um juiz assassinado, e me reunia com seus filhos. Mas neste caso estava assustado porque não tinha um interlocutor”, relata o produtor italiano. Era impossível chegar ao protagonista de seu novo filme ou a seu entorno mais próximo. Isso porque o papa já tem bastante trabalho para agora se ocupar também de Me Chame de Francisco (tradução literal), um novo filme sobre a vida de Jorge Bergoglio, dirigido pelo italiano Daniele Luchetti e produzido por Valsecchi, com Rodrigo de la Serna no papel do pontífice. A película será apresentada hoje à imprensa da Itália, antes da estreia oficial na prestigiada Sala Nervi, do Vaticano, em 1 de dezembro.
Depois de dois anos de trabalho, entre Itália, Argentina e Alemanha, o filme chegará às salas de cinema na quinta-feira, dia 3, com muita expectativa e uma polêmica. “Eu me pergunto se uma produtora que se valeu de um método que considero fraudulento pode conseguir estampar em seu filme a essência da mensagem de Francisco. Pessoalmente, acho que não”, afirma em um comunicado Evangelina Himitian, escritora e jornalista argentina, autora do livro A Vida de Francisco: O Papa do Povo. Porque, na busca de seu interlocutor, Valsecchi adquiriu em março de 2014 uma opção para o uso dos direitos da obra para seu roteiro. Por fim, não a exerceu. No entanto, segundo Himitian, ele se valeu de sua colaboração, seus conhecimentos e suas fontes para pôr seu filme em prática e reforça-lo. Quando já podia caminhar por conta própria, de acordo com a acusação da escritora, se desfizeram dela. Tanto que agora afirma estar preparando ações legais para defender-se. E aponta, entre outros dados, o subtítulo do filme: O Papa do Povo.
Valsecchi responde que o longa do jeito que ficou “nada tem a ver” com o livro. E esgrime, entre outros argumentos, um econômico: “O projeto custou 12 milhões (47,6 milhões de reais). Teria dado na mesma para mim 40.000 euros (158.000 reais) a mais para os direitos, mas para falar de um personagem tão importante não poderíamos limitar-nos a adaptar um livro”. O produtor reconheceu em várias ocasiões que a obra lhe serviu, sim, “de porta de acesso” ao mundo de Francisco. No entanto, ao pesquisar mais a história, afirma ter se dado conta de que “o livro não continha nenhum material original sobre Bergoglio, a não ser informação de domínio público”. Tanto que agora considera até mesmo “fundamental” a decisão de deixar o texto de Himitian para trás: “Era preciso criar uma obra original, recorrendo a múltiplas fontes e relendo-as através de um ponto de vista autoral inédito”.
Um Papa de cinema
O filme de Daniele Luchetti conta a história de Francisco da juventude até a atualidade. A obra reproduz a já célebre primeira saudação de Bergoglio aos fiéis na sacada da Basílica de São Pedro e, por meio de uma série de flashbacks, se traslada a esse “fim do mundo” de onde o pontífice disse que chegava. Assim, mostra os primeiros passos de Bergoglio rumo à religião, sua luta em defesa dos pobres e a trágica Argentina dos desaparecidos. O ator argentino Rodrigo de la Serna interpreta esse jovem padre que acabaria surpreendendo o mundo.
Me Chame de Francisco aspira a ser um "filme importante", como define Pietro Valsecchi. A estreia no Vaticano já endossa sua trajetória. A partir daí o filme chegará às salas de cinema na quinta-feira 3 de dezembro, poucos dias antes do início do Jubileu em Roma, dia 8. O longa já foi vendido a 40 países –por ora, a Espanha não está entre eles.
O filme chega a dois meses de Francisco, o Padre Jorge, outra película sobe Bergoglio protagonizada também por um ator argentino: Darío Grandinetti. Enquanto isso, o cineasta italiano, ganhador de um Oscar, Paolo Sorrentino está rodando a série The Young Pope, na qual Jude Law interpreta um fictício primeiro papa ítalo-norte-americano, com a participação ainda de Javier Cámara. Um outro filme sobre Bergoglio, com base no livro do jornalista italiano Nello Scavo e que iria ser dirigido por Liliana Cavani, foi cancelado.
O roteiro, que conta a vida de Francisco da juventude até a chegada ao trono papal, leva as assinaturas de Luchetti e do escritor argentino Martín Salinas. “Em maio [de 2014] Luchetti viajou para Buenos Aires para uma reunião comigo. Tivemos um encontro pessoal de várias horas, no qual ele e Salinas tomavam notas e um assistente gravava a conversa. Abordamos diferentes temas e detalhes cinematográficos, que hoje aparecem refletidos no trailer”, afirma a escritora, que garante que depois dessa reunião continuaram em contato, sobretudo via correio eletrônico. Valsecchi diz, porém, que o texto contém “um grande trabalho de reconstrução histórico-bibliográfico e um roteiro original que parte do conclave de 2013 para recompilar a vida de Bergoglio por meio de uma série de flashbacks”. Salinas, acrescenta o produtor, jamais leu o livro O Papa do Povo.
“Não tive participação direta na redação do roteiro, mas colaborei, sim, ao fornecer-lhes tudo o que eles me pediam para elaborá-lo. Ficou claro para mim que a produção se valeu do livro e de meus conhecimentos e contatos para desenvolver a linha do argumento do filme”, acrescenta Himitian. A escritora, cujo pai é pastor evangélico e amigo de Bergoglio, diz que organizou encontros entre a equipe do filme e membros do entorno do Papa, e voltou a se reunir com algumas de suas fontes atendendo a pedido da produtora. Valsecchi não faz uma avaliação específica dessas reuniões e se limita a assinalar que só esteve com Himitian pessoalmente uma vez, e durante “meia hora”. “Seu livro não tem nenhum papel. Depois desse encontro, o filme seguiu em frente por um ano. Fomos à Argentina buscar a verdade. Gente que nos contasse histórias relacionadas com Francisco, sua juventude, os desaparecidos, a pobreza e toda sua missão até chegar a ser Papa”, diz o produtor.
Seja como for, os últimos contatos entre ambos ocorreram em agosto de 2014. A autora afirma que prometeram em um e-mail enviar-lhe “logo” o roteiro, algo que nunca aconteceu. Um mês depois, soube por seu agente editorial que a produtora não iria adquirir os direitos. A partir daí relata que em fevereiro e abril desse ano foram realizadas tentativas de mediação. Diante do que foi exposto, resta dizer que foi em vão.
“Enquanto não vir o filme não posso dizer se houve plágio. Mas não me resta dúvidas de que usaram meu livro para promover e vender seu projeto. Que se valeram de meu trabalho para nutrir o roteiro”, alega Himitian. Ao que Valsecchi responde: “Não tem fundamento, fala do nada. É um projeto que durou dois anos. Talvez quando vir o filme ela mesma se dê conta de que não tem nada a ver”. A resposta, nos cinemas.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.