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Governo e FARC dão passo decisivo no processo de paz na Colômbia

Presidente e guerrilha anunciam criação de mecanismo que julgará atores do conflito Santos e Timochenko dão seis meses de prazo para a assinatura definitiva

Juan Manuel Santos, Raúl Castro e Timoleón Jiménez, 'Timochenko'
Juan Manuel Santos, Raúl Castro e Timoleón Jiménez, 'Timochenko'RODRIGO ARANGUA (AFP)

A paz, sob a qual gerações de colombianos sonham viver há mais de 50 anos, está se tornando cada vez menos utópica. O Governo da Colômbia e a guerrilha das FARC deram esta quarta-feira um passo crucial para a consolidação das negociações iniciadas há quase três anos para pôr fim a um conflito que provocou mais de 220.000 mortes e deixou sete milhões de vítimas. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder da guerrilha, Timoleón Jiménez, ou Timochenko, na presença do mandatário anfitrião, Raúl Castro, anunciaram a criação de um mecanismo judicial que julgará todos os atores do conflito. Além disso, o presidente da Colômbia e o líder da guerrilha deram um prazo de seis meses para a assinatura definitiva do acordo de paz.

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Santos, acompanhado por representantes de diversas formações políticas, entre as quais não se encontrava o uribismo, os maiores críticos do processo, viajou a Havana antes de partir para Nova York, onde assistirá à Assembleia Geral da ONU. É a primeira vez que o presidente colombiano vai à capital cubana em três anos de negociações com as FARC. “Farei escala em Havana para uma reunião decisiva com negociadores a fim de acelerar o fim do conflito. A paz está perto”, tuitou o presidente colombiano na primeira hora da manhã.

Os avanços no processo foram constantes desde o fim de julho, quando a guerrilha anunciou um novo cessar fogo unilateral e o Governo respondeu com a suspensão dos bombardeios. Desde então, quase não foram registrados ataques entre ambos. A negociação do parágrafo sobre a justiça foi o ponto mais complexo de todos os acordados até hoje com a guerrilha.

Mais de 218.000 mortos e milhões de deslocados

Sally Palomino, Bogotá

O conflito armado da Colômbia deixou mais de 218.000 vítimas mortais. Dentre elas, 177.307 eram civis e o restante, combatentes, segundo os dados o Centro de Memória Histórica colombiano.

A guerra que marcou a história recente do país afetou, de uma forma ou de outra, cerca de sete milhões de pessoas, conforme indica o Registro Único de Vítimas.

Esse mesmo registro, que realiza cálculos desde 1984, estima em 6.414.700 as pessoas deslocadas pela violência.

Além disso, cerca de 55.000 pessoas foram afetadas por algum ato terrorista e outras 11.000 sofreram as consequências das minas antipessoais. O registro de vítimas calcula também que mais de 130.000 pessoas sofreram ameaças durante o conflito, cerca de 75.000 perderam algum bem e mais de 21.000 foram sequestradas.

Nos diferentes registros se fala, ainda, em 25.000 desaparecidos e 1.754 vítimas de violência sexual no conflito armado.

O acordo acertado entre o Governo e a guerrilha, segundo fontes de ambas as partes conhecedoras do texto, incluiria a criação de um sistema de justiça baseado no fornecimento de verdade e reconhecimento de responsabilidade, que julgaria todos os atores envolvidos no conflito armado da Colômbia, combatentes e não combatentes, ou seja, guerrilheiros, militares, políticos e também financiadores do paramilitarismo. Esse novo mecanismo não dependerá do poder judiciário colombiano e será formado por juízes colombianos e estrangeiros, ainda a definir, segundo as mesmas fontes, que comemoram ter obtido um equilíbrio com as exigências do Tribunal Penal Internacional, cuja base, o Estatuto de Roma, é referendada pela Colômbia.

Conforme o negociado entre o Governo e a guerrilha, quanto mais verdade for apresentada perante o novo mecanismo judicial serão aplicadas penas ou sanções – dependendo da fonte consultada, emprega-se um ou outro termo – mais restaurativas, com menos restrição de liberdade e direitos. Essas penas estariam relacionadas ao parágrafo sobre a compensação das vítimas, por exemplo, com a substituição de cultivos ilícitos, a construção de infraestrutura em zonas afetadas ou garantir o retorno dos deslocados pelo conflito. Em nenhum caso esse tipo de pena implicaria em prisão. Só em caso de não se fornecer verdade e não reconhecer responsabilidade a pessoa acusada será julgada e, caso considerada culpada, pode ser condenada à prisão.

As penas que os guerrilheiros deveriam cumprir constituíram um dos aspectos mais controversos ao negociar o parágrafo da justiça transicional. Desde um primeiro momento deu-se por certo que as FARC não aceitariam uma condenação que implicasse prisão. “Ninguém negocia para acabar atrás das grades”, chegou a dizer o presidente Santos. Essa, no entanto, era uma das reivindicações mais claras da oposição, encarnada por Álvaro Uribe. Em uma entrevista recente a este jornal, o ex-presidente afirmou que pelo menos os líderes da guerrilha deveriam ir à prisão. A Casa de Nariño (sede do governo colombiano) garante que haverá privação de liberdade. As fontes conhecedoras do acordo afirmam que o sistema assegura que não haverá impunidade para nenhum ator do conflito desde que apresentem a verdade e assumam responsabilidade.

O parágrafo da justiça é um dos três aspectos negociados no tocante às vítimas. Os outros dois eram o da verdade, consolidado com a criação da Comissão da Verdade em junho, e o da compensação, o próximo a ser abordado e que já estaria acordado em quase 90%, segundo fontes conhecedoras do processo. A partir de agora, as equipes negociadoras tentarão fechar o último dos seis pontos que formam o acordo: o da implementação, verificação e referendação, assim como garantir a não repetição do conflito.

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