Peña Nieto descarta mudar lei sobre a maconha no México após sentença
Governo mexicano minimiza decisão da Suprema Corte pela legalização da droga Autores da ação dizem ter posto “o primeiro prego no caixão” da proibição
O Governo mexicano acolheu com extrema frieza a decisão da Suprema Corte de Justiça, desta quarta-feira, que abre as portas para a legalização da maconha com fins recreativos e não lucrativos. Atento às pesquisas, que ainda mostram uma opinião pública majoritariamente contrária a esse passo, o Executivo de Enrique Peña Nieto buscou de todas as maneiras minimizar o alcance da histórica sentença, descartou reformas legislativas e limitou-se a oferecer a abertura de um debate nacional sobre a questão. “A resolução só corresponde às quatro pessoas que moveram a ação, portanto não modifica a política de combate ao crime organizado e ao comércio de entorpecentes”, afirmou o porta-voz do Governo, Eduardo Sánchez.
Na manhã de quarta-feira, a Primeira Sala da Suprema Corte aprovou, por quatro votos a um, uma autorização do consumo, cultivo, transporte e posse de maconha para um clube de usuários. Longe de ser um cheque em branco, a sentença limita a autorização aos quatro criadores da associação, mas ao mesmo tempo prepara o terreno para que outros cidadãos possam fazer o mesmo. Esta abertura introduz, na prática, um elemento explosivo na restritiva legislação mexicana: coloca a liberdade individual acima do dano à saúde e admite, dentro do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, o autocultivo para fins não comerciais e de consumo lúdico. “A sentença considera os mexicanos seres livres e autônomos, e abre com isso um capítulo histórico”, afirmou Fabián Aguinaco, advogado dos litigantes.
Diante de uma provável enxurrada de ações semelhantes, o Governo mexicano se apressou em construir um dique de contenção. A resolução, segundo os porta-vozes oficiais, não estabelece jurisprudência (são necessárias cinco decisões consistentes) nem implica nenhuma mudança legislativa, tendo como efeito apenas a exceção aberta aos autores da ação. “A sentença só tem efeitos para as quatro pessoas que pediram a liminar. O cultivo, fornecimento e comercialização continuam sendo um delito. A maconha não foi legalizada”, salientou o assessor jurídico governamental Humberto Castillejos. Nesse cenário, a única janela que o Executivo deixou aberta foi a necessidade de abrir um debate, mas focado na “melhor regulamentação para inibir o consumo de drogas”.
A resolução, na avaliação do Governo, não cria jurisprudência nem implica mudanças legislativas
Este imobilismo se choca com os desejos expressos pelos autores da ação. Em seu dia de glória, Juan Torre Landa, Josefina Riaño, Pablo Girault e Armando Santacruz pediram em entrevista coletiva que tanto o Poder Legislativo como o Executivo modifiquem a atual norma, a fim de proteger os direitos reconhecidos na sentença. “Somos quatro, mas representamos 120 milhões de mexicanos. É hora de que a proibição desapareça. Não queremos debates, e sim ações. Colocamos o primeiro prego no caixão [da proibição]”, afirmou Landa.
O grupo, formado por membros da organização México Unido contra a Delinquência, explicou que o pedido de liminar segue uma estratégia concebida para obrigar a um debate sobre a legalização da maconha. “Não podíamos continuar caminhando para o precipício. O gasto em segurança aumentou 800% em 10 anos, e o resultado foram 100.000 mortos e 20.000 desaparecidos. Todos somos pais de família e estávamos consternados”, afirmaram.
O cultivo, fornecimento e comercialização continuam sendo um delito. A maconha não foi legalizada” Humberto Castillejos, assessor jurídico governamental
Com a vitória judicial, abre-se agora um novo horizonte para essa pequena equipe de advogados e empresários. Primeiro, assessorar todos os que desejarem percorrer o mesmo caminho. “Não queremos aumentar o consumo, e sim fortalecer a liberdade de escolha. Hoje em dia, causam mais danos as políticas antidrogas do que as próprias drogas”, afirmou Santacruz.
O segundo passo, no qual já estão envolvidos, é a busca por uma legislação que reflita “de forma positiva” a decisão da Suprema Corte. Para isso, esses ativistas necessitarão das forças parlamentares – um campo difícil para esse jogo. Só o PRD, a grande força da esquerda mexicana, declarou-se partidário da legalização. Os outros defenderam a via da consulta pública (PRI e Morena) ou do debate (PAN). Seja como for, poucos acreditam que os partidos ficarão de braços cruzados. Por causa da onda de choque causada pela decisão judicial, e também devido aos recentes avanços legislativos nos EUA e Canadá, o ambiente mudou fortemente nesse campo, onde há poucos anos o debate mal existia. Agora, os ventos mudaram, especialmente com relação ao uso medicinal da maconha. As pesquisas mostram que nos últimos meses a posição favorável a isso ganhou terreno, até se tornar aceita pela maioria. Contribuiu para essa guinada um catalisador emocional: as dolorosas imagens da pequena Grace Elizalde, fragilizada pela síndrome de Lennox-Gastaut. Esgotadas todas as saídas terapêuticas, e após uma formidável campanha popular, um juiz decidiu autorizar seu tratamento com maconha. Um pequeno passo, que parecia limitado ao universo hospitalar, mas que motivou a queda de vários preconceitos e abriu as portas para iniciativas de maior fôlego, como a do chefe de Governo do Distrito Federal, Miguel Ángel Mancera, que propôs a legalização do consumo terapêutico. Um caminho ao qual pouquíssimos no México se opõem atualmente.
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