Barreiras e resistência em deixar o lar dificultam os resgates em Mariana
Muitas pessoas estão permanecendo de forma improvisada em suas casas afetadas A lama já chegou ao leito do rio Doce, e a contaminação alta impede o tratamento da água

Passados três dias da avalanche de lama que devastou a região de Mariana, depois do rompimento de duas barragens de detritos da mineradora Samarco, em muitas localidades ainda há pessoas ilhadas. Algumas esperam o resgate chegar a essas áreas de difícil acesso, enquanto outras resistem em deixar para trás o pouco que restou da vida anterior à tragédia.
Mandioca, uma das localidades da cidade de Barra Longa (a 70 quilômetros de Mariana), é uma das áreas mais isoladas. O acesso era feito por uma ponte que está destruída e agora a única forma de chegar até lá é por uma trilha de 40 quilômetros desde o vilarejo mais próximo, até onde se pode chegar de carro. Neste sábado, equipes de voluntários da Cruz Vermelha conseguiram alcançar o local e cerca de 30 pessoas, entre elas 20 idosos, devem ser resgatadas por helicópteros neste domingo, segundo o coordenador da equipe das brigadas 4X4 da entidade, Robson Ferreiras Dias. “Um grupo de jipeiros encontrou o grupo isolado, inclusive alguns em uma situação bem precária, um com a perna quebrada. Na mesma hora, fizeram uma abertura na mata para chamar o resgate de helicóptero. Devido ao mau tempo, o resgate foi adiado para este domingo”, afirmou.
Outro grupo de idosos, todos de uma mesma família, seguia no local na noite de sábado e ainda não havia previsão de quando deixariam a região. A mãe de Hélio Campus Luz, dona Geralda, de 70 anos, é uma das que resistem a sair. A casa dela foi totalmente destruída pela enxurrada de lama que chegou ao local algumas horas depois do acidente das barragens. A idosa e o marido foram avisados a tempo pelo filho sobre a lama que vinha em direção ao povoado e conseguiram escapar ilesos. “A casa ficava a apenas 50 metros do rio que se transformou em uma avalanche de lama”, conta Luz à reportagem do EL PAÍS em um ponto de apoio que foi criado por voluntários na região para recolher mantimentos para os moradores ilhados. Após a destruição, o casal de idosos se mudou para um quartinho no curral, uma espécie de cômodo onde guardam rações para animais. Sem muitas alternativas, foi o que encontraram para ainda permanecer onde se sentem em casa.
“Eles estão em péssimas condições, estamos levando água e comida, mas o local está uma lama pura, sem energia elétrica. Eles estão vivendo à luz de velas e lamparina. Estamos tentando convencê-los de sair de lá, mas os dois não querem ficar longe de onde vivem. São mais resistentes, mas já estamos procurando um local próximo, mais seguro” conta a esposa de Hélio, Ângela de Souza Luz, de 44 anos.


Professora em Barra Longa, Ângela não esperava que o tsunami de lama chegasse até sua cidade, que também está em estado de emergência. A prefeitura estima que cerca de 300 pessoas tenham perdido suas casas, mas não há registro de mortos ou feridos.
“Estamos muito longe de Bento Rodrigues. A sorte foi que a notícia que o lamaçal de fato chegaria foi passada um pouco antes. Mas a verdade é que faltou um aviso da Samarco. Todo mundo foi surpreendido e subiu para os pontos altos da cidade”, explica Ângela. O centro da cidade, no entanto, se transformou em um lamaçal avermelhado.
“Quem tinha casa na parte baixa perdeu tudo. A lama invadiu supermercados, lojas, a praça central. A cidade está irreconhecível, o cheiro é forte, de barro podre, esgoto. Dá medo porque parece tóxico. Moro há mais de 30 anos lá e nunca vi nada igual”, conta.
O prefeito Fernando Carneiro Magalhães (PMDB) afirmou que mais de três pontes estão inacessíveis na região, o que deve comprometer na próxima semana o acesso também dos ônibus escolares. Ele estima um prejuízo de aproximadamente 10 milhões de reais nas áreas atingidas pela avalanche de lama.
Solidariedade
Além das equipes de resgate e da Cruz Vermelha, muitos moradores têm se solidarizado com a população afetada pelo desastre de Mariana. Foi o caso de Sãozinha que resolveu, junto com o marido, abrir a portas de casa e do bar que possuem perto da localidade de Mandioca para ajudar os necessitados. O local virou um ponto de apoio para os que precisam tomar banho, dormir e comer. Muitas doações estão sendo armazenadas no local. “A tragédia foi grande demais, não sei quantas pessoas já passaram por aqui. A minha casa não sofreu nenhuma consequência, mas o importante é se solidarizar com o os outros”.
Em Mariana, a solidariedade dos moradores foi tanta que a prefeitura chegou a informar que já não precisava mais de donativos, como roupas, mantimentos e colchões. Mas no final deste domingo, realizou um levantamento com a equipe de Desenvolvimento Social e Cidadania e constatou a necessidade de arrecadação de mais donativos. Os itens de maior necessidade são: alimentos específicos para crianças (NAN 1 e 2, APTAMIL 1 e 2, APTAMIL PRE, Nutrem Activia e Mucilon), roupas infantis, ração para animais de pequeno porte (cães e gatos), água, açúcar, óleo de cozinha, sal, pó de café e peças íntimas.
A prioridade também são as doações financeiras. Foram disponibilizadas duas contas: uma do Banco do Brasil, por meio do CNPJ 18.295.303/0001-44 (Agência: 2279-9, Conta Corrente: 10.000-5) e outra da Caixa Econômica (Agência: 1701, Operação: 013, Conta Poupança: 100-2).
Trajeto da lama
A lama com resíduos, que saiu de Bento Rodrigues, já chegou na tarde deste domingo no leito do Rio Doce, em Governador Valadares, cidade com mais de 270 mil habitantes. A prefeitura afirmou, em nota, que o nível de contaminação é alto, o que impede o tratamento. "A mesma conclusão chegaram outros órgãos federais e estaduais como a Copasa e a Agência Nacional de Água (ANA) que estão fazendo o monitoramento e análises. Nenhum tratamento é eficaz enquanto a lama não se diluir e passar”.
A ANA recomendou que os sistemas de abastecimento interrompam a captação das águas afetadas pela lama liberada pelo rompimento de barragens de rejeitos de mineração.
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