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A maldição dos fundadores

O desprestígio causado à Igreja devido aos abusos é enorme Nem todos os prelados agem com a diligência exigida pelo Papa

O Papa Francisco nesta quarta-feira no Vaticano.
O Papa Francisco nesta quarta-feira no Vaticano.CLAUDIO PERI (EFE)

Tolerância zero? O desprestígio que os abusos sexuais causam à Igreja Romana é enorme, mas nem todos os prelados agem com a diligência exigida pelo Papa. Às vezes, é o próprio Vaticano quem se descuida. "É uma grande crise. Tem sido chocante para todos nós. De repente, tanta sujeira. Ver de repente o sacerdócio tão enlameado e, com ele, a própria Igreja Católica, tão profundamente...", reconheceu Bento XVI, em 2010. Seu substituto, Francisco, já pediu perdão quatro vezes, a última há menos de um mês. Mas muitos prelados de seu círculo continuam pensando que as denúncias causam muitos danos apenas quando são confirmadas e se tornam públicas. A tese é que a roupa suja, melhor lavar em casa. O pior é quando há muita roupa acumulada, caindo para fora da janela.

Foi o que aconteceu há 15 dias com o fundador da congregação Sodalício de Vida Cristã, Luis Fernando Figari, tratado por vários papas como figura digna de subir ao altar. Acaba de ser condenado a uma vida reclusa em uma comunidade sodálite em Roma, depois de sua congregação reconhecer que foi "um agressor sexual". O cardeal de Lima, Juan Luis Cipriani, o mais alto prelado da Opus Dei na ativa, o protegeu durante anos e declarou neste fim de semana estar desolado pelo ato. Em boa hora. Rejeitou as acusações (e se recusou a investigá-las) durante décadas, classificando-as como uma campanha de difamação contra um movimento que não parava de crescer.

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Aconteceu o mesmo com os bem-sucedidos Legionários de Cristo. O fundador, Marcial Maciel, abusou de dezenas de garotos e teve filhos secretos com várias mulheres. Apesar de dezenas de denúncias bem documentadas, somente após a morte de João Paulo II, em 2005, seu enorme poder foi retirado, com a ordem de se aposentar no México. Foi a única punição. Mas não iria obedecer. Quando morreu, em 2008, estava morando em um luxuoso hotel na Flórida. Como acontece agora com os fundadores da Comunidade Missionária de São Paulo Apóstolo, Maciel também havia sido alvo de uma investigação décadas antes, quando estudava na Universidade Pontifícia de Comillas (Cantábria) e havia sido recentemente ordenado como sacerdote. Padrinhos poderosos (o próprio Pio XII e, na Espanha, o ministro das Relações Exteriores franquista, Alberto Martín-Artajo) forçaram o arquivamento do processo com a esperança de que o investigado se regenerasse. Não foi o que aconteceu. Muito pior: intensificou seus crimes com tanta impunidade que se tornaram um clamor dentro da Igreja Romana. No entanto, João Paulo II o escolheu como exemplo para a juventude.

É incompreensível que o Vaticano não tenha aprendido com tantas experiências ruins de acobertamento, que vêm de longe. Citemos a pior, embora tenha ocorrido há séculos. Aconteceu na Itália, em dezenas de escolas religiosas do aragonês José de Calasanz, fundador da Ordem dos Clérigos Regulares Pobres, conhecidos agora como escolápios. Rodeado por pedófilos, Calasanz tentou resolver o escândalo à sua maneira, tentando silenciá-lo, escondê-lo, acobertá-lo, apesar de afetar dezenas de crianças. Pagou por isso. Um dos pedófilos, Stefano Cherubini, foi tão bem-sucedido em encobrir seus crimes que até se tornou superior da ordem, tirando o posto do fundador. Quando o caso estourou, os escolápios foram suspensos pelo Papa e enclausurados por 15 anos. Calasanz morreu com 91 anos, em Roma, ainda em desgraça. Hoje é um dos santos da Igreja Romana.

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