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Raúl Castro volta aos Estados Unidos mais de meio século depois

É sua primeira viagem como presidente aos EUA, por conta da Assembleia Geral da ONU

Silvia Ayuso
Raúl Castro se despediu do Papa na terça-feira. Irão se reencontrar em Nova York.
Raúl Castro se despediu do Papa na terça-feira. Irão se reencontrar em Nova York.AP

“Qualquer dia desses vou lá pronunciar um discurso mais curto que os de Fidel e Chávez. Nunca estive na ONU”, brincou Raúl Castro sobre sua participação na Assembleia Geral das Nações Unidas. Era junho de 2014 e o presidente cubano falava na Bolívia, na presença dos mandatários amigos Evo Morales, o anfitrião, e Nicolás Maduro, da Venezuela. Todos riram. No final das contas, em seus 84 anos de vida, o mais novo dos Castro só esteve, que se saiba, uma vez nos Estados Unidos, e em 1959. Mas não eram palavras vazias: Raúl Castro retornou na quinta-feira ao antigo inimigo, para participar de vários eventos na reunião anual da ONU, que este ano comemorar seu 70° aniversário.

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O momento também não é casual. Muitas coisas mudaram não somente nos últimos anos, mas desde sua brincadeira na Bolívia. Ou não era brincadeira? Naquele momento, sem que até mesmo aliados como Maduro soubessem, seu Governo e o de Barack Obama já realizavam negociações secretas que seis meses mais tarde, em 17 de dezembro, levariam ao anúncio de retomada das relações que espantou o mundo. A reunião da ONU em Nova York permite mais um gesto no processo de normalização, diz William LeoGrande, professor da American University de Washington e especialista em assuntos cubanos.

“É um passo a mais na crescente relação diplomática construída por Raúl Castro e Obama. Normalizar as relações é claramente uma prioridade para ambos e suas consultas periódicas ajudam o processo a se manter ativo”, considera o coautor do livro Back Channel to Cuba, sobre as negociações secretas entre Washington e Havana no último meio século. Viajar à ONU “dá a Raul outra oportunidade de se ver frente a frente com Obama”, afirma.

A Casa Branca e Havana não quiseram confirmar se ocorrerá uma reunião privada como a feita por Obama e Castro em abril no Panamá durante a Cúpula das Américas. Mas não se descarta alguma forma de encontro. E ambos conversaram por telefone há uma semana, pouco antes do início da visita do papa Francisco — mediador fundamental na retomada de relações — a Cuba. Jorge Bergoglio agora está nos EUA — também para ele é a primeira vez — e mesmo que Raúl Castro só discurse na Assembleia Geral na tarde de segunda-feira 28 (Obama falará no mesmo dia, mas na parte da manhã), Havana anunciou que ele viajaria antes a Nova York para assistir o discurso do Papa, na sexta-feira. Um encontro adequado, diz Carl Meacham.

“O Papa foi fundamental no apoio moral e logístico nas reuniões secretas para se conseguir a normalização. Ele faz parte de onde estamos agora”, lembra. Ao mesmo tempo, para Raúl Castro, comparecer à reunião da ONU serve para enviar “um sinal”, arrisca o diretor do programa América do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS). “É uma tentativa de demonstrar que estão prontos para retomar sua presença na comunidade internacional”.

A até agora única viagem norte-americana de Raúl Castro foi a Huston, Texas, em abril de 1959, quando se uniu à última etapa da visita norte-americana de seu irmão Fidel. Washington e Havana ainda não haviam cortado as relações que demorariam mais de meio século para serem retomadas, há apenas dois meses. Segundo Brian Latell, um ex-analista da CIA que escreveu vários livros sobre os Castro, testemunhas escutaram como os dois irmãos mantiveram uma acalorada discussão em seu quarto no 18° andar do luxuoso hotel Shamrock. Historiadores como LeoGrande não se atrevem a confirmar essa altercação desmentida na época por seus protagonistas, mas concordam que, naquele momento, “Raúl e Che Guevara estavam preocupados pelo fato de Fidel estar sendo muito complacente com os EUA nessa viagem”.

Enquanto Raúl era um comunista declarado, Fidel Castro ainda não havia se pronunciado claramente a respeito. Para além do fato da briga ter ocorrido ou não e pelo motivo indicado ou não, o fato é que Fidel continuaria por mais de 40 anos no poder com seu irmão Raúl como seu eterno sucessor, até que uma doença o retirou da direção da ilha em 2006.

Mesmo com Raúl já há quase uma década no poder que tomou de forma interina de seu irmão mais velho em 2006 e definitivamente em 2008, até agora nunca havia se decidido a comparecer à reunião mundial na qual Cuba todo ano denuncia o “bloqueio”, o embargo que os EUA impõem à ilha desde 1962.

Mas Fidel aproveitou o palanque que dá a possibilidade de dirigir-se a todo o planeta. Ele o fez em quatro ocasiões: 1960, 1979, 1995 e 2000, durante a Cúpula do Milênio. Não foram muitas, mas todas inesquecíveis. Seu discurso de 1960 é, de fato, há mais de quatro décadas o recordista em duração na história da ONU: quatro horas e 29 minutos.

Aconteça o que acontecer esses dias em Nova York, Raúl Castro, que como bom militar prefere discursos concisos e curtos, prometeu há um ano que de maneira nenhuma tentará imitar seu irmão em relação à oratória. “Não se assustem que não vou pronunciar o discurso de Fidel na ONU, caso contrário Ban Ki-Moon irá se levantar e irá embora”, disse na Bolívia.

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