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A corrupção que, como na boate Kiss, alimentou o incêndio em Bucareste

As suspeitas de subornos e irregularidades na discoteca causam indignação na população

Vigília em frente à boate incendiada.Foto: reuters_live
M. R. S.

A cálida luz de centenas de velas vermelhas ilumina a entrada vazia do Club Colectiv de Bucareste, Romênia. Atrás das fitas de segurança que circundam a casa de shows onde na sexta-feira, dia 30 de outubro, morreram 32 pessoas em um incêndio, reuniu-se um grupo de jovens que exibia cartazes manuscritos. Lucian Iancu, alto, camiseta com capuz preto, segura um que diz: “A corrupção mata”. Tem 16 anos e estava lá naquela noite. No local, que hoje se sabe estar cheio de irregularidades, morreu um de seus melhores amigos. Tinham ido juntos assistir a um show de rock. “Os acidentes acontecem, mas isso vai além. Como, se não for pagando subornos, uma boate pode não cumprir tantas regras?”, questiona.

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A promotoria, que abriu uma investigação criminal e intimou os três donos do clube, afirma que é cedo para falar de corrupção. Apesar dessa cautela, em um país onde as mordidas, os favores e as comissões são comuns na maioria das instituições, são muitos os que acreditam que a corrupção alimentou as chamas que arrasaram a discoteca. O Colectiv não tinha autorização para receber tantas pessoas, não dispunha das saídas necessárias e usava materiais inadequados de construção e isolamento. Apesar disso, era uma das casas de shows mais populares da capital. O caso remete ao ocorrido no Brasil em fevereiro de 2013, quando 242 pessoas morreram em um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (Rio Grande do Sul). A discoteca também funcionava de maneira irregular chamou a atenção de todo o país para este tipo de conduta em casas noturnas.

“Não devemos mais tolerar a incompetência das autoridades nem a ineficiência das instituições, e não podemos permitir que a corrupção se desenvolva a ponto de matar”, afirmou o presidente do país, o conservador Klaus Iohannis.

Pagar por trâmites ou autorizações é comum, segundo um especialista

Nove anos depois da entrada da Romênia na União Europeia, a corrupção —um dos principais pontos a melhorar— continua sendo um problema de primeira ordem. O problema. “É algo tão disseminado e está tão entranhado que é difícil de combater”, afirma Ovidiu Voicu, diretor de Políticas Públicas da Fundación Sociedad Abierta. A corrupção, que se fortaleceu durante a ditadura de Nicolae Ceaucescu e na transição para a democracia, quando era difícil conseguir as coisas de forma regular, está arraigada na sociedade.

Pagar para receber autorizações de construção, para acelerar trâmites burocráticos, por um exame médico gratuito, para receber uma educação adequada, diz Voicu, é tão comum quanto respirar. Na verdade, uma pesquisa recente revela que dois terços da população se beneficiaram deste sistema, que gangrena a Administração do país, o segundo mais pobre da Europa, atrás apenas da Bulgária.

O próprio primeiro-ministro, o socialista Victor Ponta, está sendo investigado por evasão fiscal e lavagem de dinheiro em vários casos de 2007, quando dirigia seu escritório de advocacia. A antiga chefe da Agência Nacional de Integridade —uma das três instituições que combatem o problema— está na prisão, condenada por crimes de corrupção anteriores a seu mandato. Os casos se sucedem. Em 2014, a DNA, escritório da promotoria anticorrupção que se ocupa dos cargos públicos e das grandes somas de dinheiro, realizou 1.138 condenações definitivas. Incluídas as de 24 prefeitos, cinco parlamentares, dois ex-ministros e um ex-primeiro-ministro.

Cerca de 13.000 pessoas fazem manifestação em Bucareste para exigir justiça e questionar a Administração

O progresso das causas judiciais é grande, segundo destaca o último relatório da UE sobre a Romênia —que desde 2006 está sob o mecanismo de verificação de objetivos de Bruxelas. No entanto, apesar de comemorar o aumento do número de condenações, a Comissão destaca que ainda há problemas graves na integridade judicial e no respeito a suas decisões, e fala de pressões políticas para quem luta contra a corrupção. A chefe da DNA, Laura Codruta-Kovesi, foi acusada pelo Governo de Ponta de ter interesses políticos para promover as causas judiciais. Também o Procurador Geral do Estado, Tiberiu Mihail Nitu, se viu diante de acusações e desqualificações públicas de setores políticos em função de seu cargo à frente de outro dos departamentos chave.

A luta contra a corrupção não diz respeito apenas a Bruxelas. Os Estados Unidos, como parte de sua política para conter a Rússia na região, também se colocou firme contra essa chaga que afasta os investidores do país —com um PIB per capita de 7.125 euros (cerca de 28.500 reais)— tanto necessita. A corrupção e um sistema administrativo e econômico frágil —sua reforma é outra das questões pendentes com a UE— estão impedindo o desenvolvimento de um país que também foi afetado pela crise econômica.

A população, afirma o especialista Voicu, é cada vez menos tolerante com um sistema que os atinge desde a base. E a tragédia do Colectiv acendeu sua indignação. Desde o incêndio, os protestos se sucedem. Na terça-feira, dia 3 de novembro, cerca de 13.000 pessoas se manifestaram em Bucareste para pedir justiça e para que as instituições assumam responsabilidades. Muitos carregavam cartazes como os de Iancu: “A corrupção mata”.

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