Peronismo e kirchnerismo se unem para atacar a imagem de Macri
A campanha argentina entra na guerra suja em que cada minuto vale
A grande incógnita política das eleições argentinas parece estar resolvida: Cristina Kirchner quer ganhar o segundo turno. Havia dúvidas muito sérias, sobretudo enquanto manteve seu prolongado silêncio. Alguns interpretavam que preferia que seu candidato, Daniel Scioli, perdesse para Mauricio Macri para que ela pudesse se tornar a líder da oposição e assim voltar em quatro anos, como fez a chilena Michelle Bachelet. Mas essas dúvidas parecem descartadas. Cristina Kirchner lançou uma ordem clara ao kirchnerismo: é preciso ganhar, custe o que custar. Desde quinta-feira, quando a declaração foi feita, a campanha contra Macri se intensifica em todos os grupos fiéis à presidenta, em especial o La Cámpora [juventude ligada ao kirchnerismo]. Com a ideia de que Macri promoverá um ajuste fiscal e até uma política econômica neoliberal, como a que foi executada nos anos 1990 com o presidente Carlos Menem (1989-1999), o kirchnerismo tenta evitar uma derrota em 22 de novembro que os analistas consideram muito provável.
Os diversos ramos do peronismo e dos grupos que apoiaram a presidenta todos esses anos, conforme apontam pessoas do kirchnerismo duro, estão divididas em torno de Scioli. Há muitas tensões internas porque se admite que é um mau candidato que não foi capaz de aglutinar nem mesmo todos os eleitores fiéis à presidenta e, sobretudo, não ampliou nem um milímetro o espaço kirchnerista, que em tese seria sua principal virtude como homem muito à direita dos Kirchner. A indignação com Scioli é muito forte no mundo kirchnerista, não só no círculo político, como também no influente entorno cultural. Entretanto, a ordem da presidenta foi categórica na quinta-feira, quando passou mais de três horas discursando na Casa Rosada a seus grupos mais fiéis e em especial aos jovens: é preciso preservar “o projeto”, é preciso parar Macri.
O efeito foi imediato. O La Cámpora está se mobilizando por todo o país com pichações contra Macri e folhetos como o que era distribuído no domingo na saída do estádio do Boca Juniors na partida decisiva em que conquistou o campeonato argentino: “Seus direitos ou Macri”. Nele se detalha que, se Macri ganhar, piorarão a saúde, a educação, a aposentadoria e o emprego. Assim, o kirchnerismo se encarrega da campanha dura contra Macri enquanto Scioli, com um discurso mais moderado, tenta atrair os eleitores peronistas que apoiaram Sergio Massa, que obteve 21% dos votos e agora está fora do segundo turno.
O kirchnerismo tenta convencer os cidadãos de que com Macri virão as receitas neoliberais dos anos 1990
Mas o kirchnerismo não ficou só nos panfletos de rua: concebeu outro sistema ainda mais eficaz, sempre com o futebol como fundo, em um país no qual futebol e política são quase a mesma coisa. No domingo, milhões de argentinos estavam vendo o Boca-Tigre, que decidia o campeonato. Era transmitido, como sempre, pela televisão pública. O Estado paga às equipes 200 milhões de dólares por ano para transmitir os jogos grátis. No intervalo, são veiculadas propagandas oficiais da presidenta, um mecanismo político de enorme eficácia. Desta vez foram mais longe. Assim que começou o intervalo, a televisão pública transmitiu uma montagem em que eram comparados os planos do ministro da Economia da ditadura, Martínez de Hoz, com os projetos de Macri.
A guerra está deflagrada, com os meios de comunicação públicos e os privados próximos ao Governo empenhados em atacar o líder da oposição e os veículos críticos ao kirchnerismo, todos privados, com um tom cada vez mais duro. Cria-se o paradoxo de o kirchnerismo tentar convencer os cidadãos de que com Macri virão as receitas neoliberais dos anos 1990, mas quem governava então era o peronismo e Scioli entrou na política precisamente naquele momento, trazido por Carlos Menem, também em campanha a favor do candidato. Nos últimos dias, os vídeos de Scioli defendendo as privatizações menemistas têm circulado na Argentina tanto como os de Macri reivindicando políticas liberais ou rechaçando as nacionalizações kirchneristas. Tudo se mistura na política argentina, que agora luta para ver qual medo prevalece entre os cidadãos.
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